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ENTREVISTA: CHARLES MEDINA

 

Por Adriano Vasconcellos
Fotos: Caio Palazzo

*Esta entrevista foi publicada na seção 10 Perguntas da edição 296, de junho de 2014

Paulistano da Vila Nova Conceição, Charles Serrano de Saldanha Rodrigues, conhecido como Charles Medina, mudou-se para a praia quando tinha 18 anos por amor declarado ao surf, logo depois de se formar no tradicional colégio Dante Alighieri. Chegou a cursar arquitetura no Mackenzie, mas preferiu intensificar os treinamentos como triatleta para melhorar os resultados nas competições. Mudou-se então para Maresias e trocou experiências de condicionamento físico e surf com os locais Flavio Tavares ‘Caixa D’água’ e Gilmar Pulga, que se tornaram seus grande amigos. Aí se reaproximou de Simone, se apaixonou por ela e conheceu Gabriel, que tinha 8 anos. Casaram-se e de lá para cá vivem uma linda história de amor unida ao surf, que formou uma família estabelecida sob um trato: transformar Gabriel Medina em Campeão Mundial de Surf.

Por você mesmo, quem é Charles Medina?
Eu me considero hoje um pai de família. Acima do trabalho, pois acabei tendo uma profissão como treinador do próprio filho. Não dá nem para explicar por que acabei sendo treinador, mas tudo começou quando o Gabriel me aceitou como pai e eu o aceitei como filho. Isso é uma história que já tem dez anos, quando fizemos um trato, em que atingiríamos uma meta, de que o Gabriel será o campeão mundial. Ele entrou nessa história de criança e eu também, porque ele me disse que queria ser campeão mundial de surf. E eu vejo o Charles assim. Gosto de ser o Charles pai, eu gosto desse nome: Pai. O Gabriel me ganhou quando me chamou assim pela primeira vez.

Além de pai, você é treinador do melhor surfista do país. E logo do surfista que é apontado como o futuro campeão mundial. Como é levar essa responsabilidade?
Eu tive sorte com o Gabriel por estarmos em Maresias, que é um lugar isolado. Fomos trabalhando e crescendo juntos. Tem uma música que nos representa muito bem, aquela do Marcelo D2, que fala: “Eu me desenvolvo e evoluo com meu filho; eu me desenvolvo e evoluo com meu pai”. O Gabriel me ensinou muita coisa. Como ele é um talento fora do normal e tem muita inteligência esportiva, absorve as informações de forma muito rápida. E mesmo com o pai dele vivo (Charles é padrasto de Gabriel Medina), eu assumi por consentimento esse papel. E eu tenho o apoio da Simone (mãe de Gabriel), que é fundamental. Em um mundo que está cheio de drogas, inclusive no meio do surf, eu não poderia deixar um menino andar sozinho por aí. Eu aconselho os outros: “Você não é o técnico do seu filho, mas ande junto com ele”; porque a bebida, as drogas e a noite estão logo ali. Hoje a pressão está só no que ele gosta de fazer, que é surfar. A pressão está sendo usada a favor de Gabriel, no pensamento positivo das pessoas que torcem por ele. Existe uma espécie de energia empurrando o Gabriel.

Falando do patrocinador atual, fiz uma entrevista com Felipe Silveira (CEO da Rip Curl no Brasil) que falou que você é o cara que mais acredita que Gabriel será campeão mundial. Ele contou até uma história que, quando Gabriel entrou no Tour, você chegou com papel e caneta nas mãos simulando situações em que ele poderia ser o campeão logo na primeira temporada. Você realmente é o cara que mais acredita que Gabriel vai ser campeão mundial?
Não, o Gabriel acredita mais. Ou a gente acredita igual (risos). O Gabriel acredita muito no potencial dele. Só para você ter uma ideia, em Snappers a gente estava no meio do campeonato, ele chegou para mim, depois que ganhou o terceiro round, e falou: “Agora eu sei como ganhar a bateria. Ano passado eu errei muito”. Eu falei: “Algumas derrotas que acontecem”; não queria colocar ele para baixo. E ele: “Não, fui péssimo ano passado, mas agora já sei o que fazer”. Isso dá a maior confiança. Aquela coisa dele ser campeão mundial desde pequenino, ele pensa grande. Como na primeira vez que ele caiu com o Kelly, eu falei: “Ah, ‘Bi’, dá pra ganhar”. Sabe o que ele respondeu? “Claro que dá” (risos). Ele tem pensamento positivo pela vitória.

“Tudo começou quando o Gabriel me aceitou como pai e eu o aceitei como filho. Ele me ganhou quando me chamou de pai pela primeira vez.”

Você falou de Kelly Slater. Nessa jornada, quais são os grandes adversários de Gabriel Medina?
Kelly em primeiro lugar. Eu aponto ele como o cara, até porque têm etapas que o favorecem, como Fiji, Teahupoo, Jeffreys. Aí vêm os surfistas que formam o segundo pelotão, que são Parko, Fanning e John John. Depois vem um outro escalão, Mineiro, Julian Wilson, Jordy Smith e Taj Burrow, que são perigosos. Eu não acredito muito no Michel Bourez. Espero não queimar minha língua (risos). Mas este ano está bem equilibrado. Acho que a nova geração está chegando, e vejo o surf mais do que nunca como um esporte bem limpo, então todos têm chances.

