São tantas as histórias e estórias que uma simples introdução seria pouco para apresentar Ricardo Bocão, o maior comunicador de surf e um dos surfistas mais influentes do Brasil. Neste ano de 2016, Bocão celebra os 10 anos “no ar” do que ele chama de seu “maior voo”, o Canal Woohoo, lançado por ele com o seu parceiro de longa data, Antônio Ricardo. Motivo de alegria para a comunidade e aficcionados, motivo de orgulho para o big rider.
Por Adriano Vasconcellos
HC #323, novembro/16
Ricardo Baerlein dos Santos Lima, 62, é integrante da primeira geração de surfistas profissionais do Brasil. Um apaixonado pelo surf, competidor, dirigente, empresário, excelente apresentador, crítico, líder nato. Bocão, pioneiro ao enxergar o público jovem como alvo de comunicação, começou com a revista Realce no ano de 1979, que três anos depois se transformaria no mais famoso programa especializado de televisão, marcando época e influenciando toda uma geração que buscou na praia um estilo de vida feliz e saudável.
Depois, emplacou projetos importantes do segmento, dentre eles na MTV e SporTV, e participou do premiado documentário Fabio Fabuloso, narrativa muito bem humorada sobre a trajetória de ascensão de Fabio Gouveia. E Bocão foi e vai muito além disso: vivenciou, praticamente, toda a história do surf mundial desde a década de 1960.
Bocão é pra frente, busca a evolução sempre e tem façanhas que marcam fundamentalmente a sua biografia. Foi o primeiro brasileiro a aparecer na lista do Eddie Aikau Invitational, realizado em Waimea, North Shore de Oahu – o mais importante evento de ondas grandes do mundo. Outra grande realização que mostra o quanto o surfista está à frente de seu tempo, é a ‘patente’ por ser o inventor das pranchas quadriquilhas, ainda no início dos anos 1980, quando na época foi ridicularizado pela criação, e que agora lhe dá certo prazer por ver o avanço da proposta original. Outro troféu que Bocão faz questão em valorizar foi o de ter surfado Jaws, no braço, aos 60 anos idade.
Uma das características principais de Ricardo Bocão é a fala fácil, articulada, cativante. E nessa entrevista que vem a seguir, chamada de “10 Perguntas”, pela primeira vez na história da HARDCORE vamos abrir uma exceção, porque seria impossível bater um papo com esse ídolo com espaço pré-determinado.
Ricardo Bocão, um homem que transfere emoção para a razão. Um pai de família apaixonado pela sua bela “namorada”, Luciana, com quem está casado há 28 anos, um amor que gerou os seus mais bonitos frutos, Bruce e Vitor, família que ele leva em seu coração seja para onde for.
Bocão, parabéns pelos dez anos! O Woohoo é o seu voo mais alto?
Adriano, com certeza o Woohoo é o meu voo mais alto como comunicador, meu e do Antônio Ricardo. Dez anos não é pouca coisa não. Tem que existir 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano. Meu irmão, é programação sem parar. É igual um filho, não tem essa de fechar a porta e abrir amanhã. Era um sonho nosso. Mas eu acho que a coisa mais importante que fizemos, além do canal, foi o programa Realce. Parece curioso, ou engraçado, eu colocar a comparação, mas fazer o programa Realce nos anos 1980, todo sábado, de 1983 até 1991, quase 10 anos na TV aberta, sem ter equipamento nenhum, e ainda ter que eu e o Antônio sairmos para vender publicidade e manter o programa no ar de forma independente, foi quase tão difícil quanto fazer o canal. Parece uma comparação absurda, mas você tem que levar em consideração que naquela época só existiam quatro emissoras de TV aberta, a Rede Globo, Bandeirantes, SBT e Manchete, além das TVs educativas. A disputa pelos horários nessas emissoras não era nem de cachorro grande, era de elefante. Nós éramos dois produtores independentes, quer dizer, não era nem produtor independente, a gente tinha feito uma revista e depois de três anos começamos a sonhar com um programa de televisão igual à revista. Aqueles nove anos do Realce e de outro programa, chamado Vibração, que era diário, foram muito importantes para tudo o que construímos. Teve um lado bom porque aprendemos muito, e um ruim porque o dinheiro excedente que ganhamos com o Realce queimamos para produzir o Vibração. Mas aprendemos a lidar com essas situações. E mesmo sendo um canal pequeno, chegava em tudo que é lugar. Recebíamos seis, oito mil cartas por mês, vindas de todos os lugares que você possa imaginar do estado do Rio de Janeiro. E depois fomos fazendo acordos locais e ganhamos o Brasil. A TV aberta tem uma força monstruosa.
