Em agosto passado, o apresentador Sal Masekela anunciou o lançamento do livro “Afrosurf”, com a proposta de celebrar a cultura do surf na África.
A obra será financiada através de uma bem-sucedida campanha lançada no Kickstarter, que conseguiu arrecadar mais de US$ 50 mil, superando, inclusive, a meta inicial do projeto.
Afrosurf será composto por 300 páginas, em princípio incluindo fotografias, histórias, perfis e entrevistas com personagens do esporte na África.
Contudo, após o anúncio, muito se especulou sobre o conteúdo da obra, sobretudo em relação à história esquecida das origens do surf no continente.
O livro abordaria os relatos dos primeiros navegadores europeus, que alcançaram a África e testemunharam a relação dos africanos com as ondas no século XVII?
Para aqueles que estavam fazendo essa pergunta, o site da Surfer publicou nessa sexta-feira (11) uma boa notícia.
Em matéria que leva o título “Africans Surfed Long Before Bruce Brown Showed Up”, a Surfer reproduz um trecho de Afrosurf, assinado pelo professor de história da Universidade da Califórnia, Kevin Dawson.
Autor de Undercurrents of Power Aquatic Culture in the African Diaspora, obra que aborda a cultura de mar das antigas sociedades africanas, Dawson oferece um contexto histórico ao livro produzido por Masekela.
Segundo a reportagem, o livro irá esclarecer que o atual cenário do surf africano é, na verdade, o renascimento de tradições com mais de mil anos.
“A África possui milhares de quilômetros de águas quentes e cheias de ondas e populações de nadadores fortes, pescadores e mercadores que conheciam a dinâmica do mar e eram capazes de surfar ondas com mais de dez pés de altura”, relata o professor.
Além disso, Dawson esclarece que surf foi desenvolvido de forma independente e com características próprias em diversas partes do continente:
“Os africanos surfaram em pranchas de madeira, de 1 a 5 pés, deitados, sentados, ajoelhados ou em pé, e também em pequenas canoas individuais”.
Primeiros relatos da cultura do surf na África
Coube ao comerciante alemão Michael Hemmersam o primeiro registro conhecido de surf africano, datado de 1640.
Hemmersam, no entanto, ofereceu uma visão peculiar sobre o que presenciou na costa africana.
Acreditando estar observando as crianças da Costa do Ouro, “aprendendo a nadar, ele escreveu que os pais “amarravam seus filhos a pranchas e os jogavam na água”.
Essa passagem também está descrita no livro “Raiz, uma viagem pelas origens do surfe, canoa polinésia, stand up paddle e prone paddleboard”, escrito pelo jornalista Luciano Meneghello, recém laçado pela editora Ipêamarelo.
Todavia, Dawson pondera que os relatos posteriores seriam bem mais assertivos.
Com efeito, o professor cita um relato feito em 1834, por James Alexander, durante uma viagem ao litoral de Gana:
“Enquanto isso, da praia, podem ser vistos meninos nadando no mar, com pranchas leves sob suas barrigas. Eles esperaram por uma onda; e vem rolando como se houvesse uma nuvem sobre dela”.
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Outro ponto abordado no livro é o fato de que o surf na costa atlântica da África foi um meio de abrir oportunidades econômicas.
Entender a dinâmica das ondas foi fundamental para que pescadores e mercantes pudessem exercer suas atividades de forma bem-sucedida.
A África Atlântica possui poucos portos naturais e as ondas quebram ao longo de grande parte de seu litoral.
De tal forma que a única maneira de garantir o acesso aos recursos do oceano seria através de canoas que surfassem bem as ondas.
Essa necessidade fez com que os habitantes dessas comunidades, desde muito cedo, aprendessem técnicas de surf, incluindo um conhecimento refinado sobre o funcionamento do mar.
“É importante ressaltar que surfar ensinou aos jovens que, para pegar as ondas, é necessário igualar sua velocidade – algo que os ocidentais não compreendiam até o final do século XIX”, revela o professor, citando outro relato abordado no artigo:
“Documentando como os africanos surfavam com suas canoas desde a infância, um inglês observou que eles ‘contam os mares [ondas] e sabem quando remar com segurança’”.
Outro ponto muito interessante levanto por Dawson no artigo sobre a cultura do surf na África, aborda o lado espiritual da atividade:
“As canoas de surf eram objetos sagrados, esculpidos com ferramentas de ferro em árvores divinas de choupo de seda, enquanto o oceano permanecia um lugar espiritual”.
Essa espiritualidade teria uma conexão particularmente forte com os lugares onde o surf era praticado, como revela o professor:
“Águas com características distintas, como zonas de surf, redemoinhos e cachoeiras, são a morada favorita dos espíritos da água, incluindo as Mami Wata, divindades que se assemelham a sereias”.
O último parágrafo do artigo da Surfer traz um dado bastante interessante sobre a vinda forçada dos escravos às Américas, que possivelmente abrirá novas frentes de pesquisa:
“Relatos indicam que, por volta de 1700, escravos africanos surfaram com pranchas e canoas por toda costa leste do continente. Carolina do Sul (EUA) ao Brasil”, finaliza Kevin Dawson.
Para saber mais sobre o livro Africasurf clique AQUI.
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