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10 Perguntas para Caio Ibelli

Por Steven Allain
HC #328, abril/17

Foto de abertura: Ryan Miller

Uma das promessas do surf brasileiro. Hoje, realidade. Até que o pro diferenciado demorou um pouco para entrar no Tour, mas quando o fez debutou com o título de Rookie Of The Year da temporada, isso em 2016.

Não à toa, criado com bom suporte profissional e muita experiência em viagens pelo mundo, o destaque principal de performance acontece nas ondas do Hawaii, onde atualmente ele é quase um surfista local, precisamente do West Side, na mística e regionalizada praia de Makaha.

Lá, mora a família de sua namorada havaiana, a também surfista profissional Alessa Quisson. Em 2017, Ibelli quer melhorar seu ranking pessoal, também faz apostas e deixa claro onde quer vencer: Teahupo’o. E já começou a temporada com a primeira final na elite, em Bells Beach. 

HARDCORE: Você ficou surpreso em ser o Rookie of the Year de 2016, ou era uma coisa que você projetou em sua entrada no Tour?

Caio Ibelli: Quando a gente entra no Tour, pela primeira vez, eu acho que o desejo não é nem ser campeão mundial, é sim conseguir o Rookie of the Year e se manter entre os tops – esses são os dois focos principais de um estreante.

No ano passado eu estava com mais vontade de me manter no Tour, e acho que foi isso que me levou a competir o máximo que eu podia, o que puxou o meu nível para ficar na divisão principal.

Acabou que fui o Rookie of the Year como resultado desse esforço, de tentar passar bateria e ficar no Tour. Era meio que uma competição de sobrevivência entre os rookies: quem ia ficar e quem ia sair, e nessa competição de nicho eu tive um ótimo resultado final.

O que mais te surpreendeu no Tour? É óbvio que você competiu e se preparou a vida inteira para chegar lá, mas o que aconteceu fora do script programado?

Acho que no Tour tem muito mais macete do que eu pensava. Uma coisa que não imaginava é que os caras que estão competindo há mais tempo têm mais a manha, mais malícia.

Por exemplo, em Snapper, você nunca pode ir na primeira onda da série. Em Bells, também não. Então cada lugar tem um macetezinho. Eu mesmo demorei muito tempo para perceber essa simples questão. Demorou para alguém chegar e falar: “Meu, não vai na primeira onda dessa série”.

São coisas pequenas, mas muito relevantes. Os caras que estão no Tour há muito tempo nem fazem freesurf, os caras não ficam na água por cinco horas. No meu caso, chego num lugar e fico tão instigado que quero ficar dez horas dentro d’água. Daí, aprendi que acabo ficando cansado no primeiro dia.

Então, você vê que os caras não estão na água nunca e, quando estão, é meia hora, 40 minutos e desaparecem. Foram coisinhas assim que me deixaram surpreso. Os experientes já têm todo um esqueminha de como fazer, de que horas entrar na água, que horas sair, quantas ondas pegar e, principalmente, saber qual é a onda boa. São macetes assim que, na hora da competição, mudam bastante a sua condição. É uma outra maneira de pensar e competir.

Foto: Trevor Moran

“Eu ando muito mais rápido com as pranchas do Xanadu do que com qualquer outra prancha. Fiquei mais radical, aprimorei para soltar mais aéreos”

Você tem treinador ou equipe de suporte para encarar o Tour?

Eu sempre tento viajar com um cara pra filmar. No ano passado, quando entrou na reta final, levei o Edgar Bischoff como técnico nas etapa de Portugal e França. E, desde então, estamos desenvolvendo um trabalho interessante. Esse ano mantive a parceria e é ele quem está viajando comigo.

Nessa perna australiana também trouxe o meu pai comigo, para ele assistir o Awards da WSL e conhecer a Austrália. Ele está amarradão, brother. Muito irado ter ele por perto. Eu venho para cá há vários anos, e sempre falei para o meu pai da Austrália, então é um prazer poder compartilhar um pouco do que vivo no Tour.

Você namora com a Alessa Quisson, que também está no World Tour. Vocês viajam juntos para as competições?

Ela saiu do Tour principal, ficou por uma vaga. Ela é a “primeira alternate”, e provavelmente vai participar de algumas etapas da elite. Mas viajamos muito juntos.

Eu acho que é uma coisa curiosa para todo surfista brasileiro que chega ao Hawaii, e tem aquela coisa da intimidação. Mas você namora uma havaiana, uma surfista local. Quando você a conheceu rolou uma vibe dos havaianos? Como a família dela te recebeu?

