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10 Perguntas: Nelson Machado

 


Nelson idealizou o primeiro campeonato internacional de surf no Brasil: “Durante o evento, um gringo ficou doidão no hotel, saiu pelado pela janela andando pela mureta e entrou em um salão de beleza. Imagina a doideira…”. Foto: Arquivo Pessoal

Por Kevin Assunção

Nos anos 1970, o então dono de uma pequena surfshop em Ipanema chamada Waimea decidiu se associar à primeira organização internacional de surf e bancar uma etapa no Brasil – mais exatamente nas esquerdas do Arpex. O resultado foi a inclusão do país no mapa do surf e nos primeiros passos do Circuito Mundial. A parceria durou de 1976 a 1982, quando Nelson abandonou o surf depois de uma operação. Hoje, aos 58 anos, 30 depois do último Waimea 5000, ele se lembra das histórias e conta por que se mudou para a Califórnia.

De onde surgiu a ideia de patrocinar um Campeonato Mundial?

Em 1974, eu abri minha primeira loja em Ipanema, que se chamava Dasha. Era uma butique de presentes finos, na Rua Visconde de Pirajá. Mas, logo nos primeiros meses, não me identifiquei com o perfil da loja. Então, no mesmo ano abri a Waimea, na Rua Montenegro, atual Rua Vinicius de Morais, voltada para o surf, esporte que estava começando no Rio de Janeiro. Eu ficava no Arpoador vendo a “geração colorida” dropando as ondas. Era um visual lindo. Paisagem, gatas, sol, ondas. Tudo combinava com o rio. Pensei logo em ter uma equipe para competir e com isso promover o esporte e a loja.

Montei uma equipe e disputamos um campeonato de pequeno porte em Saquarema. Chegamos à final com Paulo Proença. O adversário era Daniel Friedman. Na entrega de prêmios, eu falei que iria fazer um mundial no Brasil e traria os maiores astros do cenário mundial para competir em nossas praias de igual para igual. Bem, na hora foi a maior gozação. Muitos riram, mas esse foi o maior incentivo para correr atrás. Um mês depois do anúncio, parti para o Hawaii para me encontrar com os organizadores de eventos e com os surfistas da elite e saber qual era o caminho para trazer um evento de grande porte ao Brasil.

E como foi definido o evento no Brasil?

No Hawaii, encontrei o Randy Rarick. Eu disse quais eram as minhas ideias e ele perguntou se eu poderia ficar mais um mês na ilha. Ficar todo esse tempo fora do Brasil com duas lojas para tocar era dureza… Mas o amor que já tinha pelo surf e a vontade de fazer acontecer falou mais alto.

Então o Randy disse que haveria uma reunião importante para o surf mundial e que nela seria definida a criação de um circuito. Era tudo o que eu queria ouvir! Participei da reunião com os Bronzed Aussies (Peter Townend, Ian Cairns, Mark Warren e Mike Hurst), da Austrália; Peter Burness, da África do Sul; e Randy Rarick, californiano radicado no Hawaii. Então ficou decidido, após votação, que o campeonato começaria com dois eventos Na Austrália, depois mais dois na África do Sul, o Waimea 5000 no Brasil e terminaria no Hawaii. Em cada campeonato tínhamos que depositar US$ 2 mil, e assim foi criada a IPS, com o Brasil no mapa do surf. 

A partir desse dia, que dificuldades você encontrou?

Com o Brasil dentro do circuito, agora eu tinha que correr atrás de patrocínio. Queria fazer um evento que marcasse presença e que seria mais longo, porque antes precisava de um campeonato nacional, para definir os brasileiros que competiriam no Waimea 5000. Mas foi a maior dificuldade, ninguém queria associar o nome da marca ao surf, que era mal visto na época.

Lembro que um delegado dizia que nem todo maconheiro era surfista, mas que todo surfista era maconheiro. Daí por diante, nem sei em quantas portas bati pedindo patrocínio… Resolvi ir até o fim e raspei minhas contas. Só de prêmio eram US$ 5 mil, uma grana preta naqueles tempos.


O primeiro Waimea 5000, em 1976: Vencido por Pepê Lopes, o evento fez os brasileiros descobrirem o que era a cultura surf. Na foto, o terceiro colocado, Tim Carvalho. Foto: Fedoca

Como foi o primeiro waimea 5000?

Chegava o dia do início do campeonato e estava uma loucura. Os estrangeiros começaram a aparecer e grande parte das pranchas foi apreendida no aeroporto. Cada surfista trazia três ou quarto. Então resolvi pepino por pepino até o grande dia. Durante o campeonato, o Arpoador esteve lotado! A areia repleta de gente até o Pontão. A cidade parou para ver a tribo do surf. Éramos bem exóticos para os anos 1970.

