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Palavras do mestre


Tom Curren e sua inconfundível linha perfeita. Foto: Dave Sparkes

 

Por Dave Sparkes

Agressão fluída. Parece até um oxímoro, ou uma contradição de termos, até você vê-la manifestar-se no ataque artístico do americano, o suco fatal de suas trilhas precisas e poderosas.

E esta mistura aparentemente paradoxal de f luidez e manobras radicais também faz parte de sua personalidade. De um lado, ele é extremamente reservado, demora-se para conhecê-lo direito, é tranquilo, porém, durante o auge de sua carreira, foi um competidor voraz. Sem a lycra de competição, entretanto, a palavra “tênue” provavelmente o descreve melhor que qualquer outra.

Sua linhagem é além de impecável. Seu pai, Pat, teve um status cult parecido entre os pioneiros do North Shore; uma das primeiras pessoas a surfar a baía de Waimea; um waterman fenomenal, surfista, nadador, mergulhador, remador, pescador; shaper das melhores pranchas de madeira de todos os tempos. Dizem que Pat também tem o mesmo carisma, levemente misterioso, visto com respeito por seus colegas. Soa familiar.

Na era do surf profissional, Tom foi a primeira esperança real dos Estados Unidos. A expectativa começou aos seus 14 anos. Seu progresso foi exemplar, vencendo títulos nacionais infantis e júnior, o Mundial Amador e o esperado Título Mundial em 1985, o primeiro de 3. Ele deixou o Tour após o segundo título consecutivo em 1986 e, em seguida, levou seu terceiro, na maior parte via baterias classificatórias (na realidade, ele também conseguiu diversas entradas como wildcard nesse ano) em 1990. Esse último foi ao final de uma volta muita rápida, seguida de uma segunda retirada do Tour quase tão rápida.

Naquele momento, ele embarcou no icônico projeto Rip Curl Search, aumentando ainda seu status cult com performances marcantes em locais míticos como Jeff rey’s Bay (um esforço incrivelmente perfeito no que foi dito ser sua primeira onda em Supertubes) e a agora sismicamente comprometida Bawa nas Ilhas Hinako, próximas a Nias (surfando com a pequena fi sh Tommy Peterson 5 pés e meio de Frankie Oberholzer em direitas tubulares de 10-12 pés).

Tom Curren influenciou quase toda figura importante do surf surgida depois de sua própria aparição e até alguns que vieram antes. Mesmo após a dominância completa de Kelly, com seus 11 títulos mundiais, Curren às vezes ainda é tido como o melhor de todos os tempos por inúmeros surfistas renomados.

Ele passou muito tempo seguindo sua carreira musical e tem diversos álbuns assinados com seu nome. É um exímio baterista e guitarrista e atualmente está se dedicando a completar mais um álbum.

Aos 47 anos, ele está há alguns anos de volta à equipe do Rip Curl Search e ainda exibe incrível graça e estilo. Em uma viagem recente às ilhas Mentawai, o presenciei surfar a sessão mais próxima da perfeição que já vi: em duas horas de tubos pesados de 6 a 8 pés, ele saiu de cada tubo, leu cada sessão perfeitamente, não caiu, não enterrou a borda uma vez e não teria molhado o cabelo se não fosse pelas baforadas de tantos tubos. Foi algo realmente zen, e quem presenciou apenas balançou a cabeça.

Recentemente, consegui encurralar Tom no meu apartamento na Costa Norte de Queensland, quando apertei o botão vermelho no gravador. E foi isso que ele disse…

Quantos anos você tinha quando começou a surfar?
Seis anos.

Como isso aconteceu?
Eu ficava muito tempo na praia em Santa Barbara quando era criança e pegava muita onda de barriga, acho. Fui para o Hawaii com meus pais e era isso que se tinha para fazer. Todas as crianças surfavam por lá, então eu peguei uma prancha emprestada, saí remando e fiquei de pé.

O quê? De primeira assim?
Sim, na primeira onda.

Seu pai, Pat, teve muita influência no seu surf?
Bem, no começo, acho que sua maior contribuição foi ter comprado para mim por 10 dólares uma prancha velha em uma praia perto de Haleiwa. Realmente foi um bom negócio. Levei a prancha de volta para a Califórnia e surfei com ela até ela não poder mais. Lembro de uma foto minha sentado em cima do carro, amarrando a prancha no teto, meus dentes da frente faltando e, ah, eu estava bem feliz, com certeza.

Quando começou a pensar em tornar o surf sua carreira?
A primeira ideia que tive foi de algum jeito entrar na fotografia, porque era a única carreira legítima que eu conseguia ver no surf, na época. Eu sabia que alguns dos caras muito bons mesmo estavam se dando bem com patrocínios, mas sendo realista, naquela época, eu queria ser um fotógrafo de surf – como uma maneira de me manter envolvido no esporte. Mas isso foi muito cedo, quando eu tinha oito ou nove anos, algo assim.