Mas de lá para cá, mudou o jeito de vocês fazerem televisão?
Depois de nove anos com o Realce em nove estados e o Vibração em dois ou três, de segunda a sexta, pegamos uma cancha monstruosa, um know-how de fazer de forma barata, como guerrilheiros. Chegávamos na praia para cobrir campeonato, olhava para o lado e tinha uma emissora americana com oito pessoas na praia, câmeras surreais. E a gente fazia uma cobertura igual ou melhor com duas pessoas, às vezes apenas uma. Chegava à Europa para cobrir o circuito mundial já no final dos anos 1980, com a nossa camerazinha e muita força de vontade. Quando lançamos o projeto Woohoo, conseguimos um investidor para fazer o canal, mas esse dinheiro, por mais que ele fosse uma quantia considerável, durou muito mais tempo do que era previsto porque a gente sabia fazer televisão de uma forma diferenciada. De um ano, durou três anos e meio. Esse tempo nos deu a oportunidade de fazer um acordo com a Turner no primeiro ano e nos fortalecer. A Turner já vendia dez outros canais e começou a levar o Woohoo na malinha deles junto com Cartoon Network, CNN, TNT, Space, ou seja, começamos a ter uma venda publicitária feita por uma programadora grande. Aí entramos nas operadoras como a Claro TV, Oi TV, até chegar à NET e SKY. Se não tivesse acontecido, não teríamos feito a transição do vermelho para o azul. Quando acabou o dinheiro, fomos ao banco pegar crédito, foram nove empréstimos e eu tenho orgulho de falar, pagamos direitinho. Três anos e meio com o dinheiro do investidor, um ano e meio com o dinheiro do banco e o investidor junto com a gente. Aliás, até hoje, feliz da vida, porque agora temos distribuição de lucro.
E a concorrência com o Canal Off, que falamos um pouco antes de começar a gravar a entrevista, em que você comentou uma outra forte transição no Woohoo? E também, você disse que fazer jornalismo é o grande diferencial…
Primeiro, a tranisção aconteceu em 2012 com o lançamento do Canal Off em HD, com uma qualidade de imagem, sinal, e programação animal. Tivemos que correr atrás absurdamente. Já derrubávamos um leão por ano e refletimos: “Pô, agora que a gente entrou no azul!”, aparece o OFF com aquele colorido maravilhoso, com as séries estrangeiras, com dinheiro, produções nacionais independentes de alto nível. E foi aí o que chamo de “a nossa virada”, onde investimos todo o nosso lucro em novos equipamentos e em séries da BBC de Londres da Travel Channel. Também para poder pagar melhor os produtores brasileiros, para estruturar a nossa parte interna de jornalismo e de produção que é muito forte.
