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ENTREVISTA: GABRIEL MEDINA

Por Adriano Vasconcellos | HC309 – Agosto/15

Ele foi campeão mundial, o primeiro brasileiro a conquistar o título mais desejado da história do surf. Essa fançanha por si só já transforma Gabriel Medina em legend, mas como chamar de legend um garoto de apenas 21 anos? Arrisco a dizer que GA|ME vai muito além. De carismo nato e ótima educação, apoiado sempre por sua família vibrante, que forma com ele uma bela e verdadeira imagem, Gabriel virou celebridade do dia para noite, virou também garoto-propaganda de multinacionais e de campanhas sociais. Ganhou a idolatria de pessoas de todas as idades, de crianças aos mais velhos, neste país que necessita tanto de ídolos e gente de bem. Apontado pela Revista TIME como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, o assédio agora faz parte de sua vida. Como disse Tulio Brandão, autor do livro GABRIEL MEDINA, A TRAJETÓRIA DO PRIMEIRO CAMPEÃO MUNDIAL DE SURF DO BRASIL, durante a sessão de autógrafos em São Paulo, “Medina é um novo beatle”. Atencioso com o público, incansável com a imprensa, o tímido Gabriel derruba barreiras de personalidades e se transforma dentro d´água – como foi visto muitas vezes, principalmente em Pipeline, no dia que ficou para a eternidade – e, prepare-se, ele tem muito a dizer e quer mais, muito mais.

Gabriel, o que foram os acontecimentos de J-Bay, que envolveram Mick Fanning que encontrou um tubarão? O que foi aquilo? 

O que aconteceu com o Mick em J-Bay foi incrível. Eu estava fazendo uma sessão de fotos com a Rip Curl em uma praia fora de J-Bay e fiquei sabendo por uma mensagem que recebi da minha mãe. ‘A final está parada porque o Mick Fanning foi atacado por um tubarão’. Mostrei pra galera que estava fazendo a produção de fotos e ninguém acreditou. Todo mundo ficou pasmo. Não sabíamos o que estava acontecendo. Aí minha mãe me ligou e falou que ele estava bem. Eu fiquei em choque. Quando vi a imagem da WSL, fiquei mais em choque ainda porque ele não tomou a mordida; só que o tubarão ficou do seu lado, bateu nele e não mordeu. Essa o Mick com certeza não vai esquecer nunca. Acho que foi até irônico ter acontecido isso com ele. Parece que ele estava predestinado a passar por aquilo e sair ileso. Eu ainda não encontrei com ele. Mandei mensagem: ‘Graças a Deus que você está bem. Te amo’. Ele respondeu na hora: ‘Nem fala, foi bizarro, mas tá tudo bem. Te amo também. Tamo junto’. Meu pai viu o Mick ali na hora. Falaram que o clima ficou muito tenso. O Mick saiu muito assustado, meio que contando pra todo mundo: ‘Caraca, eu bati no tubarão’. Mas quando ele subiu e viu as imagens, viu de verdade o que aconteceu, começou a chorar e desabou. Ainda bem que não aconteceu o pior. A gente sempre está junto nas etapas, nós somos amigos, mas dos atletas que estavam na área de competição, a maioria estava chorando muito… Ele passou muito perigo, não era a hora dele. Foi coisa de Deus, um milagre.

 

E para voltar pra J-Bay agora? Como será a relação com mares que têm tubarões, como J-Bay e Margaret River?

