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para onde vai sua prancha?

Por Rafael Thomé

Das olos e alaias usadas nos primórdios do esporte até as décadas de 1940 e 1950, as pranchas eram grandes, pesadas e pouco manobráveis. Em 1958, após dois anos de testes em conjunto com o shaper Hobie Alter, Gordon Clark introduziu o poliuretano em combinação com a resina, uma das maiores evoluções na história da fabricação de pranchas de surf. Tecnologia utilizada até os dias de hoje, o poliuretano gerou a possibilidade de produzir pranchas com maior facilidade e melhor qualidade.

Mas as evoluções que tornaram o esporte mais acessível e melhoraram as performances também trouxeram danos. A madeira de balsa, material orgânico que é absorvido pela natureza, deixou de ser usada em grande escala e as pranchas passaram a ser feitas de espuma de poliuretano, resina de poliéster (ou epóxi), fibra de vidro e outras substâncias químicas não biodegradáveis.

Mesmo com a tecnologia atual disponível, o processo de fabricação ainda guarda características artesanais e resulta em sobras de materiais poluentes que muitas vezes não têm um destino adequado. Sendo assim, a indústria de pranchas no mundo vem há mais de 50 anos depositando resíduos tóxicos e inflamáveis em aterros simples e que podem chegar a 380 toneladas por ano, sem nenhum tipo de controle ou tratamento ambiental.

No mundo, cerca de 350 mil blocos de poliuretano são fabricados e, segundo uma pesquisa feita pelo instituto Brasmarket em 2000, no Brasil são produzidas mais de 50 mil pranchas anualmente. Desse total, “mais de 50% do material consumido no processo produtivo (de uma prancha) é descartado, montante que corresponde a um prejuízo financeiro superior a US$ 7 milhões”, afirma o engenheiro ambiental Paulo Eduardo Grijó, autor de uma tese de mestrado da Universidade Federal de Santa Catarina.

RESÍDUOS QUÍMICOS

Para a fabricação de uma prancha, em média são utilizados 10,88 kg de materiais diversos para um produto final de apenas 3,17kg, segundo a pesquisa de Grijó. Em cada etapa do processo, uma gama de resíduos, emissões e efluentes é gerada. Quando o bloco é moldado, são descartados rebarbas e pó de poliuretano. Já no processo de revestimento, as resinas de poliéster e de epóxi emitem gases nocivos, geralmente sem um tratamento adequado.

Entre moldagem, pintura, laminação e produto final, sobram do processo pó de poliuretano, vapor de tiner, vapor de tinta vinílica, fibra de vidro, resina endurecida, poeira de fibra e de resina, além do ruído que todo processo envolve e das embalagens dos materiais utilizados.

Segundo Grijó, que é coordenador do Marbras et Mundi, projeto que visa desenvolver um sistema de produção mais limpo e o controle da poluição e a recuperação dos resíduos, “outro fato observado é que a maioria dos profissionais envolvidos na produção das pranchas não utiliza os equipamentos de proteção individuais adequados e necessários à manutenção da salubridade no ambiente de trabalho”. Por causa de erros como esse, em 2005 a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA) fechou as portas da Clark Foam após 45 anos de atividades e, na época, detentora de 90% do mercado mundial de blocos de poliuretano.

Além dos resíduos gerados na fabricação das pranchas, um elemento básico do esporte preocupa o engenheiro ambiental. Quando a parafina da prancha fica velha, suja e gordurosa, a primeira providência é raspá-la e aplicar uma nova camada. “Parece ninharia, mas, se multiplicarmos os cerca de 25 milhões de surfistas do planeta por 50 gramas de parafina raspada, são descartadas 1,25 mil toneladas a cada limpeza da prancha”, calcula Grijó.

Se o despejo de resíduos químicos relacionados ao surf preocupa, outros segmentos industriais também exigem mais atenção. Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos, dos 2,9 milhões de resíduos industriais gerados no Brasil, apenas 28% têm destino conhecido, ou seja, são tratados e destinados corretamente, sem causar danos ao meio ambiente.

A falta de adequação ambiental da indústria do surf pode ser explicada, em partes, pelo modo como se desenvolveu. “Trabalhamos com materiais químicos pesados, mas somos umas fabriquetas”, explica o shaper Joca Secco. O carioca que modela pranchas desde 1982 sugere que a informalidade do negócio também prejudica o desenvolvimento de ações ambientais mais contundentes.

