Julio e Junior, duas gerações, uma só paixão. Foto: Luiz Blanco
DIA 1
JULIO ADLER
Toda viagem é carregada de adeus. Lá de cima, olhando fixo pra asa do avião, penso apenas no longo abraço que deixei na porta de casa. É só uma semana, me consolo.
No segundo seguinte, imagino que tipo de onda vou encontrar na outra ponta da viagem. Vinte anos atrás, nada passava pela minha cabeça exceto a fantasia de surfar cada vez melhor para um dia, quem sabe…
Em algumas horas, encontrarei Junior Faria, o surfista que eu queria ser quando tinha a idade dele. Junior tem poucas falhas no jeito de surfar e quase todas são irrelevantes diante das virtudes que ele conquistou.
Poucas vezes troquei mais de meia dúzia de palavras com ele, comecei a gostar de vê-lo pegar onda quando assisti a um videozinho que Mellin e Bomba fizeram para o Grom Search da Rip Curl. O guri magrelo surfava muito rápido e serelepe.
Os olhos do Paulo Kid e uma boa dose de bom senso o tornariam um grande surfista.
Será boa companhia?
Junior e Blanco, o fotógrafo, chegam em duas horas. Ainda há tempo para uma caída… Faço rapidamente as contas, 45 minutos daqui até o aeroporto, 10 minutos pro café da manhã, tenho ainda uma hora inteira pra surfar. E é exatamente isso que devo fazer. Depois da terceira onda, reavalio o tempo – pra que a pressa? Vai que o avião atrasa?
Me dou ao luxo de ficar mais uma hora no mar, esses momentos são tão raros e valiosos… A onda chama-se Saladita, uma esquerda ideal para mulheres, crianças e senhores acima dos 50. Conto mais de 30 pessoas n’água, 5 ou 6 têm controle da prancha, o resto está ali pela aventura.
Nenhuma prancha convencional, a grande maioria acima dos 9’ (shape dos mestres Takayama, August, Tudor), eventuais e pentelhíssimos SUPs com aquela falta de elegância que lhes é peculiar, remos freneticamente agitando-se na ânsia de, ora acelerar, ora manobrar. Parecem guindastes no meio de bicicletas.
Isso é um lugar de americanos aposentados e europeus curiosos por experimentar a alegada cultura surf (ou cultura do surf), pés descalços, camisetas, bermudas, hablas español?
Si, poquito, a little…
Chego hora e meia atrasado no aeroporto. Blanco, que vinha do Peru, tá lá sentado vidrado no MacBook dele. O voo do Junior ainda não aterrissou, peço desculpas pelo atraso e sinto-me aliviado por ter ficado mais tempo no mar.
Essa viagem foi motivada por minha vontade de entrevistar Allan Weisbecker, escritor americano completamente ignorado no Brasil. Junior alistou-se para acompanhar-me como câmera e saciar sua curiosidade sobre a autor de um dos seus livros prediletos, Cosmic Banditos (que no Brasil foi lançado como Bandidos Cósmicos, editora Marco Zero, 1986).
Tivemos tempo de um surf rápido antes da primeira Corona. A onda do Rancho era uma esquerda com bem mais volume que Saladita, e o posicionamento no pico era um pesadelo sem nenhuma alma dentro d’água.
Pouco mais de um metro, a corrente fria e uma boca de rio próxima deixavam a experiência um pouco mais emocionante – qualquer tartaruga que metesse a cabeça pra fora d’água já acelerava o coração o suficiente para pegar a primeira coisa que se movesse, série ou marola. A velocidade parecia aumentar na contraluz do sol, que descia devagar no mar.
JUNIOR FARIA
Não me lembro muito do primeiro dia da viagem porque estava em uma espécie de “modo automático”.
Aeroporto, check-in, bagagem, documentação, uma rotina que me traria calafrios se não fosse por um bom motivo, como daquela vez. Mantive na memória as fotos que havia buscado na internet sobre Saladita e isso trazia algum conforto. Cheguei rápido no México, saindo de São Paulo fiz escala nos Estados Unidos e depois segui direto para Zihuatanejo – o aeroporto local. Lá, fui recebido por um calor menos abrasivo do que eu esperava e isso foi suficiente para me deixar bastante satisfeito. Depois de retirar a bagagem, saí portão afora e, para minha sorte, o Julio e o Blanco já me esperavam com carro alugado e tudo mais.
Ambos devidamente trajados para enfrentar o clima local enquanto eu sofria de calça jeans.