É, para voltar pra J-Bay vai ficar um pouco mais difícil. Eu fui ali no dia seguinte, havia altas ondas, o mar estava incrível — mas não dava pra surfar. Tem vários lugares do mundo com altas ondas e que não têm tubarão. Eu espero que mude alguma coisa, que a segurança dos atletas aumente e que a gente saia desse risco e se preocupe apenas com o surf. Eu tenho uma passagem em Margaret no ano passado, eu estava inseguro, pensando em surfar porque não tinha ninguém na água. O Kelly parou do lado, perguntou se eu ia surfar. Aí, eu: ‘Ah… Então, já que você vai, eu vou’. Então, a gente acabou indo junto, mas eu estava com medo. Entrou um filmmaker com a gente, e esse foi sinistro, foi corajoso (risos). A gente acabou surfando. Ele foi para um pico bem mais distante, no meio do nada. Eu falei que não ia porque era mais afastado. Fiquei ali e continuei surfando, até quebrar a prancha e sair. Mas… Tubarão é foda.

 

Este ano o Tour está bem movimentado. Na primeira etapa, em Snapper, aconteceu aquele entrevero com o Glenn Hall. E teve também o fato da WSL ter tirado o seu microfone durante a entrevista após a confusão, e você não estava falando nada demais. O que você acha de terem lhe tirado o microfone, mesmo estando tranquilo na situação?

É, foi uma situação difícil, um mal-entendido. Claro, eu estava muito bravo quando saí da bateria e queria falar algumas verdades. É que estava meio entalado um pouco sobre a decisão de ter rolado ou não, de ter que esperar um dia a mais… Eu estava de cabeça quente, acabei falando aquelas coisas, mas não xinguei ou desrespeitei. Eles tiraram o microfone de mim, e eu acabei não terminando a frase. Aí, deram a entender outra coisa, que eu não queria falar, mas foi tudo um mal-entendido. O Glenn Hall está ficando com a gente, com a galera da Rip Curl. Graças a Deus está tudo resolvido e já passou. Já tomei minha multa… E aprendi e está tudo certo (risos).

 

A passagem do Tour pelo Brasil este ano foi totalmente diferente. Tudo mudou. Aquele alvoroço. Como foi isso pra você? Como você se sentiu ali?

Foi uma loucura, né. Tem sido uma loucura para mim. Depois que ganhei o título mundial… Minha chegada ao Brasil, no aeroporto, foi incrível, nunca vi igual. Eu chegava a ver na internet (histeria) com caras como Justin Bieber, caras grandes, pop stars. E aí eu desembarquei e tinha um monte de gente me esperando. Eu me senti, ali na hora, um cara desses (risos). Um monte de flash. ‘Nossa!’. Depois disso, sei lá, cada lugar que eu vou é uma maratona. Tenho que parar para tirar foto, dar um autógrafo. E nas competições, já na Gold Coast, tinha muita gente me acompanhando, muitos brasileiros. Uma torcida incrível, foi irado, apesar de eu não ter ido bem. Tinha muito brasileiro que torceu para o Filipinho que acabou ganhando, o Mineiro ficou na semi, o Miguel também. Quanto mais brasileiros seguiam em frente na competição, mais gente na praia. Parecia o Brasil. E isso foi legal. Está sendo bom para o surf brasileiro.

 

O assédio no Brasil atrapalhou a sua concentração? Na bateria que você saiu do campeonato, uma coisa que me chamou muito a atenção: quando você passou pelo corredor para ir pra praia, fiquei aflito pois a galera foi pra cima e parecia que até poderia te machucar, porque você virou um sanduíche ali no meio do povo…

É! Eu cheguei a quase cair. Ultimamente, a gente tem tido bastante torcida em todos os lugares. Em Margaret, por exemplo, um lugar que não tem quase ninguém, neste ano teve. Até em Fiji — teve gente pegando voo para assistir a gente. Aí, no Brasil foi aquela loucura. Na real, psicologicamente, eu já estava meio que preparado, porque já tinha passado por uma situação dessa em Portugal. No ano passado, quando eu estava disputando o título mundial, tinha muita gente e eu não consegui me concentrar direito, então me preparei. Eu sempre rezo antes de entrar na água, que é onde eu me concentro espiritual e mentalmente, e no Brasil eu não consegui. No Brasil, foi mais difícil. A hora que eu passei por baixo da bandeira, eu vi uns três seguranças caindo do meu lado. Eu fiquei com medo de ser o próximo. Consegui passar por aquilo tudo e entrei na água, foi uma chacoalhada. Claro, não estou justificando por que eu perdi, mas eu queria ter me concentrado um pouco mais. Enfim, faz parte, isso é bom para o esporte e tenho que me adaptar com isso.

