Por Julio Adler
Ansiedade e expectativa eram suficientes pra causar uma úlcera instantanêa em qualquer um que ousasse assistir o que se passou no Billabong Pro em Teahupoo nessa fatídica sexta feira, dia 26 de agosto de 2011.
Confesso ter duvidado da decisão da direção da prova quando vi aquele mar desarrumado e retiro cada letra do que escrevi furiosa e irracionalmente no twitter – http://twitter.com/#!/julioadler
Esse dia inesquecível está cercado de irracionalidades.
Pela primeira vez em anos, o ranking, os pontos, dinheiro ou outras frivolidades deram lugar aos instintos mais primitivos conhecidos pelo homem – sobrevivência.
We know what life brings
Still we can find a way
From dues we’ve got to pay
We hope we’ll somehow say
That we’re alive
Gil Scott Heron – Beginnings (First minute of a new day)
Jeremy Flores não era dos mais empolgados com as ondas que detonavam a bancada de Teahupoo e sua tarefa era a mais dura de toda fase, vencer um local notório por estar sempre no lugar certo, na hora certa.
Enquanto os dois panacas do webcast em inglês não se calavam por um segundo sequer, as câmeras do excelente webcast que a Billabong preparou para o Tahiti nesse ano apontavam para algumas das ondas mais amendrontadoras que vimos nos últimos 10 anos.
O tempo nublado, vento estranho e mar batido não deixavam o ambiente mais simpático.
Jeremy leva duas vacas terríveis, Heiarii não consegue surfar nenhuma onda, uma sensação de estar vendo uma tragédia anunciada aumenta a cada segundo que os surfistas demoram pra subir depois dos caldos.
Finalmente o grande momento do dia, logo na primeira bateria, desses momentos que determinam a grandeza do surfista diante dos seus pares.
Flores rema com o coração na boca numa onda capaz de assombrar muito camarada metido a big rider, dropa com segurança, acerta a linha com técnica de poucos e aponta pro canal.
O que se segue é uma cena de terror, locutores gritam histéricos no webcast, eu grito histérico na segurança do meu quarto, o leitor amigo deve ter soltado seu grito onde quer que estivesse, a bomba explode sem Jeremy ser ejaculado do seu ventre.
Sobe um misto de horror e empolgação no ar.
João Capucho me manda uma mensagem no Facebook,
Julio, os caras tem que parar isso!
Alguém morre num mar desses…
Isso é uma inconsciência!
Eu me apresso em responder, não há tempo a perder, respondo ao Capucho,
Faz parte do jogo…
E na Fórmula 1?
Quantos já morreram em prova?
Quantos já morreram competindo no surfe?
Menos de um minuto depois, Heiarii despenca lá de cima numa morra de bons 3 metros de altura e alguns outros de espessura.
Um dos locutores do webcast em inglês balbucia angustiado, por favor suba…!
O tahitiano demora algum tempo pra emergir…
Gente que nem sabe quem é Heiarii reza em silêncio por ele.
Fim de bateria, esta ainda é a primeira bateria do dia, os primeiros 35 minutos e já envelhecemos 10 anos com tanta tensão à flor da pele.
Jeremy vence a disputa, mas nessa altura uma vitória não quer dizer absolutamente nada.
O que Jeremy Flores conquista é seu título definitivo de Pipeline Masters, o respeito e admiração dos que vibraram com seu ímpeto no canal e milhares de fãs que testemunharam o tamanho da sua coragem e vontade de superar-se.
Flores foi um toureiro elegante e superior, enquanto o touro tentava atingi-lo com toda raiva.
Obrigado a surfar uma vez mais, Flores ainda foi capaz de outra apresentação excepcional, desclassificando um dos favoritos do evento, Cory Lopez.
Nesse dia 26/08/2011, Jeremy Flores renasceu maior, gigante.
Seus companheiros nunca mais vão olhar pra ele da mesma maneira.
Brazilian Nuts
Tínhamos todos muita apreensão pelos nossos.
Já fomos os loucos do circuito, maroleiros, traficantes, festeiros, fomos oportunistas e meros competidores.
Perdemos completamente nossa identidade e a recuperamos a duras penas.
Hoje não somos um, somos muitos, somos mais – sem ufanismo cego.
No dia considerado pelos próprios estrangeiros como o mais pesado e amedrontador na recente história do circuito, a primeira nota 10 foi do Raoni.
Claro que Raoni teve a infelicidade de competir contra Mineiro, parceiro de luta, mas a bateria não servia apenas pela cor das camisas, tinha mais em jogo.
Raoni construiu uma reputação de surfista definitivo em condições extremas e precisava provar em 2011 que merecia estar entre os Top 32.
