Por Steve Barilotti Se você não pode fazer coisas grandiosas, faça coisas pequenas de maneira grandiosa. Gandhi Deixando Kyoto, faltam duas paradas até a estação de Shinagawa. Viajamos a uma velocidade desconcertante, com média de 240 km/h nas retas. Tão rápido que produzimos uma explosão sônica ao sair de um túnel longo, sendo atirados para fora como a bala a que se refere o nome do trem. Olhando pela janela, vemos um borrão de paisagens tropicais industrializadas: campos de arroz verdes e bucólicos dão lugar a fábricas de bolinhos de peixe e velhos complexos residenciais. Nosso vagão, balançando suavemente, está lotado de samurais de escritório sonolentos, bebendo café e lendo mangás. Não demonstram nenhum sinal de ter notado nossa presença de gaijin como chamam os haoles no Japão. Do outro lado do corredor, Justin Krumb, diretor e produtor de Minds In The Water, está escondido atrás de casacos pretos e um cavanhaque de assassino. Ele é a maior pessoa do trem, 30 cm mais alto e duas vezes o tamanho do sarariman típico de Tokyo sentado no nosso vagão. Isso o torna facilmente reconhecível; especialmente para a polícia de Wakayama, que confiscou o passaporte de todos após a segunda ação em Taiji, há menos de 48 horas. Eu ensaio nossos planos de fuga enquanto tento decifrar meu bilhete em japonês. As três possibilidades me obrigam a atravessar catracas eletrônicas no caos da Estação Shinagawa. Uma baldeação e 45 minutos depois, estamos no Aeroporto Internacional de Narita. Sem contar qualquer discussão com a alfândega japonesa em quartinhos nos fundos que pode ou não ter-nos em uma lista de vigilância devemos embarcar às três e pousar em L.A. a tempo de comer um bom burrito de café da manhã. Estamos chegando a Nagoya, um pouco antes das dez da manhã. Nesse momento, os Rastovichs já devem ter feito o check out no Hilton de Osaka com seus nomes falsos, para encontrar-nos em Tokyo mais tarde e pegar o trem. Umas 21h00 ontem, ouvimos dos nossos amigos em Taiji que os eventos de segunda-feira enfureceram os pescadores locais a tal ponto que exigiram a prisão de seis remadores Dave Rastovich, sua mulher Hannah, Hayden Panettiere, atriz do seriado Heroes, a surfista profissional Karina Petroni, o jornalista Peter Heller e a atriz australiana Isabel Lucas. Antes do amanhecer, eles haviam cruzado os limites da rede na enseada da matança para remar em homenagem a um pequeno grupo de baleias-piloto e seus filhotes esperando o abatimento. Dois dias antes, Rastovich havia organizado uma ação ainda maior, com mais de 25 remadores. Mas os pescadores, tendo sido avisados sobre a ação, retiraram a rede e limparam a área. A cerimônia, apesar de frustrada, aconteceu pacificamente, com os pescadores fitando-os de longe, ameaçadoramente. Mas assim que a caravana de surfistas saiu da cidade, as redes subiram mais uma vez e aproximadamente 25 baleias-piloto foram arrebanhadas para dentro da baía. Quando ficou sabendo da matança, Rastovich imediatamente organizou um retorno discreto para uma segunda cerimônia. Enquanto a acusação de invasão provavelmente não os prejudicaria muito, um indiciamento mais sério, por conspiração para perturbar o comércio, poderia fazê-lo. As autoridades provavelmente estavam mais interessadas em confiscar as filmagens do que deter um grupo de surfistas estrangeiros que haviam entrado em uma região de cultura muito sensível no Japão. Mas, de acordo com a legislação japonesa, qualquer pessoa pode ficar detida por até três semanas sem nenhuma acusação. http://www.youtube.com/watch?v=iaCCIzknUzc De qualquer maneira, Dave e os outros não estavam para brincadeiras assim que o dragão adormecido foi despertado. À meia-noite, Dave, Hannah, Justin e eu escapamos pelo porão do hotel e chamamos táxis. Deixamos nossas pranchas para trás, na entrada do hotel, como iscas para distrair os recepcionistas. No bolso da frente da minha calça está uma fita cassete do tamanho de uma caixa de fósforos, marcada com Taiji #2. A maior parte das filmagens do Japão fora enviada por FedEx ontem, caso