 

E a adaptação com a mídia? Muita gente especulando muita coisa, este ano você ainda não teve um resultado tão expressivo. Acho que você deve ler  e escutar muita besteira… Mas queria ouvir um pouco de você sobre a sua performance no ano — se é um pouco de falta de sorte; de concentração; muito assédio, ou mesmo, se é realmente algo natural do esporte?

É, este ano tem sido bem difícil para mim. Sim, houve uma má-sorte. Eu não estava em uma fase boa. Agora acabei de voltar de um quinto colocado em J-Bay, ganhei o “Super Heat” (Medina X Slater X Fanning) — o mar estava ruim, mas foi legal. Enfim, acho que contou várias coisas. Meu treino, minhas coisas, estou fazendo igual ao ano passado, em que fui campeão mundial. Fui para a Califórnia antes da Goldie. Fui pro Hawaii. Fiz minha preparação toda. Na Gold Coast, as ondas estavam meio ruins. Em Bells, foi o campeonato que menos surfei. Eu fiquei em quinto colocado, mas não consegui surfar direito. Até na bateria contra o Kelly, que eu acabei passando, surfei pouco. Margaret… Aquela onda, The Box, eu não estava preparado pra ela. No Brasil, eu perdi mesmo porque o Keanu acabou acertando um aéreo muito bom. Depois, em Fiji, minha bateria foi muito devagar, não deu muita onda, eu errei na prioridade também. Agora em J-Bay foi o campeonato que deu mais onda, que eu tive mais oportunidades, que pude surfar, escolher as minhas ondas. Eu me senti com mais foco e consegui escolher a melhor onda da bateria. Pegar a da série, ter calma. Estava bastante paciente e me sentindo bem, mas é isso, na real, o esporte é assim, feito de vitórias e derrotas. E a gente tem que passar por cima dessa má-fase. Espero ir bem em Teahupoo, uma etapa que gosto muito. A vida de um esportista é isso: altos e baixos. Mas o assédio não enche o saco às vezes? Você não conseguir andar nem por Maresias… É, então, até estavam falando bastante: ‘Ah, ele está sendo muito assediado, está trabalhando pra caramba, fazendo coisa de patrocinadores e se ocupando com isso em vez de se ocupar com o surf’. Mas hoje em dia isso tudo faz parte da minha vida, e eu não estou deixando de surfar. Eu acho que gosto mais, inclusive, do que qualquer um do Tour… Quando estou de férias, de folga, o que eu faço é surfar. Claro que tem dias que você não acorda de bom-humor, e esses dias são difíceis. Minha mãe sempre me fala: ‘Quem mandou ser o escolhido?’. Estou levando, não tem me atrapalhado com o surf. Falar sempre vão falar. Dois anos atrás, eu tive o pior ano da minha vida, porque não vinham os resultados, e eu consegui passar por isso — e ninguém falava nada. Aí, hoje sou o atual campeão mundial, tive um ano excelente no ano passado e agora vão cobrar mais, mas minha cabeça está tranquila e eu quero meus resultados, sim, mas sem pressão.

 

Você tem pensado em sair de Maresias? Ouvi que você iria para o Rio, depois Califórnia.

Eu e minha família temos conversado bastante sobre mudar. Tínhamos a ideia de ir pro Rio e para Califórnia mesmo, mas a gente não consegue sair de Maresias, ainda mais porque agora temos projetos para serem desenvolvidos. E acho que provavelmente vamos acabar ficando no Brasil. Essa história de morar na Califórnia era mais por experiência de vida. Eu quero ter essa experiência, quero levar minha família. A gente conversa, mas Maresias é bom demais. Brasil é Brasil! Eu falei com o Mineiro e com o Alejo. O Mineiro já morou lá. O Alejo já ficou um bom tempo. Talvez lá seja melhor morar pensando em coisas materiais, não no que você sente, em se sentir em casa. E é isso que importa, na verdade. Você ter sua família perto, a comida que você gosta, os amigos.