Troquei alguns dólares por várias notas de Pesos Mexicanos e depois o Julio me ajudou a enfiar minha capa de pranchas atrás do carro. Saímos do estacionamento do aeroporto por volta das três da tarde com a esperança de cair na água antes de anoitecer. No caminho, Julio nos contou como haviam sido seus dois últimos dias em Saladita. Luiz Blanco, que estava no banco de trás espremido entre as bagagens, também acompanhava a conversa com a mesma curiosidade que eu. O timbre da viagem foi tomando forma enquanto nos dirigíamos até Saladita com uma boa conversa, pouca expectativa e nenhuma cobrança.
Nosso bangalô em Saladita era perfeito. Simples e funcional. E grande parte da minha admiração por nosso local de descanso estava atribuída à vista – a menos de 200 metros uma esquerda se desenrolava sem pressa até se desmanchar na praia. Nada mal mesmo. Mesmo assim, o Julio queria cair em uma onda chamada El Rancho, 30 minutos ao norte.
Logo largamos as malas na cabana e voltamos pro carro de bermuda, com pranchas e câmeras pra fazer nossa primeira caída antes de o sol se pôr. Conseguimos chegar lá sem muitos desvios e surfamos por um bom tempo a tal esquerda do Rancho. Mal pude acreditar que eu e Julio éramos os únicos surfistas na água. Na areia, o Blanco também estava desacompanhado a não ser por um americano que estava hospedado dentro de seu carro. Surfamos até o frio nos vencer e saímos da água sob o céu escuro.
Voltamos pra nossa cabana sonhando com um jantar repleto de tortillas e Coronas, mas nos vimos obrigados a nos contentar com muito menos que isso. Não havia nenhum restaurante aberto em Saladita, por isso enganamos nossa fome com algumas besteiras que Julio havia comprado no mercado local. Não me lembro exatamente do que eu comi, mas tenho uma foto do Blanco mandando ver um pão pullman sem nada dentro. Foi nessa situação que conhecemos Allan, Velho Allan, como eu e Blanco o chamávamos em segredo. Figura das mais mitológicas que tive o prazer de conhecer.
Nesse primeiro dia, transcrevi o seguinte em meu caderno: “Cheguei no aeroporto e o Julio e o Blanco estavam me esperando. Dirigimos uma hora até a pousada da Lourdes em Saladita e aqui estou. Um bangalô em frente a uma longa esquerda. No final da tarde deixamos as malas no quarto e partimos para o Rancho, uma longa esquerda nos recebeu em um line-up vazio. Voltamos pra casa e passamos a noite bebendo Sol e ouvindo as histórias do Allan. Que figura. Uma pessoa memorável. El Jimador era o que ele bebia pra aquecer a memória.
Tráfico na Colômbia, o Big Swell de 69, teorias de conspiração. Assim até uma da manhã”.
DIA 2
A ondinha da frente era sempre perfeita e exatamente como no dia anterior. Todos tinham muito mais vontade de sair explorando as estradas mexicanas atrás de uma onda diferente do que passar todos os dias surfando a mesma onda.
Quase 40 minutos depois, Junior olhava o line up com o entusiasmo típico de quem esperava algo mais. Fomos para Manzanillo, mais uma daquelas esquerdas que nos deixa loucos quando vemos na fotografia, mas que não passava de uma miragem.
Voltamos para Saladita. Allan tinha seu charuto apagado no canto da boca e perguntou: “Que tal o surf?”. “Nada demais”, respondemos desapontados. Nunca se afaste de ondas boas. “Never drive away from good surf”, disse ele com todo sarcasmo e compaixão que cabe na frase.
Algumas quesadillas e Coronas mais tarde, lá estávamos de volta, cada um no seu pranchão, tentando transformar decepção em entusiasmo. Junior era o único capaz de fazer a transição sem problema. Olhando Junior caminhando na prancha sem cordinha (não perdeu a prancha uma única vez em toda a viagem!), eu tinha a impressão de ver um daqueles rapazes que dedicam a vida à arte de domar pranchões. Aquilo não lembrava um surfista profissional que quase tinha entrado nos Top 32 no final de 2011.
Acordei sem saber onde estava, como costuma acontecer quando estou viajando, e me deitei na rede pra acertar os ponteiros. As esquerdas de Saladita continuavam quebrando sem pressa. O Julio não estava lá tão animado quanto eu em relação ao nosso homebreak e propôs uma saída para checar outra onda na região. O Blanco e eu concordamos e tomamos a carreteira em busca da tal esquerda que deveria ser uma opção melhor de fotografia de performance.