Quando a conheci… quando eu fui para lá pela primeira vez desde que a gente já estava namorando, confesso que foi meio estranho. Porque lá no Hawaii, principalmente no West Side em Makaha, é um pessoal bem local mesmo, gente que não se mistura com gente de fora.

Mas, pelo fato de o pai dela ser raiz mesmo e todo mundo gostar muito dele, foi muito intimidador olhar para o cara. Depois ele começou a me apresentar para todo mundo, e os locais abraçaram a ideia de eu surfar em Makaha. Posso ir lá em qualquer dia surfar, fico ouvindo música com os caras, fazendo bagunça.

Mas isso só acontece agora, demorou uns cinco anos para alcançar essa “liberdade”. Até ir surfar sem ele, no começo, eu não podia, porque os caras iam apavorar, sair na porrada. Então, fui conquistando espaço.

A própria família dela, eles me receberam super bem na primeira vez. Claro que tem aquela coisa de havaiano ficar com o olho aberto no gringo, mas eles me receberam e me colocaram dentro da comunidade do West Side.

É muito maneiro quando vou para o Hawaii, porque quando acaba o campeonato, eu sempre vou para o West Side e tento ficar o máximo de tempo lá. A galera é super maneira, os caras têm muita experiência com mar, com o oceano, uma relação muito especial como salva-vidas e essas coisas, é da hora.

Foto: Ryan Miller

“No Tour tem muito mais macete do que eu pensava. Uma coisa que não imaginava é que os caras que estão competindo há mais tempo têm mais a manha, mais malícia.”

No West Side é outro clima, não é? É um pouco diferente do North Shore?

O West Side não tem nada a ver com North Shore, é outra vibe. Demorou pra caraca, brother, para eu ser aceito. Já quase tomei uns paus em Makaha. Nos primeiros dois, três anos, eu não podia surfar e nem entrar na água sem o pai dela estar na areia, porque se havaiano local me visse surfando direitinho, ia querer entrar na água para apavorar.

Eles não gostam de ver alguém surfando bem no próprio pico. Neguinho quer meter porrada. Hoje em dia já consigo surfar lá sozinho, fico na água o dia todo. E o maneiro de lá é que você vê a galera surfando o dia todo, na praia o dia inteiro. Na hora que a ondinha está cavada, os caras surfam de bodysurf. A onda está boa, os caras pegam o longboard. Fica perfeitinha, surfam de prancha mesmo.

Essa mistura cultural de pranchas é muito legal. Os havaianos não são só pranchinhas, eles surfam com todos os tipos de prancha. É bem a essência do surf mesmo. Não é uma parada de fazer só o surf high performance, vai da pranchinha ao stand up, e isso é muito maneiro daquele lado do Hawaii.

Até por ter essa relação com o Hawaii, você sempre foi conhecido como “go for it”, de pegar onda grande, ser um cara que se dá bem em onda pesada. Mas no ano passado você ganhou tanto do John John como do Kelly mandando manobra, em ondas nem tão pesadas. Como foi isso? Você se preparou nesses pontos ou arriscou tudo e ganhou?

Eu sempre preferi competir em onda maior e foi meio que em condições assim, nos mares que estavam maiores, como em Bells e Margaret, que me dei melhor no ano passado. Até no Rio, as baterias em que passei foram com o mar mais pesado. São nos mares grandes que me sinto mais a vontade para soltar o surf. Só que o QS vai ensinando.

Aliás, eu já estava competindo o QS há quatro anos, estava bem cansado mentalmente, já vinha me preparando para falar: “não, esse aqui tem que ser um dos últimos anos de QS, se não vou ter que arrumar outra coisa para fazer”. Mas bati o pé, falei para mim mesmo: “eu quero evoluir o surf e coisas que não evoluí até agora”, porque sempre gostei de onda boa e elas estão no Tour.

A Oakley, o Pinga [Luis Campos, que foi manager do Caio por anos], fizeram a minha base, sempre me prepararam desde pequeno para surfar onda boa. Quando eu tinha 12 anos eles já me mandavam para o Hawaii, Indonésia, Maldivas, Jeffrey’s Bay. Eu sempre fui para esse lado do surf de linha, de rasgada bem executada, de tubo, que para mim é a essência do surf, é o que me traz felicidade.

Gosto de fazer a onda com flow, e no QS eu tentava traduzir esse flow mas não dava muito certo, porque as ondas não era muito para o meu surf, meu surf não se adapta em ondas curtas e pequenas. Às vezes, eu tentava dar um rasgadão na onda curta e batia na espuma.