E totalmente: jornalismo é o grande diferencial! Desde o começo eu já sabia que o Off seria um canal tipo aquário. Um dos grandes atributos do Off é estar em tudo o que é restaurante do Brasil. O pessoal de publicidade deve deitar e rolar porque não tem como um cara de uma agência de publicidade não conhecer o Off, não o ter como referência de esportes de ação. Hoje em dia, até que eu ainda consigo ver um lugar ou outro que tem o Woohoo como tela, aí penso que o cara é meio psico pelo surf e reconhece a verdade do nosso trabalho. A gente é jornalístico desde o nascimento, desde o Realce, e nunca vamos abandonar isso. Todos os nossos programas no SporTV, naqueles 12 anos, também tinham pegada jornalística. A pauta acontece em cada piscar de olho, não dá mais para ser protocolar. E também temos outro importante diferencial que aconteceu por conta da qualificação da nova lei, que nossa programação ficou restrita em 50% de conteúdos de esportes e jornalísticos, e daí crescemos em comportamento jovem. Temos gastronomia, moda, música, cinema, turismo. Hoje agradamos a todo mundo. O surfista e a namorada do surfista, e outros seguidores do canal Woohoo. Temos gente boa. E a nossa equipe é muito conscientizada, tem muita qualidade, entende quais são os nossos desafios. Aqui não tem um cara que fica zanzando pelo barco de bobeira, tem que levantar a vela, baixar a vela, pegar o remo, vai lá e limpa o convés.
Mas isso aí tem muito a ver com paixão e amor ao surf, você não acha?
Eu acho que esse espírito não veio com um livro de regras. É a mesma comparação de quando vamos para a água surfar, nunca se sabe o que vai encontrar direito, principalmente quando o mar está acima de 6 pés. Essa característica do surfista nos ajuda fora d’água. Eu sempre falei isso para neguinho que está em dúvida se o filho deveria surfar ou não. Eu falo: “Olha, tem duas coisas que no mínimo vão acontecer: uma é que ele vai gostar de coisas saudáveis, porque o cara que pega onda não consegue misturar o lifestyle. E a segunda é que, se ele se der minimamente bem dentro d’água, vai ter mais confiança na vida, porque ele vai lidar com um ambiente que não é o dele, que é o mar. Isso reflete na sua redação da HARDCORE, na minha redação, dentro da empresa. Nem todo mundo é surfista, mas aquela galera que pega onda e que tem essa paixão que você falou, acaba contaminando os outros.
E a velocidade da informação, como é para a televisão competir com a internet?
Nós avançamos na história de competir com a internet, com a velocidade de conteúdo no ar. Concluímos neste ano os melhoramentos do canal, desde a qualidade dos equipamentos para fechar os conteúdos, quanto de imagem HD e a força de transmissão. Temos agora sala com switcher e três estúdios ligados. Por exemplo, o Cravando a Borda é ao vivo por conta disso. Temos pílulas de informação à tarde que são feitas ao vivo. Se você ligar o Woohoo e ficar vendo das 11 horas até a chegada do telejornal às 18, temos notícias quentes o tempo todo. Eu expliquei para a equipe que vamos perder para a internet quase sempre, mas que competir com a internet nos faz muito mais rápidos do que quase todos os outros canais, e não estou falando só de Off. Dane-se, estou falando de todos os canais. Isso deu um calor na programação.
E a parceria de longa data com o Antônio Ricardo? Essa é uma das parcerias mais longínquas da história do surf brasileiro.
O que eu posso dizer? Independentemente de a gente discutir, de pensar bem diferente, estamos juntos desde 1979. Já tivemos momentos muito difíceis. Mas aprendi muito com um dos meus gurus, Alberto Pecegueiro, praticamente um padrinho do canal, que certa vez nos disse: “Vocês não se preocupem em discutir. Eu não conheço nenhuma empresa em que os sócios concordem em tudo e que ela vá para frente. Empresas em que os sócios concordam com tudo não têm futuro. Isso não quer dizer que vocês têm que brigar, perder o respeito. Mas encarar como normal o fato de serem donos, sócios há muito tempo e, em muitas coisas, um pensar bem diferente do outro. Talvez nessa diferença cada um tente defender o seu ponto de vista, é o que leva a parceria ao sucesso”. Isso me serviu muito e nos deu um norte. Aliás, falando em gurus, considero muito outras lendas como Guilherme Zattar (Canal Off/Globosat), Paulo Lima (Editora Trip), e o Elton Simões, que foi uma fera da TV no Brasil e hoje mora no Canadá. Ele esteve à frente do SporTV, dos canais Pay Per View, e me ensinou muita coisa. Mas enfim… a maioria dos nossos projetos foram longevos. Se você olhar por esse lado, essa nossa sociedade e as pessoas que estão com a gente há mais de 20 anos formam um grupo inteligente o suficiente para deixar as diferenças e as discordâncias em segundo plano, porque o principal é ir em frente e evoluir.