Foi nossa primeira exposição nacional, e saímos em tudo quanto lugar na imprensa, inclusive no Fantástico, Jornal Nacional, Esporte Espetacular, além de estampar os jornais e ter apoio de O Globo e do Jornal do Brasil. Veio gente de todos os lugares do Brasil para ver o show dos melhores surfistas do mundo. O público adorou ver a emocionante final entre Pepê Lopes e Jeff Crawford, na qual o Brasil sagrou-se campeão no Circuito Mundial pela primeira vez. 

O que significou o campeonato para a evolução do surf brasileiro?

Na mesma época do Waimea 5000, nasceram no mundo várias marcas de surf, como a Magno, Píer, Op e Lightining Bolt, e a geração colorida dos surfistas atingiu seu apogeu. Meus campeonatos contribuíram para que o surf se tornasse um esporte mais organizado, para que as pessoas que trabalhavam em prol do surf aprendessem com havaianos e australianos como se produzia um evento de porte, como se organizava uma comissão técnica. Esse intercâmbio serviu para formar uma indispensável base nas estruturas do surf nacional. 

O que você se lembra da última edição do Waimea 5000, há 30 anos?

Foi demais! Parte da bateria da Beija-Flor deu uma canja pra gente durante o campeonato. O prefeito do Rio de Janeiro entregava a chave da cidade, então tinha show o tempo todo. Em 1982 tive que fazer uma cirurgia na vesícula, tive complicações e quase morri. Quando saí do hospital não tinha forças para tocar mais nada, então a edição de 1982 foi a última que realizei. Mas deixei uma semente plantada, que virou isto que vemos hoje em dia. Valeu a pena. Missão cumprida.

Alguns dizem que muitos gringos vieram para os Waimea 5000 só para ficar doidões. Até que ponto isso é verdade? Como era o comportamento deles no Brasil?

Essa de os gringos virem para ficar locões é pura Invenção, até porque baseado se encontra em qualquer lugar. Eles vinham pela pontuação, porque estava na rota depois de Austrália e África do Sul e porque temos mulheres bonitas. Os gringos eram muito assediados. Tinham gatas que só faltavam sequestrar o Buzzy Kerbox e outros que eram boa-pinta. Quanto a drogas, muitos não usavam, como Shane Horan, Mark Richards, Shaun Tomson e os Bronzed Aussies.

O surf estava acontecendo e a sociedade não entendia aquele bando de gente pegando onda. Achava que eram todos vagabundos e drogados. Mas a realidade era outra. Algo espetacular estava nascendo e que seria eterno. Graças a deus minha antevisão estava certa e considero cumprida minha missão de abraçar, moralizar, promover e lançar a moda jovem e colorida.

“Houve uma reunião importante para o surf mundial e nela foi definida a criação de um circuito (…) Então ficou decidido, após votação, que o campeonato teria Austrália, África do Sul, Brasil e Hawaii”

Mas ocorreram alguns episódios engraçados com os gringos doidões, não?

No primeiro campeonato rolaram muitas coisas que tive que segurar de qualquer maneira, pois se vazassem ia dar uma confusão do cacete. Por exemplo, um dia durante o evento um gringo ficou doidão no hotel, saiu pelado pela janela andando pela mureta e entrou em um salão de beleza. Imagina a doideira… Depois ele foi para o lobby do hotel e o fotógrafo de um jornal local tirou várias fotos. Se saísse isso, ia dar a maior merda. Acabou que o fotógrafo perdeu a máquina com os filmes e eu indenizei o preju dele. 

O que eles achavam do surf no Brasil naquela época? Era algo muito distante do que viviam na Califórnia, na Austrália ou no Hawaii?

Nos anos 1970, o nosso surf estava bem atrás do que rolava na Austrália e no Hawaii. O Waimea ajudou muito nesse intercâmbio, porque nossos surfistas podiam ver o que estava rolando pelo mundo e sentir a adrenalina de competir com os campeões mundiais da época, sem contar as pranchas atuais, novas quilhas…

Qual foi o legado do Waimea 5000 para o país?

Eu sempre gostei de lançar, fazer o primeiro. Fiz também o primeiro campeonato de skate, o brasileiro na Quinta da Boa Vista [em 1979], vencido por Flavio Badenes. Acreditei numa época difícil. Apesar de tudo, o prefeito do Rio entregava a chave da cidade.

Hoje podemos colher os frutos disso. O campeonato trouxe um colorido a mais para a cidade maravilhosa, criou muitos empregos e novas marcas. Uma nova geração nascia para se impor e ser respeitada, patrocinada, ser notícia, levar a bandeira do Brasil pelo mundo afora sem precisar de um tostão do governo. Uma geração feita na marra, com muita adrenalina, coragem, fé, vontade e ajuda divina.

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