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quarta-feira, 27 março, 2024
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Extremo Sul

Texto: Marco Giorgi
Fotos: Rafaski
 

E foi assim que entrei nessa trip com Ricardo dos Santos, Nelson Pinto, Yago Dora, o videomaker Mark Daniel e o fotógrafo Rafael Calsinski. Assim que comprei a passagem, entrei na internet e vi que a previsão era boa. Pranchas na capa, passaporte na mão e vamos nessa!

Essa viagem tinha sido planejada por Ricardo e Nelson, mas chegando lá não tinha nada certo, o único plano era alugar um carro e perseguir as ondas, sem nome de cidades ou ondas, o plano era surfar até não poder mais.

A viagem começou tranquila, algumas horas de carro até encontrar uns locais amigos do Nelson que tinham ficado sabendo que estávamos lá e queriam pegar onda junto com a gente. E por que não? É sempre bom ter aquele conhecimento local.

Os primeiros 2 dias foram flat, mar colado. Não importou muito, porque resolvemos dirigir várias horas por uma simples promessa de surf. Os locais nos levaram por um caminho alternativo alucinante, onde a paisagem era composta por plantações de uvas, lagos, montanhas, caminhos cercados de amoras selvagens e flores amarelas anunciando a chegada do outono.

No terceiro dia a turma já estava de boa de visuais e pronta para um pouco de ação. Já que o mar permanecia pequeno, nossos amigos locais nos levaram a uma cidadezinha que tinha sido devorada recentemente por um Tsunami e nos contaram histórias bizarras de como a onda chegou de madrugada, enquanto dormiam, sem nenhum aviso do governo nem nada. Muitas pessoas morreram nessa cidade, mesmo assim dava pra sentir um ar de vida nova – pessoas retomando suas vidas olhando pra frente, e não pro passado.

Nesse mesmo dia o mar aumentou. De manhã surfamos meio metrinho divertido e no final de tarde o mar já tinha 2 metros de onda. Foi uma daquelas tardes em que o céu fica mudando de cores, de amarelo para rosa, vermelho para azul, e aquela bola de fogo descendo no meio do Pacífico, tudo em questão de minutos, muito irado! Na hora do jantar um bom salmão chileno e cama.

No dia seguinte estava todo mundo com fome de onda, já tínhamos sentido o gostinho e agora queríamos mais. Dirigimos um pouco por alguns caminhos sinuosos que traziam aquele feeling de que estávamos próximos a um secret spot. Assim que chegamos, nos deparamos com uma esquerda animal! Imagine a Gold Coast sem ninguém na água, só para seus amigos e pra você. Pensa nisso! O mar estava tão “ruim” que acabamos ficando apenas 7 horas na água, pegando onda atrás de onda, igual uns malucos, como se nunca tivéssemos visto o mar. Rafa ficou dentro d’água, com luvas e um wetsuit de 5 milímetros da Mormaii que emprestei pra ele, e o Mark filmou de cima do penhasco.

Fim do surf, tudo em cima do carro, todos mortos voltando pra casa depois daquela remadeira. Ainda tivemos que desatolar o carro da areia fofa! Mas tudo certo, todos quebrados e felizes de serem surfistas. É nesses dias em que você agradece ao seu pai por ter te dado aquela prancha naquele natal quando você era só uma criança. Valeu, pai!

O bom de viajar com os amigos é que quando a noite chega, cada um vê suas imagens, observa como está surfando, vê se tem alguma coisa pra corrigir e melhorar durante a viagem.

O dia seguinte não foi muito diferente: surf até morrer! Tubos, manobras, maré seca, amigos, risadas… Fizemos alguns amigos chilenos, que nos convidaram para um churrasco típico em sua casa. Trocamos uma ideia, devoramos alguns quilos de carne e ouvimos das ondas que ainda nem foram descobertas.

Depois de 3 dias intensos de surf, o corpo começa a pedir ajuda. Depois de acordar no dia seguinte e ver que o mar não estava muito bom, resolvemos, de repente, seguir viagem para um local novo.

