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sexta-feira, 26 julho, 2024
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Diário de Trestles – final

I am gross and perverted
I’m obsessed’n deranged
I have existed for years
But very little had changed
I am the tool of the government
And industry too
For I am destined to rule
And regulate you

Frank Zappa – I’m the Slime 

Slater evoca essas coisas.
Penso em Zappa e invariavelmente em Ali.
Zappa escreveu essa canção acima que podemos traduzir para “Eu Sou a Escória”.
A letra diz:
Eu sou nojento e pervertido
Obcecado e desajustado
Eu sempre existi
Mas pouca coisa mudou
Sou um instrumento do governo
Da indústria também
Porque eu sou destinado a dominar
E reger você.

Para a garotada, Slater é tudo que Zappa disse.
Para os mais velhos, Slater serve de analogia para todo tipo de superioridade conhecida em qualquer tipo de disputa.
Gosto muito de usar Muhamad Ali para comparar e analisar diferentes situações na carreira do Careca.
Isso porque Ali também passou por mais de uma geração, dominou e foi dominado, retornou pro topo e de lá foi arrancado por lutadores capazes de perceber seu jogo mental.
Claro que Slater nunca teve uma boca tão grande como a de Ali, nem teve tantas derrotas humilhantes, nem um centésimo da fama do homem que um dia foi considerado o mais conhecido em todo planeta.
Logo depois da sua 48ª vitória no circuito que ele hoje alimenta, Slater disse ao Marcos Sanders, do maior saite de surfe do mundo (Surfline), que não achava justo comparar surfe com boxe.
Pois eu acho.
Não o Boxe dos dias de hoje, superado por essa carnificina antiestética que é o MMA, falo da nobre arte que já foi um dos esportes mais populares do mundo.
Nesse exato momento, Owen Wright é Ken Norton, lutador menos reconhecido, mas igualmente letal, capaz de impor dor e punição ao Ali como Frazier e Foreman.
Norton foi o segundo lutador a vencer Ali, numa decisão por pontos, em 1973. O quase imbatível Muhammad Ali saiu com o queixo destruído literalmente do ringue – Norton quebrou o maxilar de Ali.
Algo como a vitória destroçante de Owen Wright, em Nova Iorque, na semana passada.
Graças a derrotas como essas, super esportistas como Slater e Ali são forçados a repensar sua estratégia e subir ainda um degrau acima da sua espetacular forma.
Logo em seguida a sua derrota para Norton, Ali fez uma das melhores lutas da história do boxe contra George Foreman, em 1974, no Zaire.
Mantendo a coisa dentro d’água, Slater se viu diante dum desafio como não acontecia há tempos no surfe profissional.
Esqueçam os números.
Vejam a coisa pelo lado dos opostos.
Pelo óbvio, primeiro.
Um é regular, outro goofy.
Loiro, careca.
10 títulos x 0 títulos
Rip Curl x Quiksilver
Novo, velho…
Slater mesmo declarou, Owen não tem pontos fracos, surfa bem buraco e cheio, tubo, grande, marola, voa, rasga sem pena e tem frieza nas decisões, tudo que a ASP precisa agora.
E Owen é o escolhido, vide a equivocada, na minha opinião, decisão de penalizar Julian Wilson, o surfista mais empolgante do evento, com uma interferência que poderia ser facilmente esquecida.
Houve polêmicas que inundaram twitter e facebooks com mensagens indignadas e, às vezes, desaforadas.
Heitor perdeu uma luta justa com Slater, falta ainda força nas manobras, não a força física, mas o peso extra na prancha que Slater tem como nenhum outro surfista no Tour.
E Slater estava com uma prancha mágica.
Até as pedras de Trestles sabem que Slater com uma prancha mágica não pode ser batido.
A final teve todos ingredientes duma grande luta, o início das hostilidades (como diria Nuno Jonet) de maneira branda, mas certeira, um recheio com drama e minutos finais de matar ou morrer.
Pipocaram teorias de conspiração sobre um domínio dos dois finalistas na ASP, mas a verdade é que ninguém tem esse controle sobre a instituição.
O que há hoje, dentro dos palanques e atrás de cada computador assistindo os eventos, é a vontade suprema de ver os dois maiores surfistas do momento se enfrentar.
Foram 3 finais de tirar o fôlego, a última ainda mais tensa e cheia de mistérios.
Esse campeonato pode até ser esquecido em alguns anos, mas a sequência de eventos que o precederam ficará pra sempre na nossa memória.
Sorte de quem tem acompanhado.

Frank Zappa – I’m The Slime


Muhamad Ali (calção branco) x George Foreman (calção vermelho), Zaire, 1974


Kelly Slater (camisa branca) x Owen Wright (camisa azul), Hurley Pro Trestles

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