a traiçoeira Agência de Pesca Japonesa possivelmente a principal atuante sobre a política japonesa hoje em dia decidisse revirar nossos quartos em busca da evidência vergonhosa do genocídio de cetáceos. Não apenas pela paranoia constante por extensa falta de sono, isso é uma possibilidade real em um país como o Japão. O governo tem sido bem eficaz em censurar os problemas de matança de golfinhos e contaminação por mercúrio na grande mídia do país, ou apenas fazê-los parecer propaganda antijaponesa de outros países. Mas fizeram ligações desconcertantes para nosso quarto do hotel. E houve a visita de um senhor quieto, porém ameaçador, representando a Cooperativa de Pesca, que fez muitos dos nossos amigos surfistas japoneses caírem fora na última hora. Essa fita, com mais de 45 minutos, contém uma realidade desconfortável que a maioria das pessoas, inclusive surfistas, como eu, não gostariam de enfrentar. Uma realidade em que a cada ano, em pequenas enseadas bucólicas como a que encontramos no vilarejo de Taiji, mais de 20 mil golfinhos e pequenas baleias são constantemente agrupados e esquartejados, sendo deixados sangrando e agonizando por mais de 20 minutos, para lentamente morrer. Até segunda feira, as matanças e águas sangrentas não passavam de uma abstração, um mero vídeo do Youtube. O que Rastovich e os outros confrontaram cara a cara foi um ossuário lotado de cardumes de golfinhos abatidos e aterrorizados morrendo o que o ex-treinador de Flippers tornado militante anti-cativeiro, Rick OBarry, chamou de Inferno de Dante dos golfinhos. Os pescadores parecem estar irritados a um nível crítico, por conta da constante pressão de um número crescente de ocidentais tentando acabar com seu ganha-pão. Há cada vez mais empurrões e gritaria por parte dos pescadores, cada vez mais distantes de seu geralmente exemplar tatemae – a aparência serena reservada a estrangeiros e a qualquer um de fora do pequeno vilarejo local, cujas tradições de caça de baleias datam de mais de 400 anos atrás. Mas, na realidade, o que incentiva esses assassinos não é a tradição e sim muito dinheiro. Nem tanto pela carne, mas pelo comércio de golfinhos cativos, em que uma fêmea jovem e saudável pode render entre 30 e 100 mil dólares no mercado negro mundial. Enquanto a pesca mundial entra em colapso, pescadores costeiros são forçados a ganhar dinheiro como conseguirem. A triste ironia é que os locais estão comendo a carne dos mamíferos, contaminada por mercúrio, e alimentando seus filhos com ela, envenenando a si mesmos com ganância e metais pesados. Na manhã de segunda-feira, após descobrir Rastovich e os outros formando um círculo memorial tradicional de surfistas ao lado das baleias piloto, três pescadores aceleraram em direção a eles e gritaram para que o grupo fosse embora imediatamente, deixando de perturbar seus negócios. Ao ver que os remadores não se moviam, os pescadores passaram a empurrá-los com bastões e ligaram o motor ao seu lado. Não passou muito de um blefe, mas alguns membros da equipe ficaram com hematomas no corpo. Quando os pescadores notaram a armada de câmeras na praia e avistaram o pequeno helicóptero-câmera de controle remoto zunindo acima deles, saíram correndo para tentar interceptar a mídia. Nesse momento, Rastovich decidiu que eles já haviam cumprido seu dever, então todos saíram da água. Como se podia ver nas filmagens resultantes, que seriam televisionadas 12 horas mais tarde, os remadores estavam claramente traumatizados pela chacina. Hayden e Hannah choravam na praia, enquanto Rastovich, visivelmente abalado e distraído, murmurava, Difícil ignorar essa merda, difícil… enquanto rapidamente guardava as pranchas de volta na van que os aguardava. Eles abaixaram quando a polícia passou rapidamente na estrada, enquanto retornavam a Osaka. Durante o último trecho da viagem a Tokyo, fecho meus olhos… A íntegra desta matéria você pode ler na edição de dezembro da HARDCORE. Para se inscrever para a Petição Visual: www.mindsinthewater.com Surfistas Pelos Cetáceos: www.s4cglobal.org