Mineiro tinha a grande chance de tomar a liderança do ranking depois das derrotas seguidas do Taj e Parko – já falamos disso.
Na torre dos juízes, o temor por uma grande contusão era iminente e quando Mineiro saiu do tubo arremessado de peito na parede da onda e voltou com um espesso lipe contra a parte mais rasa da bancada, todos se olharam preocupados.
Nenhum dos dois parecia muito disposto a tentar uma onda suicida como Flores.
Até essa morra de 8 pés solidos escurecer o horizonte e Raoni escorregar pela sua garganta com toda a tensão e maestria que é capaz. A saída foi triunfal, punhos cerrados, pose de lutador de vale tudo que acaba de destroçar um adversário invencível.
Ricardinho já tinha nos dado tanto orgulho na bateria contra Taj…
O mesmo Taj que diz não ligar pra títulos na propaganda da Billa – quase acredito depois de vê-lo contra Ricardinho.
Para o local da Guarda, aquelas condições são seu feijão com arroz.
Ricardinho é conhecido por não temer onda de tamanho nenhum, seja no Chile, onde ganhou um Pro Junior quando ainda tinha 16 anos, seja nesse mesmo Tahiti, quando em 2008 botou pra baixo no mesmo mar que tinha Andy, Slater, Bruce, Manoa e cia, ou nas temporadas havaianas em que sempre é destaque – tudo isso com apenas 20 anos.
Ricardinho da Guarda moeu Taj, ídolo da molecada. Que isso sirva de lição para a Billabong Brasil quando fizer sua nova campanha nas revistas nacionais.
Parko fez tudo certo contra Simpo, exceto sair das cavernas que se metia.
Numero 1 do ranking e candidato ao título de 2011 (segundo Luke Egan, na sua melhor forma física), Parko não pode perder para um surfista do calibre do Brett Simpsom se quer mesmo destronar Slater.
Ace Buchan merecia um 10 no seu 9.9 – justo os dois brasileiros não deram a bendita nota…
Não os culpo por tanta exigência, deixaria de lado o aspecto científico, o lado humano é que pede um 10.
Josh Kerr fez a bateria do evento contra Julian Wilson, outro camarada que será visto com muito mais respeito daqui em diante.
Kerr e Julian deveriam exigir que todos seus filmes tivessem pelo menos uma parte em ondas mortais como as que vimos nessa sexta.
Kerr surfou com uma 6’2’’, pra que mais?, perguntou ele. Tem somente um lugar pra dropar a onda e o tamanho da prancha não vai fazer muita diferença, concluiu Kerrzy.
Sua 6’2’’ tem o mesmo volume duma gunzeira, como Slater em Pipe 2008.
Jadson enfrentou um dos caras que mais considerava perigoso para os brasileiros, Pat Gudauskas.
Depois de passar todo dia no canal assistindo o campeonato como um verdadeiro entusiasta que é, Jadson assumiu a responsabilidade de ir lá dentro e arriscar seu pescocinho, como Slater o desafiou ano passado.
Foi severamente punido numa vaca que nos deixou sem ar e prevaleceu numa disputa fraca.
Jadson enfrentou seus demônios e sobreviveu. Mais importante, ele sabe que tem muito pra melhorar e deseja isso do fundo das suas entranhas.
Outro que virou herói, mesmo sem ter vencido, foi Alejo.
Ninguém esperava que Alejo fizesse alguma loucura naquele mar, afinal de contas, já classificado pro corte do próximo evento, não precisava desesperadamente dum resultado, como Matt Wilkinson.
Bem, ninguém vírgula! Paulo Kid já tinha avisado que Alejo é um surfista sem limites e quem esquece sua foto numa onda em Sunset pra lá de 12 pés com apenas 18 anos?
Logo nos primeiros minutos de bateria Alejo se jogou numa bomba que valeu 9 pontos só pela atitude.
Se Alejo deu mole ou não, é outro problema. O respeito e admiração que Alejo conseguiu com essa onda é algo que gruda na sua reputação como a parafina na sua prancha.
Terceiro round
Sou muito relutante em escrever round ao invés de fase, prefiro manter o vocabulário em português quando possível, mas desta vez round como em luta de boxe me parece perfeito.
Já falei de Kerr contra Julian, Flores versus Lopez, falta Otton x Ace.
Ace Buchan foi dos melhores surfistas do dia, teve falta de sorte ao bater de frente num dos mais temidos surfistas em ondas pesadas.
Ottz avisou ao que vinha quando naquele mar ridículo no Chile pegou uma das melhores ondas do evento.
Os confrontos que teremos na segunda serão épicos.