Você fala isso em relação à própria ASP, de uma boa relação, e eu tenho reparado nas transmissões das etapas que antes mostravam você como pai do Gabriel, agora na maioria das vezes o identificam como o treinador. Você consegue separar o pai do treinador?
É superdifícil, porque muitas vezes eu fico pensando que se eu tivesse menos emocional poderia trabalhar melhor. Ao mesmo tempo, eu, por exemplo, já fui preparador físico do Gabriel, porém, hoje fazemos a pré-temporada com um profissional gabaritado. Digo isso porque se eu um dia sentir que se outro treinador entrasse no meu lugar para melhorar o rendimento do Gabriel, ou até mesmo para fazer uma dupla, técnico e auxiliar, eu faria. Hoje, por enquanto, a nossa convivência de pai treinador está falando mais alto.

A HARDCORE fez uma entrevista recente com Paulo Kid, reconhecido treinador brasileiro, e ele disse que você estava fazendo um ótimo trabalho com Medina. Como você escuta isso?
O Paulo Kid é um dos principais técnicos do país, é um exemplo para os meninos. Eu me espelhei muito nele, no Pinga (por mais de 10 anos técnico de Adriano de Souza e agora de Jadson André), que fizeram super bem para o surf. Paulo Kid, além de tudo, é um grande surfista. Aprendi que o segredo na profissão é saber escutar e aprender com os outros e com o próprio atleta. Eu gosto de ler muita biografia de técnicos e esportistas, como José Mourinho e Rafael Nadal – esse inclusive muito parecido com Gabriel, disciplinado, com a parte física bizarra. E como no começo não tínhamos dinheiro para equilibrar outras áreas, chamei no peito várias responsabilidades. Hoje podemos investir para evoluir. Mineiro, por exemplo, foi um espelho para a nova geração. Kid também moldou Jessé Mendes, que hoje para mim é um atleta com nível de WCT, com um estilo muito bonito, é daqueles que dá medo de enfrentar (risos). Miguel Pupo é outro (risos). Wiggolly Dantas e Caio Ibelli também, quando entrarem no WCT, não saem mais. Outro cara com quem aprendi muito é Milton, pai do Junior Faria. Ele era o técnico da Seleção Paulista de surf, muito inteligente, acima da média.

Falamos muito de físico, corpo. E a parte mente-espírito?
O Gabriel é muito forte mentalmente. Mas o meu trabalho é fazê-lo acreditar sempre que a vitória é possível, que o título mundial é possível. Já o lado do espírito, ele puxou a mãe dele, que é mais religiosa. Eu acredito em Deus, mas acredito que Deus ajuda quem trabalha. O Gabriel tem fé dentro dele e trabalha muito, faz dessa forma o seu equilíbrio.

Como um processo natural, ao mesmo tempo em que Gabriel evoluiu de postura e comportamento, percebe-se que você também mudou. Para quem te conhece, sabe que você é sorridente e simpático, mas aquela aparência tensa das competições agora deu lugar para tranquilidade e foco. Como você está hoje?
Estou em aprendizado como todo ser humano. Como técnico não posso deixar o atleta nervoso. Tenho que passar confiança, um otimismo real. Um mar grande para mim pode ser 3 metros, mas para o Carlos Burle pode ser 18. Na bateria é a mesma coisa. É briga de leão. Eu não sou um cara que fala durante a bateria, até porque o Gabriel não vai escutar nada. Falo coisas pontuais, sem discurso (risos), para entrar no ouvido e ficar. O Gabriel tem muita maturidade. A gente conversa sobre erros e acertos da mesma forma. Com a ascensão de Gabriel, você se tornou um personagem do World Tour. Hoje é assediado por fãs, tira fotos, dá autógrafos. E isso parece deixar você muito feliz. Trabalho. Construímos uma estrada até chegar onde o Gabriel está. E não é só de asfalto, já teve muita terra, curva derrapando. Mas, apesar das dificuldades, sempre foi um trabalho prazeroso. Se não fosse o carinho do público, que chama Gabriel de Super Medina, ninguém ia comprar a ideia. Mesmo a ASP apoia e valoriza o Gabriel como atleta, incentiva o Brasil. Os patrocinadores mais ainda, porque queremos a mesma coisa. Eu estou muito feliz.

No início da entrevista você disse que em primeiro lugar é um pai de família. E o que é a família?
A família está acima de tudo. Quando você se torna pai, dá mais valor ao significado de família. Eu adorava surfar, mas quando vejo o Bi surfar, ou vou pegar minha filha na escola, ou estou junto com o meu filho Felipe curtindo futebol, é um prazer tão bom quanto ou melhor do que o próprio surf. Você realizar algo para o seu filho é tão bom quanto pegar um tubo. O melhor é quando você pega um tubão e está com o seu filho, não tem sensação igual (risos). Às vezes, o Gabriel até brinca quando vou surfar: “Pai, hoje você não fez o seu serviço, não ficou me olhando (risos)”. Aí eu falo, “não Bi, hoje não precisa, vou olhar você lá dentro”. Aí eu dou uma surfadinha, né? (risos).


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