É engraçado como esses assuntos sempre aparecem quando cabeças pensantes envolvidas profissionalmente com o surf estão reunidas.
A maioria das opiniões se encontram, mas sempre há um ponto ou outro que gera longas trocas de opinião. Particularmente tenho grande interesse nessas discussões porque ponho à prova meus argumentos e sou instigado a compartilhar outro ponto de vista. O Julio se mostrou um ótimo parceiro para essas conversas, principalmente por ser uma das cabeças surfísticas mais pensantes atualmente. E, é claro, por termos opiniões bem distintas em relação a competições de surf. Apesar de em alguns momentos eu achar que ele estava mais pra adversário do que parceiro, me divertia com aquele jogo intelectual.
Finalmente uma pessoa que podia argumentar sobre assuntos relevantes. O Blanco entrava no meio, e por vezes quebrava o clima com um comentário mais despojado e assim era estabelecido um equilíbrio quando necessário. Pra nossa sorte, o caminho até o mar não era longo, e logo que uma onda foi avistada a conversa voltou pro que realmente interessava:
– Tem onda, rapá!
– Olha aquela direita! Vamos entrar por onde?
– E aí, Blanco, tá bom pra fotografar?
O maior dia da viagem registrou direitas como essa, em que Junior rasga no maior estilo. Foto: Luiz Blanco
DIA 3
Mar subiu, ninguém tem pressa de pegar a prancha e sair remando feito louco. As manhãs nessa parte do México são frias, e sem roupa de borracha é um tanto desconfortável madrugar lá fora. Fosse em outra época, Junior estaria treinando, superando-se para poder alcançar a meta de quase todo surfista profissional no planeta: entrar no WCT. Ele se preparou a vida inteira para isso. Quando tinha 13, 14 anos, competia todo santo final de semana e, não raro, vencia um dos seus maiores rivais, Adriano de Souza. Vejam onde Mineiro está hoje.
Por outro lado, Mineiro não deve ter a menor vontade de ficar surfando de pranchão sem cordinha numa onda molenga do México, da mesma forma que Junior se assombra com a possibilidade de voltar para a rotina do Circuito Mundial. Para um camarada como eu, de uma geração que respirava surf competição e sonhava com o Circuito Mundial, é inconcebível que um surfista do calibre do Junior largue tudo por isso aqui.
Fui um dos primeiros a gritar, “que absurdo”, quando Junior deixou o circuito pela primeira vez em 2007 – com 19 anos! Justo quando parecia que ia embalar…
Ficou dois anos sem competir em eventos da ASP, perdeu todos os pontos, voltou, foi escalando o ranking, teve excelentes colocações em 2011, terminou entre os 50 melhores do mundo e pronto: largou de novo.
Quanta gente não daria tudo por um pouco daquele conjunto de coisas que tornam o sujeito especial em determinado meio – justo na coisa que ele mais gosta de fazer!
No terceiro dia, eu acho que finalmente ficamos em Saladita. A essa altura já conhecíamos um pouco melhor a área, e as tortillas de pescado da Blanca já haviam se tornado um clássico pra mim – comia até no café da manhã. Água, Corona e biscoito Príncipe estavam devidamente estocados na nossa varanda. E assim o dia correu tranquilamente.
Arrumei um longboard e era exatamente o que eu precisava pra curtir aquelas esquerdas. O Julio também se meteu dentro d’água com um long, mas lembro que ele surfou várias vezes com sua fish. Ele não parava de manobrar, uma atrás da outra! Confesso que Julio estava muito mais instigado que eu. Passava mais tempo dentro d’água, propunha novos ângulos ao Blanco, buscava opções de surf por perto.
De certa forma fiquei me perguntando se havia algo de errado comigo.
Eu devia estar mais na pilha do que ele, cacete! Afinal temos uma diferença considerável de idade.
Tentava explicar pra eles de vez em quando por que não queria surfar, e era um pouco difícil fazê-los entender.
O Julio entendia uma parte dos meus motivos porque já foi profissional. O que ele não entendia era por que eu parecia tão velho com 25 anos.
DIA 4
O mar continua do mesmíssimo jeito, perfeito, geladinho pela manhã, cada dia vamos surfar mais tarde. Hoje é dia de pegar a estrada novamente, tentar achar a tal direita do Rancho, melhor onda da região segundo Allan e todos os locais.
Tem até tubos, dizem eles.
Junior vai com sua biquilha de estimação, uma Pat Rawson que, se não rendeu dinheiro em baterias, pelo menos já se justificou com a quantidade de fotos e filmagens que Junior tem com ela. De fora, a onda parece incrível, forte, longa, com uma parede que implora pra ser judiada. São uns 15 minutos andando nas pedras, até passar pelo que seria uma boca de rio. Não há ninguém por perto.
