23.7 C
Suva
quarta-feira, 15 janeiro, 2025
23.7 C
Suva
quarta-feira, 15 janeiro, 2025

Brisa tailandesa do surfári


Planta de Thai Stick no pocesso de curagem na Tailândia. Foto: Divulgação

Por Kevin Damasio

“Por que tantos surfistas traficam maconha? A simples e óbvia razão é que surfistas precisam de tempo e dinheiro para ir atrás de ondas.” O autor desta reflexão é o americano Peter Maguire, autor do livro Thai Stick. O historiador, que cresceu no sul da Califórnia, refere-se às gerações dos anos 1960 e 1970. Embalados pelo espírito da contracultura e inspirados pelo “surfári” retratado no filme The Endless Summer (1966), os surfistas sonhavam em se largar no mundo em busca de ondas perfeitas. Davam as costas àquela tradicional rotina de trabalho com fins de construir carreira. “Drogas ilegais deram à contracultura seu estilo, sua atitude e a garantia de que viver fora da lei era uma necessidade material”, escreve Maguire.

Para alguns surfistas, vender maconha era o jeito mais rápido de conseguir dinheiro para bancar as surf trips. Foi nesse momento que nasceu uma ampla rede de tráfico da erva, liderada por californianos e havaianos. A princípio, as ações eram independentes, despretensiosas, com o exclusivo propósito de manter o estilo de vida surfári. Mas, conforme os anos passavam, o negócio revelava-se extremamente lucrativo. Com isso, eram cada vez mais numerosos os traficantes e as toneladas de erva que adentravam os Estados Unidos.

Em Thai Stick, Peter Maguire descreve as aventuras e desventuras dos surfistas traficantes de maconha tailandesa, com o toque literário de um romancista e a contextualização precisa de um historiador. A produção do livro durou 16 anos e, na fase de pesquisa e entrevistas, ele contou com a ajuda de um dos primeiros especialistas em tal “contrabando”: o co-autor da obra Mark Ritter. 

Maguire e Ritter conheceram-se em uma surf trip no México. O último aposentara-se do tráfico em 1986, depois de um esquema que lhe rendeu 5 milhões de dólares. Na fase de pesquisa do livro, apoiado pela Columbia University, Ritter conduziu entrevistas gravadas com ex-traficantes – todos haviam sido detidos ou presos; muitos já tinham cumprido a pena. O californiano também conversou com agentes que comandaram as operações contra o narcotráfico. Como fazia muitos anos que não traficava, Ritter considerava estar fora do radar da Drug Enforcement Administration, dos EUA.

Em Thai Stick, Peter Maguire descreve as aventuras e desventuras dos surfistas traficantes de maconha tailandesa, com o toque literário de um romancista e a contextualização precisa de um historiador.

Já Maguire assumiu a parte histórica. Resgatou os primórdios dos watermen; a contracultura americana com os hippies e as experiências com LSD, conduzidas principalmente por Timothy Leary, ex-professor de Harvard que, por sinal, considerava os surfistas “espécies mais avançadas da humanidade”; a “Hippie Hash Trail”, uma espécie de “Rota da Seda” moderna que exportava haxixe afegão para os EUA; o mercado de drogas na Guerra do Vietnã; a “Guerra às Drogas” iniciada pelo então presidente americano Richard Nixon, em 1970; e mais histórias interessantes até chegar ao “Thai Stick”.

Thai Stick é uma espécie de maconha extremamente potente, cultivada em pequenas fazendas da Tailândia. Maguire teve o primeiro contato com ela na adolescência, na Califórnia. Era daqueles garotos que sonhavam com surfáris e, para isso, vendia maconha para somar ao salário do trabalho, no caso dele em construção civil. Juntou o suficiente para uma trip de oito meses para Nova Zelândia, Austrália, Nauru (Oceania), Micronésia, Fiji, Rarotonga (Pacífico Sul) e Polinésia Francesa. Decidiu abandonar o “comércio” após ser enquadrado em New Mexico. Dirigia acima do limite velocidade, com pranchas de surf a bordo e boa quantidade de maconha escondida embaixo do banco do motorista. No fim, o guarda revistou parte do carro, não achou nada e o liberou. 

O tráfico de Thai Stick começou no fim dos anos 1960 e terminou nos 1980, após operações das polícias americana e tailandesa. O contrabando se dava por terra e mar. Quem tinha mais expertise eram os surfistas, mas a definição de “crime organizado” não se aplicava ao grupo. Jin Conklin, agente do DEA que coordenou as operações, os descreve: “Eram todos inteligentes, interessantes para conversar, tiveram muitas experiências de vida engraçadas, eram muito divertidos e não eram violentos”.

O livro de Maguire e Ritter, publicado em 2013 e com nova edição prevista para junho (por enquanto, apenas em inglês), permanece relevante. Reconstrói uma história até então oculta, divulgada em um momento de transformações na política internacional de drogas. Hoje, estudos científicos sobre o uso da maconha derrubam as suposições da propaganda da “Guerra às Drogas”. Prova disso são as mudanças no próprio Estados Unidos: quatro estados americanos já legalizaram a maconha, 19 autorizaram o uso para fins medicinais e 52% da população são a favor da descriminalização da erva. “Nossa esperança é que esse livro ajude a escancarar a porta para que gerações de americanos possam sair do armário”, escreve Maguire.

De tão importante que é o assunto, a nova empreitada de Kelly Slater será dirigir o documentário Thai Stick, ao lado de Maguire e Ritter. O 11-vezes campeão do mundo adquiriu os direitos do livro e disse, no fim de março, que a produção já começou e vários envolvidos na história estão interessados em participar. Sempre crítico em questões sociais, políticas e ambientais, Slater concluiu: “Com a atual atmosfera em torno da legalização da maconha e questões relacionadas, parece a hora certa para dar vida a isso. De jeito nenhum ignora-se o uso de drogas ou qualquer negócio do tipo. Mas traz à tona inconsistências em torno das leis de drogas e de questões filosóficas sobre escolhas pessoais e natureza ilegal”.  

Interessou-se pelo livro? A versão em inglês, para impresso e Kindle, está disponível em Amazon.com.

Esta resenha foi originalmente publicada na HARDCORE 26 anos, de maio de 2015.

Receba nossas Notícias no seu Email

Últimas Notícias