Aos 47 anos, Curren entuba como um garoto na Indo. Foto: Dave Sparkes

 

Seu pai ainda estava com a família naquela época?
Sim, e ele definitivamente teve um enorme impacto em mim, em termos de surf. Surfamos juntos bastante. Lembro de uma vez em que estávamos em San Diego, surfando ondas de 10 pés. Acho que eu tinha oito ou nove anos e foi antes dos leashes, então, tudo revolvia em tentar escapar das séries para não ter que voltar nadando. Eu estava meio que assistindo apenas. Quando você é novo daquele jeito, você absorve muito as coisas, elas ficam guardadas muito mais, então, foi uma boa influência e isso faz diferença, porque não é apenas verbal.

Talvez saber que as coisas tinham tanta consequência, sendo antes dos tempos de cordinha, tenha influenciado seu famoso approach preciso e a economia de movimentos.
Talvez. Em uma dessas vezes que fomos surfar, perdemos nossas pranchas e nunca as achamos de novo, elas foram levadas pela correnteza e já estava escurecendo. Mas, sim, comecei a surfar antes dos leashes e das boas roupas de borracha…

Nessa época você tinha noção da história e das aventuras do seu pai?
Tinha sim. Tínhamos um álbum de fotos tiradas pelo Bud Browne, fotografias de seus filmes. Algumas delas eram muito granuladas, acho que todas eram de Waimea. Mas eram todas ondas incríveis, e mesmo nas fotos granuladas você conseguia ver como meu pai estava sempre na prancha, sempre na parede da onda, não até a base dela, como um drop gigante ou algo assim. Eu não sabia isso na época, mas aparentemente ele sempre ficava no lugar certo para fazer o drop em Waimea. Se você chega ao lugar certo e tem uma prancha boa, pode surfar na parte mais forte da onda. A maioria das pessoas pensa que Waimea é um drop gigante e só, mas se você pega a onda certa… Meu pai era famoso por esperar a onda do dia. Ele esperava o dia inteiro e pegava a melhor onda, conhecia todo o lineup e os elementos. Ele é uma lenda. Havia essas fotos e outras dele meio que ao lado de um carro, acho que com amigos, sabe, só algumas outras fotos. Tinha uma dele que era um anúncio para a Jansen Sportswear e era engraçado porque ele estava vestindo uma bermuda muito apertada. Estava meio que rindo disso, ele não gostava muito do shorts, mas devem tê-lo pago para isso. E também tinha uma foto clássica, em que estava velejando de volta do Hawaii, com uma barba e um tipo de turbante. Mas eram muito jovens também, na época. D:Quando você começou a surfar competitivamente, ganhou uma reputação por uma combinação matadora de grande habilidade natural e fome de competição. Você fazia essas estratégias de propósito ou era algo mais intuitivo? T: Eu gostava muito de competir e treinava muito porque competia quase todo final de semana. Além disso, também fazia parte do time de natação e dos salva-vidas juniores. Acho que a natação me ajudou muito, porque você realmente tem que se esforçar contra seus adversários. É algo mental e físico ao mesmo tempo, então, você tem que superar o ponto em que está quase desistindo. Acho que isso me ajudou muito. E os salva-vidas juniores definitivamente tiveram parte nisso também.

Que tipos de pranchas você usava na época?
Naquela época eu tinha começado a usar pranchas do Al Merrick. Tive uma monoquilha por dois ou três anos, era tipo uma rabeta round pin, um shape bem básico. Então, Shaun Thompson começou a frequentar Santa Barbara e ele usava biquilhas. Al começou a shapear biquilhas, e mudou tudo! Na primeira vez em que surfei com elas, por exemplo, eu saía das ondas porque achava que uma seção era longa demais, que eu não conseguiria passá-la. Na verdade, uma vez Al estava na água, eu saí de uma onda e ele disse: “Você sabe, teria conseguido passar aquela seção”, porque elas eram muito rápidas. Então, demorou um pouco para acostumar. Mais ou menos em 1981 ou 82, comecei a surfar com triquilhas, aproveitei todo o processo da mudança de design como parte da equipe. Santa Barbara era um lugar quieto, mas na verdade tínhamos muitas vantagens em termos de design de pranchas, porque havia shapers muito bons lá. Um deles era Rennie Yater e também Al, claro. George Greenough tinha saído de Santa Barbara, meu pai também shapeou para Yaterdurante um tempo. A tradição de shape lá era grande. E as pranchas correspondiam ao tipo de onda que tínhamos lá, e os shapers não estavam muito preocupados em fazer uma prancha boa para poucas manobras em beachbreak, o surf lá tem mais linha.

