Fabinho e sua coleção com mais de 60 pranchas: algumas são para sempre. Foto: Alberto Sodré
Por Rafael Thomé
Aquela antiga companheira que esteve contigo nos dias de vacas magras, gordas, cascudas e asfixiantes merece uma aposentadoria digna, não o ostracismo do esquecimento nem servir como moeda de troca. Há quem diga que todas as pranchas mereçam ser guardadas, mas, aí, já vira caso de síndrome de acumulação.
Saber diferenciar uma relíquia de um toco velho não é tão complicado, como explica Diniz Iozzi, fundador e curador do Museu do Surf de Santos. “Tudo tem a ver com o histórico da prancha, a afetividade pessoal. Eu ainda guardo a prancha que eu tinha quando conheci a minha esposa, por exemplo”. Pardhal, como Diniz é conhecido, diz que outras boias também são “muito interessantes. Pô, quem não quer ter uma prancha do Kelly?”
Entre os que têm no esporte seu ganha-pão, mais que um momento, bons resultados são, talvez, o melhor motivo para salvar a prancha de um fim melancólico. “A primeira que eu aposentei dos campeonatos para deixar em casa foi a de Porto Rico, que me deu o título mundial amador em 1988”, conta Fabio Gouveia.
O paraibano é um dos surfistas brasileiros de maior sucesso nas competições internacionais, mas nem por isso limita sua coleção a tábuas que garantiram vitórias. “Guardei algumas por causa de uma foto no jornal, uma capa de revista, uma pintura bonita. Hoje, parei um pouco com isso, porque estava juntando muitas e não tenho mais lugar pra deixar”, conta o dono de mais de 60 pranchas, fora as que os filhos Igor, Ian e Ilana começaram a acumular.
Outro fator que transforma uma prancha em item de colecionador é o designer e o shaper. Não é toda hora que se tem a oportunidade de comprar um bloco desenhado e moldado por um ícone como o Al Merrick, por exemplo. “Ele é um dos melhores designers contemporâneos. Quando tive a oportunidade, paguei mil dólares pra ele fazer uma prancha pra mim com as próprias mãos”, conta Pardhal. Entre os brasileiros, o colecionador destaca o trabalho de Xanadu: “Ele é o top, até porque saiu do Brasil e conquistou o mundo com seu design e particularidades. Outro que admiro muito é o Ricardo Martins, por conta de suas conquistas com os atletas”.
Com o passar dos anos e a evolução do esporte, as pranchas foram mudando, se adaptando às novas manobras e aos surfistas mais arrojados, e essa renovação dos designs tirou alguns modelos da água e os pendurou na parede. Fia, profissional desde a década de 1980, tem tábuas que foram feitas desde antes de seu nascimento: “Tenho prancha da década de 1960, 1970, do começo dos anos 1980, de 1990, dos anos 2000. Em 20 anos as pranchas mudam bastante, é legal ver a evolução”.
Guardar relíquias que têm mais de 30 anos de idade requer cuidados especiais, como explica Pardhal: “Por que minhas pranchas não estão permanentemente expostas no museu? Porque a claridade destrói as pranchas. A prancha deve ficar na capa, num lugar escuro”. O curador do Museu de Surf de Santos tem mais de 180 itens bem guardados, que são expostos poucas vezes ao ano.
Apesar da numerosa coleção, uma prancha em especial ainda tira o sono do colecionador. “Eu gostaria de ter uma prancha de surf havaiana, de madeira, que vale muito. É do início do século passado, tem quase 100 anos. Conheço um cara que pagou US$ 55 mil numa prancha do Duke Kahanamoku. Imagina uma prancha dele, de madeira sólida, de três metros… Que sonho!”
O Museu do Surf de Santos fica aberto todos os dias, das 9h às 18h, com entrada gratuita.