Essa trip foi muito pacífica: nenhuma discussão, nada de briga ou egos. Os locais que encontrávamos no caminho ficavam superfelizes de ver a gente surfar, ganhamos vários elogios legais como “que bom que vocês estão aqui; fazia tempo que não aparecia ninguém profissional por aqui; vocês ajudam a nossa evolução”, e coisas assim. Todos os locais que cruzamos estavam felizes com nossa passagem por lá.

A segunda parte da viagem foi em uma área inóspita, rodeada de montanhas, mar e enormes lagos – tudo isso fazia parte do nosso percurso. Tínhamos ouvido falar duma onda muito boa por ali, e então nos instalamos na casa de uma família que praticamente nos adotou. Não é sempre que se é tratado como em casa, longe de casa.

Esta família era incrível, estavam contentes mesmo com nossa bagunça, nossas risadas, nosso barulho, tomadas lotadas de carregadores e banheiros fedorentos. Sempre sorridentes, preparavam o café da manhã com pão e queijo caseiros e geleia de morangos colhidos da horta deles. Surreal!

Depois do banquete matinal, partimos pro surf. Um novo swell apareceu e, nesse lugar, a água não estava brincadeira: era roupa 4/3 , botas, luvas e mesmo assim batia a tremedeira depois de ficar uma hora e meia na água. Méritos ao Rafa, que ficou nadando durante horas na água congelante para fazer fotos alucinantes.

Esse dia foi o auge da viagem: toda maldita onda era tubo, tubo, tubo e mais tubo. A galera gritava, cantava, dançava – se alguém visse aquela cena de longe iria pensar que estávamos com um sério problema de saúde mental. Como essa onda era de difícil acesso, a turma tinha levado um panelão, um quilo de arroz, cebola, pimentão, umas salsichas e uma faca. Fizemos um fogo na areia com alguns galhos secos, enchemos a panela de água do mar, Ricardo cortou tudo e uns 20 minutos depois, voilá!, o almoço estava servido. Como não tínhamos colher, pegamos umas conchas na areia que serviram de talheres, e umas pedras lisas como prato; e o problema estava solucionado. Com todo mundo de barriga cheia e repleto de energia, rolou mais um surf antes de voltarmos para a casa da nossa querida família adotiva.

A janta da tia era purê de batata, salada fresca e uma costela de porco suculenta que eles recentemente tinham matado. O Rafa, vegetariano, não estava muito feliz – mas o resto estava soltando foguetes! Quem mandou ser vegetariano né, Rafa?

Três dias nesse paraíso gelado e estava na hora de ir embora. Ninguém queria sair daquela vidinha boa. Afinal, iria embora de um lugar onde você e seus amigos surfam sozinhos, na maior vibe do mundo, sem nenhuma alma viva por perto? Bom, na verdade, conhecemos um grupo de locais que acabaram virando amigos também. Enfim, tubos, terral, amigos, comida boa… acho que ninguém gostaria de sair de um lugar desses, a não ser para chamar a namorada pra voltar com você.

Todos nós ficamos camaradas do tio, que era a grande figura da casa. Ele falava francês e inglês com a gente, citando poemas, contando piadas e oferecendo vinho o tempo todo. Cada um de nós escreveu uma mensagem num caderno que fica na casa para os visitantes. Fizemos várias fotos com todos, rolaram abraços, discurso do tio e tudo, dava vontade de levá-los junto. É incrível a energia daquelas pessoas, fico com saudades só de escrever sobre eles.

Esta viagem foi especial. Acho que quando se viaja com pessoas numa mesma sintonia, as coisas acontecem sem serem forçadas. As coisas fluem, as ondas aparecem. Fizemos vários amigos ao longo da viagem, conhecemos pessoas verdadeiras e simples, surfamos com alegria de estar ali vivenciando toda essa novidade, sem nos preocupar se a última onda foi um 8, um 9,5 ou um 3. Estávamos simplesmente nos divertindo a cada momento, cada um fez a sua no seu tempo, nada forçado. Encontramos o que procurávamos…

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