As ondas estão muito maiores do que pareciam de fora, me arrependo de não ter feito alongamento nos 6 meses anteriores, Junior vara a arrebentação em dois tempos, sem esforço. Algumas ondas entram na bancada de pedra num ângulo perfeito e abrem inteiras até onde não se consegue mais ver – outras, nem tanto.
Fico com as nem tanto, enquanto vejo Junior em cima da sua biquilha 5’8’’ com muito mais segurança do que a maioria surfaria ondas daquelas com uma 6’5 – essa confi ança é uma das coisas que mais sinto falta dos meus 20 e tantos anos.
Exatamente a metade dos sete dias que vivemos em Saladita.
Confesso que está difícil lembrar o que aconteceu exatamente naquele dia. Eu acho que também ficamos em
Saladita, não posso dizer com certeza.
As fotos não me ajudam a recordar algo relevante: um porco na rua, um campo de futebol, o mercadinho local, garrafas dentro do mercadinho local. Deve ter sido naquele dia que eu e Julio engatamos uma conversa antes do almoço que rendeu pelo menos uma hora e meia.
Acho que ele começou me perguntando sobre competição. Não! Acho que ele e Blanco estavam conversando sobre o WCT. Enfim, a coisa foi evoluindo e passamos por vários temas. Eu competindo, Julio competindo, Kelly Slater, Mineiro, Medina, Joel Tudor, ASP, patrocinadores, revistas de surf e muito, mas muito mais… Nossa, dá dor de cabeça só de tentar lembrar de tudo o que a gente falou. Lembro-me de colocar todos os meus argumentos à prova enquanto Julio fazia o mesmo. Em certos momentos eu me pegava falando alto e fiquei surpreso quando Julio também começou a subir a voz e a soltar uns palavrões.
Foi o ponto alto dessa viagem pra mim, adorei aquilo. O Julio tentava me convencer sobre competição de surf e eu queria provar pra ele que aquilo tudo era uma perda de tempo. Foi um espetáculo. O Blanco se divertia e, às vezes, soltava uma opinião que colocava mais fogo no papo. Nem quando a comida chegou à nossa mesa (estávamos em um restaurante à beira da praia) a conversa terminou. Foi preciso chamar a conta pra gente sair daquele restaurante e, finalmente, sair daquela batalha.
Julio desfrutando das direitas de El Rancho. Foto: Luiz Blanco
DIA 5
Lourdes, dona do hotel/restaurante que estamos hospedados dá a dica duma onda no outro lado do rio. Chama-se La Boca e é suposto ser mais buraco e na beira do que as ondas que temos surfado. Seria bom variar um pouco e ter que remar menos até alcançar as ondas.
Chegando lá, nos deparamos com uma onda cheia, quebrando tão longe quanto às outras e um camarada de pranchão lá fora. Uma série e… Que diabos? Já pra água!
A onda é terrivelmente cheia, tenho uma enorme dificuldade para entrar nas benditas. Junior fica ‘malandramente’ no inside e pega uma onda atrás da outra até partir ao meio sua única pranchinha convencional (DHD, 5’10’, triquilha).
Em menos de 10 minutos ele está de volta com uma alaia (!) e mesmo sem nenhuma flutuação ele ainda pega muito mais ondas do que eu. O camarada que estava surfando mora na casa em frente ao pico e fica completamente fora de si quando assiste ao Junior surfar com aquele pedaço de madeira.
Apesar de aparentar pelo menos 60 anos, vai cumprimentá-lo com o entusiasmo de um menino. Nunca tinha visto ninguém surfar daquele jeito na frente da sua casa. Viram melhores amigos. Pare pra pensar, o surf do Junior abre portas onde quer que ele esteja – e abriria pernas também se não fosse um cara sério e comprometido.
“Grandes poderes, grandes responsabilidades”, diz o filme do Homem Aranha.
Sobre esse dia não tenho muito o que falar. Não me lembro de nada (a essa altura você já percebe o tamanho do meu problema de memória).
Devia ter rabiscado mais meu caderno. Nas fotos com essa data aparecem muitas imagens de Saladita, portanto eu creio que passamos bastante tempo em casa. Tenho também alguns vídeos do Allan surfando e do Julio correndo com seu longboard.