O que te dá mais prazer como comunicador?
Umas das coisas que me dá prazer é apresentar programas. Eu gosto de falar, de ouvir. Eu adoro fazer entrevistas, com pessoas inteligentes, legais, de um assunto que me interessa. Outra coisa é desenvolver processos dentro do canal que fazem a diferença no ar em médio prazo. A redação é uma das áreas no Woohoo que eu comando. Sou um pouco professoral, reuniões com um quadro branco, cada coisa distribuída com a sua importância. De repente, estou em casa e começo a ver aquilo que foi gestado dando resultado. A minha sensibilidade, meu irmão, de televisão há 30 anos, eu olho e falo: “Neguinho vai gostar disso”. Por exemplo, eu ter criado as vinhetas de parabéns do Woohoo me deram um enorme prazer, com participação do Matheus Solano, da Glória Pires, de caras muito bacanas. A Luana Piovani, ela cantando parabéns. Meu irmão, você está de brincadeira.
Você, que passou toda a transição e evolução do surf, chega a fazer uma reflexão sobre?
Essa transformação para mim é engraçada, porque passou tempo pra caramba. Eu estou envolvido nesse negócio de maneira muito forte desde quando comecei a surfar em 1969. Os brasileiros são danados de gana e vontade, de ambição boa. Se você for parar para pensar, em 1983, 84 e 85, o Brasil produziu um programa de televisão de surf semanal, a revista Fluir foi lançada, depois a HARDCORE, tinham outras duas ou três revistas, fundamos a Organização dos Surfistas Profissional, depois a Abrasp. A gente fez muito mais como base, mídia, campeonatos e organização do que qualquer país. Ganhamos todos os prêmios internacionais de cobertura de mídia, fizemos um negócio que não parou mais. Tínhamos fama, éramos atirados no Havaí. Éramos os Brazilian Nuts. E de lá em diante, começamos a ver os primeiros resultados no WQS e consequentemente no WCT. E em 2016 temos dez brasileiros no Tour. Cara, se você olhar nos últimos dois anos… O Brasil em 2014 era uma das três maiores potências. E de lá pra cá você tem que dizer que o Brasil é a maior potência. Hoje, o Brasil é a maior potência de surf do mundo. É bi mundial, Pipeline Masters, WQS, Pro Junior, big surf. Ganhamos tudo. Isso é o que? Fabinho e Teco representaram, e agora Medina e Adriano romperam as últimas barreiras. Porra, eu sou da época em que eu ia para o Havaí e escrevia carta para a minha mãe: “Oi, mãe, tudo bem?”. Carta! Hoje você poder ver um campeonato ao vivo, é um show. Inclusive acredito que a audiência do Brasil é a líder, porque tem uma porrada de não surfistas que acompanham a WSL que nem aficionados. O surf ficou pop e está faltando ídolo no mercado, e o surf agora está dando as pencas.
Você fez criticas contundentes a WSL pelo julgamento sobre as notas do Gabriel Medina em Trestles. E teve uma corrente que o acusou de ser ufanista. Você é um ufanista?
