Em laranja, a projeção da área construída com a ampliação do Porto de São Sebastião. Foto: divulgação
Por Rafael Thomé
O litoral norte paulista como você conhece pode estar com os dias contados. A iminente ampliação do porto de São Sebastião pretende servir de “canal” de escoamento da indústria agrícola e mineral do Vale do Ribeira, multiplicando consideravelmente o fluxo de navios, contêineres e caminhões na região.
Atualmente, o porto possui apenas um ponto de atracação, mas, com o investimento de R$ 2,5 bilhões previsto pelo governo estadual no Plano Integrado Porto Cidade (PIPC), o número de berços atracadouros deve chegar a 12, o que significará um movimento de cargas 40 vezes maior que o de hoje. Juntamente com esse projeto, está previsto o investimento de R$ 760 milhões para a construção do Contorno Sul da Rodovia dos Tamoios a fim de garantir o transporte dos contêineres.
Carlos Nunes, presidente do Instituto Ilhabela Sustentável, acredita que “o turismo na região já requer a duplicação da Tamoios”, porém, afirma que o alto fluxo de caminhões (emissores de gás carbono) na estrada prejudicará o meio ambiente. Hoje, cerca de 100 carretas trafegam por lá, mas com a ampliação do porto estima-se que mais de 4 mil caminhões passem pela estrada diariamente.
Para Sérgio Goulart, morador de São Sebastião e um dos manifestantes contrários ao projeto, a construção do novo trecho da Tamoios acarreta outro problema: “A rodovia vai passar por lugares onde há muitas casas. Cerca de mil famílias serão desapropriadas”. O prefeito da cidade, Ernane Primazzi, reconhece que vai haver desapropriações, mas afirma que discutiu o projeto com o governo estadual para diminuir o impacto nos bairros atingidos. “Vamos analisar caso a caso para encontrar a melhor solução para cada família”, conclui Primazzi.
Paisagem desfigurada
A ampliação do porto – que, entre outras mudanças, ganhará 600 mil m² para servir de estacionamento para contêineres – para uma área total de 1,2 milhão de m² vai mudar a cara da região. A estimativa de circulação de cerca de 240 mil contêineres por mês indica que, de onde se enxerga a Ilhabela, a visão será de pilhas de caixas de metal.
Para o prefeito, a construção de dois braços de atracação para navios de cruzeiro tem também o intuito de levar um pouco de “beleza” ao local. “Hoje fala-se em dois cais de passageiros (além dos atracadouros para navios de cargas) onde virão iates enormes e bonitos para a paisagem”, fala Primazzi, que aproveita o ensejo para comparar São Sebastião a cidades mundialmente reconhecidas por suas baías: “Há vários locais em que você vê portos com turismo e carga juntos. Você vê Mônaco, Roterdã… Dá para conciliar as coisas”.
O movimento dos moradores discorda e aponta que, além da descaracterização da paisagem, a ampliação do porto irá prejudicar o meio ambiente. “Vai mudar muito a cara da cidade, não temos estrutura para isso. Vai dar uma ‘quebrada’ no meio ambiente”, diz Cristóvão Marlon, presidente da Associação de Surf de São Sebastião.
Entre as preocupações levantadas pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), protocolado junto ao Ibama, está a baía do Araçá. “Vai acabar com o mangue e com as espécies que vivem lá”, afirma Carlos Nunes. Primeiramente, a ideia era aterrar todo o mangue, porém, uma revisão no projeto descartou essa possibilidade. “A ampliação será feita através da construção suspensa, de maneira que o mangue possa continuar existindo ali por baixo”, relata Vera Mariano, assessora do prefeito. Apesar da mudança, Carlos acredita que essa medida não adianta nada, já que o sombreamento da área acaba com as espécies por falta de luz.
Para o prefeito da cidade, os navios deixarão a paisagem mais bonita. Foto: Henrique Gallucci
Outra preocupação dos moradores (e dos veranistas) é uma possível “verticalização” da cidade devido ao crescimento populacional aliado ao atual déficit habitacional de 13 mil casas em um município onde vivem cerca de 300 mil pessoas. “A cidade não tem mais para onde crescer. Estão indo mais e mais para os morros, desmatando a área. Então, provavelmente, virá a verticalização, até porque a cidade é muito estreita e não suporta uma obra desse porte”, afirma Goulart.
Apesar dos temores, o prefeito Primazzi diz que isso é apenas especulação e critica os manifestantes: “Isso (verticalização) não tem nada a ver, é coisa de gente que só olha para o próprio umbigo. O limite de altura permitido é de 9 m, e isso não vai mudar”.
Enquanto se discute a verticalização, a construção de estacionamentos para os contêineres também incomoda os moradores, assim como outros possíveis impactos negativos no entorno do porto: aumento do tráfico de drogas e da prostituição, doenças infectocontagiosas e o crescimento desordenado.