Pelo ângulo das imagens eu estava sentado no restaurante, provavelmente comendo uma tortilla de pescado. Encontrei também uma foto do Julio tomando seu café, um clássico. Tem outra foto do Blanco fotografando. Enfim, acho que nós estávamos procurando fazer um material fotográfico de Saladita já que havíamos explorado outros picos da região nos dias anteriores. Lembro que tentamos muitas vezes acertar uma foto no final da tarde, com o sol atrás da onda. Trabalho de verdade.
O Allan aparecia no nosso bangalô sempre no final da tarde, com seu charuto e a Honey (cachorrinha e companheira) e o Julio engatava longas conversas com ele. Eu e Blanco nos divertíamos com as contestações do Velho Allan e com suas histórias quase inacreditáveis.
O Julio tem uma capacidade incrível de argumentação, e o Allan era um desafio e tanto pra ele. Foi divertido assistir a ele sair de certas emboscadas.
E também foi interessante ver a reação do Allan diante de questionamentos mais profundos e pessoais, como sua relação com família e casamento.
Espero que Julio escreva sobre essas conversas com Allan em breve.
DIA 6
Grande noite a de ontem. Allan nos serviu tequila sem cerimônia. Descobri que vendiam Cohiba e Montecristo na birosca por um precinho muito camarada. Comprei tudo. Nossas cabanas já estão cheias de areia no chão. Bom sinal.
Ondas um pouco menores, a direita do Rancho deve estar fantástica e bem mais fácil de varar… Repetimos a meia maratona em cima das pedras. Alimento a ilusão de ter uma boa foto desta viagem, como quando tinha a idade do Junior – se bem que na idade do Junior não dava pra viajar assim de bobeira, só se tivesse um campeonato perto. Em uma semana vai começar o Prime de Trestles, campeonato onde, no ano passado, Junior chegou até as quartas, 7 mil dólares, 3.120 pontos… Hoje, isso já não faz mais o menor sentido.
Deve ser muito doloroso fazer uma escolha dessas. Gasta-se muita energia lutando por algo tão grande e tão insignificante ao mesmo tempo. Confesso que achei Junior meio melancólico para quem optou por uma vida mais livre. São 25 anos, muito pouco tempo pra decisões tão drásticas e, ainda assim, é tanto tempo…
O último dia. Na verdade, partiríamos para o aeroporto no dia seguinte a uma da tarde, era a última oportunidade de fotografar o dia todo e buscar fotos de ação. Partimos em direção ao Rancho novamente, mas dessa vez em busca da direita que quebrava do outro lado do rio. Caminhamos por bastante tempo por cima das pedras até chegar à tal direita. Muito boa, diga-se de passagem. Boa e vazia. Incrível surfar ondas tão boas sem ninguém por perto. Surfamos por horas e horas e novamente Julio surfou mais do que eu, muito mais. Saí da água sem energia e fiquei conversando com Blanco à beira da praia por mais de uma hora, e nada do Julio. Realmente ele aproveitou as ondas muito mais do que eu. Olhando pro Julio, me perguntava se voltaria a curtir pegar ondas tanto quanto ele.
Junior mandando brasa no surf progressivo. Foto: Luiz Blanco
DIA 7
Último dia, resta tempo para um surfezinho de despedida.
Vamos todos de pranchão, sem pressa. Uma semana apenas. Tenho pensado no tempo e suas proporções sem parar, faltam menos de duas horas para o voo do Blanco, 45 minutos até o aeroporto, mais banho, mais o adeus.
Chegamos atrasados – sorte que o voo é cancelado. Daqui cada um parte de volta pra sua vida. Blanco vai até Lima antes de voltar pro Brasil e ainda fica mais quase 10 horas mofando no aeroporto.
Eu e Junior vamos juntos até Houston e, depois, um pro Rio, outro pra Sampa, mais precisamente Guarujá.
Junior passa menos de um dia em casa e viaja de novo pra Europa, filmar com Loïc Wirth. Para um freesurfer, o rapaz tem uma agenda bem movimentada.
Modo automático outra vez. Acordar, arrumar as malas, pagar as contas, estrada, aeroporto, check-in, lata de sardinha. De manhã ainda tiramos umas fotos com Allan para registrar nossa visita, e Julio ainda escapou para pegar umas ondinhas antes de partir (claro!).
Nos atrasamos o bastante para Blanco perder seu voo, e sua volta pra casa foi mais atribulada do que a minha. Apesar de cada um de nós ter feito um caminho diferente pra voltar, todos chegaram bem.
Prometi a mim mesmo que voltaria a Saladita com menos pranchas e mais tempo. E esse desejo é o que melhor descreve minha memória desta viagem.