Cancelamento da etapa do Circuito Mundial traz prejuízos e preocupação aos habitantes de J-Bay. Foto: ASP/Kirstin
Por Alexandre Versiani
No começo deste ano, a Billabong anunciou que depois de 20 anos não bancaria mais a passagem do Circuito Mundial por Jeffrey’s Bay, África do Sul. Neste período, o evento ajudou a alavancar a economia local com 15 etapas da elite profissional e duas da divisão de acesso – a última vencida por Adriano de Souza em 2012.
A relação entre a marca australiana e o pointbreak começou no final da década de 60, quando o aussie Gordon Merchant acampou sete meses em J-Bay e apaixonou-se pelo pico. Pouco depois, o executivo fundaria a Billabong e não se esqueceria desse pedaço mágico do litoral sul-africano. Hoje a companhia possui lojas, fábrica e emprega mais de 200 pessoas na cidade.
De 1960 até os dias atuais, Jeffrey’s Bay moldou-se ao surf. O turismo voltado ao esporte tornou-se o principal combustível do comércio local com hotéis, pousadas, restaurantes e lojas das principais marcas de surfwear. Tudo a poucos metros de Supertubes, a principal das seis bancadas de J-Bay.
Se as direitas continuam ali, a situação de quem depende delas para sobreviver não é a mesma desde o cancelamento da etapa do WCT em 2012 (foi realizado como evento de nível 6 estrelas). Sem a elite, o prejuízo estimado para a economia local variou entre 15 e 20 milhões de rands (R$ 4 a 5 milhões), segundo reportagem publicada pelo jornal sul-africano Cape Times.
Quem sentiu no bolso foram principalmente donos de lojas como o shaper local Glen D’Arcy, que faz pranchas desde 1968 e mudou-se para a “terra prometida” com a chegada dos grandes eventos nos anos 80. Na última temporada, sem o WCT, D’Arcy calculou uma queda de 30% no seu faturamento e espera mais prejuízos com o cancelamento do WQS neste ano.
“É uma pena que nem a Billabong Internacional nem os copatrocinadores tenham recursos para realizar o evento. Além do prejuízo financeiro, o campeonato também era a época mais esperada do ano, onde todos podiam ver os melhores do mundo em uma onda de classe mundial”, conta Glen, que nas últimas três décadas viu J-Bay passar de uma vila de pescadores para uma cidade com centros comerciais e shoppings. “J-Bay perdeu sua alma”, lamenta.
Em comunicado à imprensa sul-africana, o gerente de marketing da Billabong na África do Sul Chad D’Arcy diz que os esforços para realizar o evento deste ano foram feitos. “A Billabong tem sido o principal patrocinador do campeonato há mais de 25 anos. Houve vários outros ao longo deste tempo, contribuindo para uma pequena porcentagem do custo total do evento. Foram realizadas reuniões com vários interessados, mas não houve o financiamento adequado para realizar o evento”, explica Chad.
Para piorar, a cidade de 40 mil habitantes, localizada entre Port Elizabeth e Cape St. Francis, convive desde 2009 com o fantasma da construção de uma usina nuclear em Thyspunt, a apenas 16 quilômetros dali. O projeto é tocado pela gigante estatal Eskom, que fornece 95% de toda a eletricidade usada na África do Sul. Nos próximos anos, a Eskom planeja construir a maior usina nuclear do país, com um reator de 4 mil megawatts que poderia ser aumentado para 8 mil em alguns anos.
“O fim do Billabong Pro representa muito mais do que não ver os principais atletas do mundo em ação. Representa o enfraquecimento da economia e do turismo locais. E o grande mercado que gira em torno do surf é a nossa última linha de defesa contra a construção da usina”, relata Trudi Malan, coordenadora da ONG Thyspunt Alliance, criada em 2010 pela comunidade de moradores de J-Bay contra a construção da usina.
Graças às pesquisas encomendadas pela Thyspunt Alliance, as obras ainda não saíram do papel. Com cerca de 5 mil membros, a organização preparou estudos sobre os impactos ambientais e as consequências devastadoras que a usina traria para o turismo da região.
Segundo a ONG, com o início das obras, centenas de caminhões passariam a circular diariamente por Jeffrey’s Bay e cerca de 7 mil pessoas desembarcariam de uma só vez na cidade em busca dos empregos criados pela obra. Já os surfistas dizem que o resfriamento dos condensadores da usina poderia deixar a água com níveis perigosos de radioatividade, além de uma possível mudança do fluxo de areia, o que prejudicaria a formação das ondas.
“Infelizmente é a realidade. A construção da usina vai acontecer, a questão é saber quando e quais serão os impactos no ambiente local”, finaliza Trudi.