Demorou alguns anos para ver que isso não estava rendendo e tentei mudar para uma maneira mais radical. Foi quando consegui encontrar o shaper Xanadu para desenvolver um trabalho, e a partir daí o meu surf começou a evoluir bastante.

Eu andava muito mais rápido com as pranchas do Xanadu do que com qualquer outra prancha que já tinha usado. Fiquei mais radical, aprimorei para soltar mais aéreos. Vou até mais além… Eu acho que, quando comecei a surfar com as pranchas Xanadu, o surf começou a me dar mais felicidade para entrar no mar pequeno e me divertir. Não ficava naquela, reclamando: “ah, o mar está pequeno”.

Fui para o QS em 2015 e consegui me classificar para o Tour com essa vibe boa, porque minhas pranchas estavam boas e mentalmente eu estava feliz, tudo fluiu. Essa que foi a parada, da evolução de tentar progredir esse lado de aéreo mais radical, não só nas manobras clássicas.

O Tour é isso, são os surfistas mais completos do mundo, surfando as melhores ondas do mundo, então quem não tiver o kit completo e não puder executar qualquer tipo de manobra em qualquer tipo de onda, vai ficar para trás e vai perder. Quanto mais preparado estiver, mais habilidade para competir de igual para igual você vai ter.

Foto: Ryan Miller

“Já estava competindo o QS há quatro anos, estava bem cansado mentalmente: ‘Esse aqui tem que ser um dos últimos anos de QS, se não vou ter que arrumar outra coisa para fazer’.”

Então você chegou ao Tour, teve um ano bom, foi Rookie of the Year e agora, obviamente, deve estar olhando para frente, que é conquistar a vitória. O que você acha que precisa para começar a ganhar campeonato?

Claro que tem muito trabalho para ser feito, a evolução nunca para. A minha estreia foi um bom ano de aprendizado, para ver quais pranchas funcionam em quais lugares e outros detalhes. Porque a gente chega a um campeonato uma semana e meia antes e fica quase um mês em um lugar só.

Aí você viaja com 15, 20 pranchas e, às vezes, é muito difícil encontrar a prancha ideal, fica bem perdido procurando uma prancha boa. Agora já acho que tenho os truques de quais pranchas usar em quais lugares e isso é metade do caminho andado.

Agora estou procurando evoluir e acho que esse ano será um ano melhor, em que treinei bastante o meu físico. Tenho muitas expectativas, muita emoção, e é claro que quero ganhar o Circuito Mundial, mas eu quero surfar etapa por etapa e me divertir. Eu acho que essa é a parada que diferencia no Tour: quem está se divertindo e quem está fazendo só por trabalho. Quem estiver se divertindo, conseguirá o melhor resultado.

E se você pudesse escolher a sua primeira vitória, qual etapa você acha a mais irada para você ganhar?

Eu gostaria de ganhar Teahupo’o. Eu fui para o Tahiti pela primeira vez no ano passado e me apaixonei, foi um dos lugares mais bonitos e a onda mais perfeita que já vi na minha vida. Eu acho que ganhar Teahupo’o deve ser muito legal.

Passar duas semanas só pegando tubo e ganhar o evento. Sair de lá amarradão sem nenhum arranhão. Ano passado eu perdi de cara e saí todo arranhado. Qualquer cortezinho no Tahiti queima, coça, o negócio é feio. Então o próximo passo é passar as baterias e sem nenhum arranhão. Esse que é o objetivo para o Tahiti desse ano.

Se você fosse apostar em alguém, quem você acha que levaria o caneco este ano?

Vejo que o Joel Parkinson e Kelly Slater estão muito instigados neste ano, meio que estão indo para finalizar a carreira. Aposto que, se um dos dois ganhar, para de competir. Isso inclui o Mick Fanning também.

Eu acho que o Mick está nessa mesma. Só que é difícil falar de campeão mundial sem falar do Mick. Ele é o surfista mais completo do Tour: as manobras, a velocidade com que anda nas ondas. Ninguém anda naquela velocidade e o Mick é um cara que está indo para o título mundial sempre. Surfa muito.

O Gabriel também está surfando bastante. Julian Wilson. Eu acho que esses três: Gabriel, Mick e Julian Wilson são os caras que vão ter que ser batidos em 2017. Mas aí também vão ter uns cachorros pequenos querendo morder, comendo pelas beiradas, não vamos dar mole para eles não.

Esta entrevista foi originalmente publicada na HARDCORE #328, edição de abril de 2017.

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