Por Fernando Maluf
A história do surfista capixaba Derek Rabelo é certamente uma das mais inspiradoras que você já ouviu. Há dois anos e meio, ele procurou uma escola de surf e entrou no mar com uma prancha pela primeira vez. Hoje, aos 19, domina com intimidade lajes pesadas da região, como Bin Laden e Underground.
Como se não bastasse o domínio nas ondas locais, Derek extrapolou e viajou para o Hawaii na última temporada, quando foi recebido e presenteado com uma prancha nova pelo local Makua Rothman, com quem fez uma queda em Pipeline. A grande diferença entre um surfista comum de Pipeline e Derek, é que o capixaba é cego desde nascença.
Atualmente, com sua vida voltada para o surf, Derek quer voltar para o Hawaii sempre que possível, além de viajar para conhecer outros lugares: “Quero investir no meu surf”, diz o surfista que será tema do documentário Além da Visão, dirigido pelo fotógrafo Bruno Lemos. “Entre tudo o que vemos no meio do surf, a história de Derek é talvez a mais fantástica”, analisa o fotógrafo. “A ideia é fazer um filme com uma mensagem legal, que venha a encorajar as pessoas a viverem melhor independentemente de suas situações. A história de Derek é o fio condutor dessa mensagem.” Falamos com Derek sobre a nova fase de sua vida. Confira algumas de suas histórias e experiências na página ao lado.
PRIMEIRAS ONDAS
“Eu sou de uma cidade litorânea, Guarapari, sempre morei pertinho da praia, já tive desde pequeno um contato forte com a água. Toda a molecada de lá gosta de pegar onda. Além disso, meu pai é surfista e meus dois tios foram competidores, então eu sempre tive essa vontade de surfar. Pegar onda mesmo. A primeira vez faz dois anos e meio. Eu fui numa escolinha de surf de Guarapari e falei pros caras que eu queria surfar. Eles acharam diferente, ficaram meio com um pé atrás. Então um dos professores, que é meu treinador até hoje, o Fábio Castor, se dispôs a me ensinar. Ele que me levou pra água e fez a primeira aula comigo. Logo ali, na primeira vez, eu fiquei amarradão, aquilo era alucinante, fora do normal. Eu resolvi me dedicar àquilo, e desde então o surf é minha dedicação principal.”
ORIENTAÇÃO DENTRO D’ÁGUA
“Às vezes eu entro sozinho, quando dá. Mas é mais difícil. Pra me orientar, eu dependo quase exclusivamente da pessoa que está junto comigo, na maioria das vezes o meu treinador. O Maguinho [Magno Oliveira, bodyboarder profissional] também cai comigo. O meu pai vem de vez em quando também, e alguns amigos sempre estão junto.
LEITURA DE ONDA
“A minha leitura de onda é toda voltada para o tato e audição. Eu controlo colocando a mão na parede, segurando a borda da prancha e me orientando pelo barulho do mar. Tem que ficar muito atento mesmo! E backside e frontside é bem diferente. Meu backside não é bom. Se for numa onda mais cheia então, é horrível. Acho que porque já é ruim por natureza e porque eu nunca treinei pra direita mesmo. Todo mundo gosta de surfar de frontside, né? Então eu sempre dei prioridade em treinar nas esquerdas. Toda vez que eu podia escolher acabava sempre optando por elas. Isso foi um defeito meu.”
BENEFÍCIOS DO SURF
“Fisicamente envolve tudo, é como a natação, faz bem pro corpo de diversas formas. E através do surf eu conheci muitas pessoas, tive oportunidade de fazer contato com muita gente diferente, fiz muitas amizades mesmo. Grande parte das minhas amizades hoje eu fiz por causa do surf. Também por causa dele eu comecei a viajar mais, fui pra alguns lugares do Brasil, além do Hawaii, minha primeira viagem internacional. E fora isso tudo, o surf me faz muito bem, é uma terapia mesmo. É uma adrenalina que relaxa, conforta…”
PIPELINE
“Surfar aquela onda foi uma sensação fora do normal. É o sonho de todo surfista, e graças a Deus eu tive a oportunidade de realizar. Eu tento sempre não ter medo, ter muita disposição e fé no que eu estou fazendo. Medo mesmo foi só na primeira vez em que fui cair em Pipe, que foi no dia da final do Volcom Pro. Tinha uns 40 minutos só pra ficar dentro da água, depois o jet ski ia entrar pra tirar todo mundo. Tinha uns 6 a 8 pés, pelo menos era o que o pessoal tava falando. Eu fui com o Maguinho, e ele tem muita disposição, acredita no meu trabalho. Mas não dava pra pegar onda nesse dia. Eu até tentei, remei em umas ondas mais no rabo, mas não consegui. Aí ele me levou mais pro pico, pra eu sentir a energia de verdade. Eu sempre o questionava, como que é sentir a baforada de uma onda oca. Ele falou: Pô, Derek, hoje tu vai sentir como é a baforada! Ele me colocou na boca em várias ondas baforando, pude perceber de verdade o que rola ali naquele momento. Nesse dia, eu fiquei com um pouco mais de receio, não foi nem medo. Foi meio que um pé atrás, um respeito pelo mar. Mas até que eu consegui me dar bem!”
"O Makua me deu uma prancha e falou que queria surfar comigo. A gente marcou um dia, fez uma queda e daí viramos brothers". Foto: Raquel Rache
PRIMEIRA VEZ NO HAWAII
“Foi minha primeira grande viagem. A ideia surgiu do Maguinho. Como gostamos de um tipo de onda parecido, a gente começou a surfar bastante juntos. Ele começou então a me levar nas lajes que ia para surfar de bodyboard e resolveu botar na minha cabeça que eu podia surfar no Hawaii, que eu tinha que ir pro Hawaii. Então eu comecei a me preparar, tirei passaporte, arrumei tudo e fui. Chegando lá, foi tudo muito além do que eu esperava. Fui super bem-recebido pela galera, acolhido mesmo. Fizemos umas matérias, vídeos, a galera da igreja me acolheu. Eu sou evangélico. Chegando lá, o Magno me levou à igreja e eu me identifiquei bastante, foi lá onde tudo começou. Duas amigas da igreja que moram na casa do Eddie [Rothman, também conhecido como Fast Eddie, pai de Makua Rothman e por muito tempo o mais temido local do North Shore] me disseram que ele queria me conhecer. O Eddie também foi um paizão pra mim lá no Hawaii, me ajudou muito. Eu fui na casa dele, a gente se conheceu, ele ficou amarradão na minha história e me apresentou o filho dele, o Makua. Ele me deu uma prancha e falou que queria surfar comigo. A gente marcou um dia, foi surfar junto e daí viramos brothers.”
*Essa matéria foi publicada originalmente na HC 271.