Por Luciano Burin Estava meio desanimado, navegando a esmo pelas redes sociais numa madrugada recente, quando me deparei com um link para um vídeo chamado “Tales”, e assim, num simples aperto de botão, minha noite foi salva ao ser levado no embalo da bela viagem surfística produzida pelo diretor Mark Daniel. O olhar poético, a fotografia apurada numa estética vintage e reforçada por uma trilha sonora com alta carga retrô, se imprimem na tela numa obra atemporal, que parece buscar a sua essência na pureza e na simplicidade – qualidades sempre bem vindas em qualquer produção. Assim, a beleza do surf e das paisagens em locações no Peru e no México, são reveladas em sua plenitude ao longo do filme, promovendo uma reflexiva e intensa experiência sensorial. Confesso a minha surpresa ao descobrir que o diretor não é nenhum veterano da Austrália ou da Califórnia, mas sim, um jovem brasileiro de apenas 22 anos. Na entrevista a seguir, Mark revela um pouco do seu universo criativo e das motivações por trás de sua obra. 1 – Conte sobre a sua formação e como começou a se envolver com filmagens de surf? Nasci e cresci em Porto Alegre, indo pra praia nos finais de semanas. No ano passado completei o curso de graduação em Turismo e foi durante meu período acadêmico que percebi que não estava indo no caminho que gostaria. Foi aí que meu interesse por fotografia, arte e música falou mais alto. Quando começei a filmar, revezava a câmera na praia com alguns amigos. E nessa época não cogitava ficar na praia filmando além do tempo combinado. Porém, aos poucos, comecei a me interessar pelas filmagens e vi que já estava mais feliz quando filmava alguma boa manobra de um ângulo legal do que se tivesse executado a manobra. E também um mundo de possibilidades se abriu diante de mim. Pode parecer ousadia, mas percebi que poderia fazer o dia das pessoas muito mais felizes através de algum vídeo do que se estivesse em pé em cima da prancha. 2 – De que maneira o surf está presente em sua vida e como ele se reflete nos seus filmes? O surf sempre esteve presente em minha vida. Desde muito pequeno tenho lembranças de meus irmãos indo surfar com os amigos deles. Era natural que começasse a surfar também. Mas faz uns dois anos que comecei a me interessar mais pelo lado da fotografia. Então, resolvi tentar mostrar um pouco da minha interpretação não só sobre o surf, mas sobre todo o entorno que tangecia o surf, pessoas e paisagens. Não cheguei lá ainda, e nem sei se isso é uma utopia. Mas enfim, acho que é esse o sentimento que faz a gente sempre colocar o nosso coração no que fazemos, seja lá qual a atividade que exercemos. 3- Fale um pouco sobre o processo de filmagem de Tales. Qual equipamento você utilizou nas gravações e como concebeu a estética das imagens e identidade visual do filme? O processo de filmagem do Tales foi bem simples. Utilizei uma Sony FX7 e foi basicamente isso. Foi no melhor estilo do it yourself. Sempre fui fascinado por filmes e fotos antigas. E no Tales quis passar um pouco disso. Acho que o surf, e as pessoas em geral, se preocupam muito em ser o mais high tech possível. Só que nem sempre o fato de ter um equipamento mais qualificado lhe dará a garantia de produzir uma imagem bonita. Então como meu equipamento já não faria frente a uma grande produção, deixei meus instintos automaticamente tratarem as imagens com um tom vintage para agregar um pouco mais de conceito. 4 – Como se deu a escolha das músicas para a trilha sonora? Sempre que estou filmando já tenho alguma música na cabeça. Isso sempre parece funcionar, porque posso já sentir a vibe do momento e tentar contextualizar mentalmente com a música. Uma espécie de pré-edição. Só que no Tales, nem todas músicas foram assim. Algumas fui mudando ao longo da jornada. A trilha de Chacahua (aprox. min. 10 do filme) por exemplo, eu tinha escolhido uma completamente diferente. Seria uma seção completamente diferente. Porém, quando estava pra começar a edição da seção escutei aquela música e enquanto a escutava a seção já foi se desenvolvendo na minha cabeça. E acho que essa troca de última hora deu muito mais ênfase as imagens da seção. Então, a escolha da trilha é muito relativa. Nem sempre a música que tenho em mente no momento acaba sendo a trilha ideal para a ocasião. Caso seja esse o problema, deixo meu gosto um pouco de lado e tento fazer uma leitura das imagens, para depois achar a música que mais se aproxima dessa leitura. 5 – Cite alguns dos seus filmes favoritos (de surf ou não) que serviram de inspiração para Tales? Gosto muito do trabalho do Dustin Miller, gosto da simplicidade e pureza nas suas imagens e edições. Seria injusto citar apenas um filme dele, porque todo o trabalho dele me inspirou um pouco, mas posso citar o Picaresque então. Um filme que marcou muito foi o Thicker than Water, do Jack Johnson. É um dos meus preferidos. Também tem o Simples Olhar do Pablo Aguiar, foi assistindo esses filmes que me despertou a inquietação de filmar. Mais recentemente tem o Modern Collective do Kai Neville, que acho que foi meio que um wake up call para o surf, tanto para os surfistas como também para os diretores e produtores que estavam meio acomodados e sem criatividade. E, por último, vou citar uma influência fora do surf, que são os filmes de Stanley Kubrick. Meu favorito é o 2001, Uma Odisséia no Espaço, que de alguma forma teve alguma influência no Tales. 6 – Quais os seus planos para o futuro dentro do segmento de filmes de filmes de surf? Meus planos são continuar produzindo, mas sempre buscando algo diferente. Tenho alguns projetos pra esse ano e estou buscando conceitos distintos fora do surf para as produções. Acho que o mercado surfístico é grande e a quantidade de praticantes que estão sedentos por coisas novas e diferentes está maior. Então, não tem porque ficar insistindo no óbvio e naquilo que ja foi feito. Luciano Burin é autor do blog Surf & Cult Tales From The Desert (Completo) Tales (Full lenght) from Mark Daniel on Vimeo.