É interessante ouvir que Shaun Thompson te influenciou a usar biquilhas, porque lembro de ler uma entrevista com Rabbit [Bartholomew] em que ele disse estar surfando com você, e você tinha uma biquilha. Uma onda que pegou com sua prancha e adorou o levou a usar biquilhas no fim das contas.
Sim! Fiquei hospedado com Rabbit quando tinha uns 17 anos. Fui para a França por algumas semanas e fiquei com Rabbit, Bruce Raymond e John Law, os caras da Quiksilver. Tivemos duas semanas de surf muito ruim e não sei por que Rabbit acabou experimentando minha prancha. Surfava com ela todos os dias, em ondinhas minúsculas, e começou a gostar muito. Então, quando fomos embora, ele foi à Califórnia e Bob Hurley shapeou uma prancha para ele. Ele acabou indo muito bem em um campeonato em Malibu com uma biquilha. Era como uma cópia da minha. Naquela época, claro, Mark Richards já usava muito as biquilhas, estava na vanguarda do design das twin fins. Além disso, Martin Potter, mais ou menos em ‘81, estava trabalhando com Spider Murphy e seu surf estava incrível – não tinha comparação com as monoquilhas. Para surf mais performance, biquilhas eram muito mais rápidas. O problema era que elas não funcionavam direito de backside, era meio que o único problema das biquilhas. Era muito difícil surfar com elas de backside e, se não fosse por isso, talvez nem houvesse uma triquilha hoje em dia. Mas isso é só minha opinião. Não sei, acabei de pensar nisso.

É interessante, os jovens de hoje não têm ideia da diferença que você sente na aceleração depois de só ter surfado com monoquilhas e de repente pular para uma prancha multiquilha – sentir logo de cara aquela velocidade intensa que você só consegue com uma prancha multiquilha.
É! Sim, mas quer dizer, se eu tivesse uma escolha, só surfaria com monoquilhas. Mas elas realmente não funcionam em diversas situações. Gosto de ter só uma quilha, a prancha vai mais rápido. Quer saber, talvez algum dia haja uma maneira de criar uma prancha com uma quilha e, de alguma forma, fazê-la competir com pranchas de mais de uma quilha.

Mas, então, quando você diz que essas pranchas são mais rápidas, como isso se relaciona com o que você disse sobre as biquilhas conseguirem passar seções que monoquilhas não poderiam?
Bom, há menos coisas penduradas na prancha, então, quando você está indo em linha reta, não há atrito vindo das outras quilhas, e com a biquilha, você tem as quilhas dos lados. Já tem uma prancha mais larga para começar e fica trocando entre uma e outra quilha, acelera mais com uma das quilhas, mas a monoquilha é mais rápida em linha reta. A maneira mais rápida de chegar à base de uma onda é provavelmente com uma monoquilha.

Quando chegou no seu auge competitivo, você tinha uma vibe misteriosa nos eventos, aparecendo do nada e tal.
É, não sei, só aconteceu algumas vezes, quando estava atrasado para minha bateria ou algo assim. Como era difícil ganhar de mim, achavam que eu estava fazendo algum jogo psicológico. Uma vez em Santa Cruz eu ia surfar contra Luke Egan e me atrasei para a bateria, então, tive que passar a arrebentação em vez de pular de cima da pedra, pelo farol. Eu nem estava no lineup ainda e a bateria já havia começado. Então estou lá remando o mais rápido que posso, uma onda vem ali no meio, eu pego ela e pego um tubo, e Luke ainda estava lá tentando entender o lineup. Steamer Lane é um lineup bem difícil de entender e eu já tinha surfado lá muito. Mas eu também tentei entrar nesse lance psicológico, tentei trabalhar isso o máximo que pude antes da bateria ou na área de competidores ou onde fosse. Foi algo que aprendi com Rabbit, ele aprendeu do Michael Peterson e Mark Richards. É meio que uma tradição. Acho que os australianos trouxeram muito disso, mas, sabe, sem perder o respeito. A briga era dura, em alguns dos primeiros eventos de que participei, tive que pensar nesse lado também. Você tinha que pensar bastante, não importa o que, ninguém vai ficar apenas surfando e alternando quedas. Vai ser uma corrida, você sabe que consegue remar por um quilômetro ao longo da praia – literalmente – e era bem animador. Eu estava muito feliz por estar no Tour e queria jogar todo aquele jogo também, como meus heróis. De qualquer forma, eu treinava com uns amigos em casa, Sam e Matt George. Eles me disseram para ir para a Austrália e competir no Stubbies e tudo mais, e fazíamos baterias de treino, homem a homem e tal, e treinávamos toda essa parte da “briga” também. Você não pegava a onda, brigava por ela. Era engraçado, como jogar basquete homem a homem ou algo assim, era muito engraçado. Ficávamos remando um por cima do outro, não a ponto de puxar a cordinha nem nada assim, mas não sei, eu gostava daquilo, acho que gostava de competir.

Então, o lance do jogo psicológico era meio que cultivado em você pela mídia e você pensou: “Vou entrar nessa e jogar junto.”? O escritor Carlos Castaneda disse: “O guerreiro usa o que estiver a seu dispor.” (Tom ri.) Se estão desenvolvendo essa ferramenta para você, ótimo!
É, acho que é isso mesmo.

Todo o mistério era só porque você não achou a chave do carro ou algo assim?
(Rindo) Sim, um pouco disso. Lembro-me de ir a alguma ação promocional em uma surf shop e alguns dos caras contra quem eu competia estavam lá. Então, eu meio que não falava com eles, umas coisas assim. Mas não sou uma pessoa tão imponente, e eles provavelmente não ligavam muito. Tenho certeza de que eles não estavam intimidados nem nada assim.

* A entrevista com Tom Curren continua nas páginas da HC 272, maio de 2012.

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