O projeto está sendo avaliado pelos órgãos responsáveis e ainda não tem data definida para o início das obras.
Ilhéus
Enquanto a preocupação dos paulistas é com a ampliação do porto de São Sebastião, em Ilhéus a atenção está voltada para o projeto de construção do Porto Sul da Bahia. A obra, cujo investimento passará dos R$ 3,5 bilhões, já passou por diversas audiências públicas, teve o planejamento modificado algumas vezes e divide a opinião dos baianos.
Parte da população acredita que os 2.500 empregos gerados durante as obras e os 1.700 postos de trabalho para as operações do complexo portuário levará crescimento à cidade. “É pouco emprego, mas vem muita coisa junto, principalmente uma rede de serviços que começa a prosperar paralelamente”, diz Gabriel Resende, geógrafo e secretário do Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia.
Porém, o ambientalista afirma que o porto poderá trazer graves consequências ao bioma local. “O projeto é movido por interesses escusos de uma mineradora multinacional, e o grande temor é que não haja compromissos socioambientais com a região”, diz Gabriel. O principal ponto de preocupação é com relação ao modo que a Bahia Mineração (Bamin) irá gerir o minério de ferro extraído de uma jazida em Caetité. As pilhas de pó de ferro que serão armazenadas ao ar livre poderão contaminar as águas de Ilhéus.
O projeto ainda está em fase de avaliação e vai passar por outras audiências públicas, ainda no primeiro semestre, a fim de definir o impasse. A expectativa do governo estadual é de que, se concedida a licença ambiental, as obras comecem ainda neste ano.
E o surf?
Se os projetos de São Sebastião e Ilhéus têm causado polêmica em torno dos impactos socioambientais, no que se refere ao surf há preocupações apenas na Bahia.
Gabriel Resende, que além de geógrafo é surfista, conta que o “Havaizinho, point clássico que fica perto da foz do Rio Almada, está condenado. Já sofreu muito com a ampliação do atual porto e, com esse novo, será o fim. O fundo de Itacarezinho e Engenhoca também poderão ser alterados”.
Em São Sebastião, o presidente da Associação de Surf da cidade afirma que “a construção não vai afetar as ondas, até porque o cais fica em um local distante dos principais picos”.
Mas, às vezes, o surf é afetado mesmo quando a formação das ondas permanece inalterada. É o caso de Pernambuco. O litoral do estado sempre recebeu a visita (ingrata) de tubarões, porém, após a inauguração do porto de Suape, em 1983, os ataques a surfistas e banhistas ficaram muito mais frequentes.
A destruição de vastas áreas de manguezal, o desvio do curso dos rios Ipojuca e Merepe e o lixo despejado no mar pelos navios são apontados como a causa do aumento do número de tubarões nas praias pernambucanas. Isso, efetivamente, acabou com o surf em Pernambuco, já que hoje a prática é proibida.
Em Santa Catarina, estado conhecido pelas boas ondas e grandes portos, surfistas e portuários dividem espaço em Itajaí e Imbituba. A relação entre os dois núcleos é razoavelmente saudável, inclusive com parcerias que rendem frutos aos que fazem a cabeça com a prancha nos pés.
Se Imbituba ganhou notoriedade por sediar etapas do WCT, desenvolveu-se graças à movimentação portuária. “Na questão econômica, é o porto que garante investimentos”, afirma Katz Sullyvan, presidente da associação de surf local. O veterano das ondas da Vila, apesar de fazer parcerias ocasionais com a administração do porto, principalmente em época de competições, reconhece que a obra “afeta o turismo na região”.
Em Itajaí, a situação é um pouco mais complexa. Ao mesmo tempo que o porto apoia e colabora com a Associação de Surf das Praias de Itajaí, ele influencia ligeiramente a formação das ondas. “Toda a dragagem feita no canal e o fluxo de navios grandes mexeu com o fundo das praias Atalaia e Brava, o que, dependendo do swell, parece estar deixando as ondas mais cheias”, conta Juliano Gleison, vice-presidente Norte da Federação Catarinense de Surf.
Em compensação, a administração do porto revitalizou o Atalaia e estuda um parceria inovadora para o esporte no Brasil. A expectativa é de que aprovem a proposta levada pelo representante da Fecasurf: “Eles (administração do porto) estão estudando a possibilidade de financiar a construção de um reef artificial aqui em Itajaí”.
A economia globalizada não permite que o país deixe de crescer, por isso, investimentos em infraestrutura e na indústria de base sempre se fazem necessários. Mesmo assim, não podemos sacrificar a beleza natural e a riqueza da fauna e flora que deu fama mundial ao Brasil. Encontrar um equilíbrio entre desenvolvimento e respeito ao meio ambiente é tarefa de todos os cidadãos. Fique atento!