A grande mídia está especulando bastante. Os sites de fofocas, você faz parte deles. Então, eu não posso deixar de perguntar: você está namorando?

É! Estou namorando. O cara que tinha o coração mais rocha do Tour está namorando. A galera não para de zoar. Estou namorando, estou tranquilo e estou feliz. Cansou um pouco da noite, Gabriel? Cansou da mulherada? É… Não é que cansei, mas é que essa coisa de namorar, de achar uma mina legal, você não escolhe. Acaba acontecendo. E eu era totalmente contra um relacionamento, ainda mais na minha idade. Eu sempre falei isso. Falei pra todos os meus amigos. Filipinho, Mineiro, todos esses caras cansaram de me ouvir falando isso. O Mineiro casando, e eu dando pilha errada. Mas eu sempre falei: ‘Pô, não dá para namorar agora. Essa fase é a melhor, tem que aproveitar’. E acabei namorando, do nada. Mas você “ficou mais bonito” mesmo? Como você falou para a WSL na abertura de 2015? (risos) É! (risos). Então, na real meu pai sempre me falava: ‘Quanto mais campeonatos você ganhar, mais bonito você vai ficar’. A gente sempre brincou. E eu cheguei a falar isso quando recebi o troféu da WSL. ‘Fiquei mais bonito’. Depois do título fiquei mais ainda (risos).

 

Com seu título mundial, com a explosão da Brazilian Storm, muita coisa começa a refletir para dentro do segmento no Brasil. E aconteceu o Oi SuperSurf em Maresias. O que você achou do novo Circuito Brasileiro de Surf?

Eu achei irado que o SuperSurf está de volta. É um campeonato que eu sempre sonhei em competir, porque, quando eu era pequeno, eu cheguei a assistir ao Peterson Rosa. O Mineirinho mesmo estava entrando no WCT. O Fanta, o Simão Romão. Agora eu assisti a algumas baterias durante alguns lay days em J-Bay. Infelizmente, as ondas não colaboraram tanto, porque Maresias tem ondas boas. Mas, amarradão, a gente precisava de um circuito no Brasil para os brasileiros. E eu vi todo mundo postando, todo mundo curtindo. Eu vi o Willian Cardoso, o Heitor Alves, geral postando que estava super feliz que o campeonato voltou. E vários caras estavam lá, desde o Victor Ribas até o Samuel Pupo. Várias gerações. Foi demais!

 

Para encerrar, Gabriel, vou até fazer uma pergunta a mais. Quanta coisa aconteceu com você, quanto já aconteceu para o esporte. Como é esse orgulho agora de ver sua história em um livro? Com apenas 21 anos, como é pegar o livro e ler, por tudo o que você passou, e ver a sua história?

Mais um sonho realizado. Meu pai sempre quis muito ter um livro contando a nossa história. Depois do título mundial a gente acabou decidindo, nós dois juntos, a fazer um livro. Estou super feliz. O Tulio fez um trabalho incrível. A história é contada desde meus avós até o título mundial. Mostra toda a minha trajetória. A história de toda a minha família. Das coisas que eu tive que fazer para chegar aonde estou hoje. Cara, ficou demais. As imagens do livro estão iradas. Tem fotos minhas, pequenininho, que eu nunca tinha visto. Quando vi, fiquei surpreso. Está demais o livro e estou super feliz. Mais uma conquista e eu só tenho que agradecer.

 

*Esta reportagem foi publicada na íntegra na HC 309, agosto de 2015! – clique aqui para ver os destaques da edição)

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