Para Paulo Grijó, outro fator que colabora para o descaso com o meio ambiente é a maneira como a sociedade trata os bens materiais. “Existe uma cultura estabelecida de desperdício e consumo desenfreado e desnecessário em nossa sociedade”, afirma o engenheiro ambiental. “Tratamos a natureza como um depósito de matéria-prima e um saco sem fundo de recepção dos resíduos, independente do impacto que possam causar para o ambiente e para as gerações futuras”, completa.

MATERIAL ALTERNATIVO

No Brasil, alheias ao processo quase artesanal da fabricação de pranchas, “algumas prefeituras identificaram os resíduos como industriais e não os recolhem mais”, diz Grijó. Ainda segundo o carioca, que hoje vive em Florianópolis, isso “gera problemas de estoque e destinação final para os fabricantes, que, em casos isolados, enterram ou queimam os dejetos no terreno da própria fábrica”.

Para Joca Secco, “o que complica a reciclagem é que existem poucos lugares que trabalham com o poliuretano”. Cristian Lucas, publicitário que desenvolveu o Movimento de Reciclagem dos Esportes de Ação (Morea), uma cooperativa que visa impulsionar o contato entre geradores de resíduos e recicladores, afirma que “a logística do transporte e armazenamento é bem complicada, principalmente pelo material ser um pó”. Ainda segundo o fundador do Morea, “fábricas pequenas e médias não conseguem bancar todo esse processo”.

Diante da dificuldade, Joca Secco estuda maneiras de amenizar o impacto de sua fábrica. “A coleta seletiva é caríssima, não consigo fazer tudo. Estou mudando meu método para infusão para reduzir a poluição”, conta o shaper.

Esse tipo de fabricação é menos poluente, porém, o custo do maquinário ainda é alto. “Tento investir parte dos ganhos na infusão, mas ainda falta coisa”, diz Secco. Segundo o shaper, apesar das dificuldades, esse é um caminho para evitar o despejo de resíduos: “No processo tradicional, a sobra é de mais de 30%. Com a infusão, o desperdício de material fica em torno de 5%”.

Outras alternativas, como as pranchas feitas com fibras vegetais (bambu, linho, agave, balsa etc.), são objetos de estudo, mas ainda não correspondem às expectativas dos surfistas. “Em termos de desempenho, essas pranchas nunca conseguiram chegar aos pés das tradicionais feitas com poliuretano”, afirma Grijó.

RECICLAGEM

Entre os surfistas, são poucos os que têm consciência do quanto esse esporte que está intimamente ligado à natureza pode ser poluente. “Nós fazemos ações para recolher o lixo nas praias, mas colocamos a prancha embaixo do braço e não estamos nem aí para sua fabricação”, se indigna o fundador do Morea.

A dificuldade que os shapers enfrentam para dar um fim adequado aos resíduos das pranchas levou Cristian a criar essa “rede de reciclagem” na tentativa de conscientizar profissionais e amadores do esporte. “A ideia é movimentar as pessoas ligadas ao surf e à indústria para atrair grandes empresas”, explica o paulista de 36 anos.

É importante ressaltar que o Morea não recicla os materiais. “Montamos projetos e tentamos viabilizá-los atrelando a compra de resíduos à venda de produtos reciclados”, diz Cristian, que lamenta o fato de existirem poucas empresas de reciclagem para muito material.

Do processo de reaproveitamento das sobras da fabricação de pranchas, é possível a produção de blocos de concreto incorporados com resinas, isolamento termoacústico e artigos de arte e decoração.

Em Santos (SP), o surfista e shaper Filipe Blanco cresceu brincando no ferro-velho de seu pai e aprendeu a reaproveitar artigos aparentemente inutilizáveis. Ele tenta ao máximo utilizar toda sobra da fabricação de uma prancha na manufatura de seus artigos, como isopor, poliuretano, fibra, resina, rolo de fita crepe e tecido, latas de tinta, potes de plástico. “Uso todo esse material para fazer pranchas de surf e de stand up, quadros, luminárias, vasos, troféus, mobílias, e por ai vai", conta Blanco.

E você que está lendo esta matéria com um olho e outro espiando aquele toco encostado, não dê bobeira. Se a prancha ainda estiver em estao deo conservação razoável, leve para uma escolinha de surf ou presenteie o vizinho que não tem condição de comprar uma nova. Mas, se a tábua não tiver salvação, leve para algum ateliê ou coloque em prática sua veia artística – nada de atirá-la na primeira caçamba que vir pela frente!

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