Não tem como eu não ser um pouco ufanista. Comecei a competir antes da IPS existir. Fiz a minha primeira final em 1972, com 16 anos. Nunca fui tão bom de competição, quero deixar isso claro. No Havaí eu sempre competi e tal, mas cansava de ouvir de gringo: “Ih, olha lá, peguei um brasileiro na minha bateria! Oba!”. A gente não era nada e eu fiquei mordido sim. Tenho na minha história alguns movimentos de valorização dos surfistas profissionais brasileiros. Aquela história da greve de 1988 por melhor premiação no Op Pro, eu que comecei. Não conseguia engolir o Taiu Bueno e Carlos Burle ganhando 500 dólares por mês numa época em que os donos de marcas de surf estavam ficando milionários. Aí para os que falam de mim sem saber, posso dizer: “Você sabe, meu irmão, qual é o meu histórico? Você sabe pelo que eu passei? Então, talvez, se souber vai entender um pouquinho o porquê da minha indignação”. Eu tenho que ser um porta-voz. E mesmo sabendo que eu tenho um pouco a perder, tenho essa credibilidade, esse tempo de vida. Muita gente não sabe, mas eu fui o primeiro representante da América do Sul no board da IPS. Quando o Randy Rarick fundou a IPS (International Professional Surfers) no final de 76 com o Fred Hemmings, eles fizeram um board, e eu era o representante da América do Sul, onde fiquei por 10 anos. Eu vi brasileiro ser mal julgado durante 20, 30 anos. Então, não ferra, meu irmão. Agora que está tudo às claras, agora que o julgamento está teoricamente bom, que tem computador, que tem replay, vai dar nota ruim na cara dura? Não pode!
Você citou a sua experiência com competição, e tem algumas façanhas respeitadíssimas. Uma delas, a de ser o primeiro brasileiro convidado a participar do Eddie Aikau Invitational?
Essa foi a coisa que considero mais importante da minha biografia dentro do universo salgado do surf, o convite do Eddie Aikau. Aconteceu nos anos de 1991/92, 93 e 94, quando os brasileiros ainda não tinham uma receptividade boa no Havaí. Tinha aquela briga em 1986 com o Picuruta e o Almir Salazar e aquilo durou um bom tempo. Tinha uma animosidade grande contra os brasileiros. Cheguei a ser o 6o alternate, acima de nomes como Tom Curren, Gary Elkerton, Tony Reyes. Para entrar nessa lista, ou você era da Quiksilver ou “amiguinho”, vamos falar às claras, do George Downing, que até hoje é o diretor de prova. Ou parente do Fast Eddie ou amigo do Tony Moniz. Naquela confusão de 1986, eu e o Zecão éramos os únicos que estavam autorizados a andar pelo North Shore. Eu não era da “turma”, mas tinha bom relacionamento. Eu surfava Waimea bem pra caramba, isso ninguém me tira. Não vou ficar com falsa modéstia. Eu era de verdade um dos vinte ou trinta melhores naquela baía, dropando nos maiores dias, atrás do pico. Tanto que tenho na minha memória elogios contundentes do Mark Foo, do Marvin Foster, do Ken Bradshaw, que guardo com carinho. Estou falando de Waimea, 20, 25, 28 pés. E a segunda atitude que guardo com vaidade foi a de ter surfado Jaws há dois anos, já com 60 anos de idade, sem equipamentos adequados, sem colete inflável, coisa que não aconselho para ninguém. Eu estava lá, tive a oportunidade, e botei pra baixo, sem medo. Até emociono de falar.
Bocão, chegamos às “10 Perguntas”, mas pela primeira vez nesta revista, vou abrir uma exceção pra gente continuar conversando e dessa forma brindar ao leitor com mais um pouco desse papo.
Você tem outro título que é o lançamento das quadriquilhas. Conta essa história? detalhe que, se em primeiro momento você foi tirado de “Lóki”, hoje é um opção indispensável em uma prancha de surf com as quilhas de encaixe.
Vocês fizeram uma entrevista muito bacana, na HARDCORE, tem uns anos [edição HC 284, maio de 2014], que resumiu muito bem toda a história. Pô, o Kelly Slater ganhou campeonato de quadriquilha, o Joel Parkinson e o Mick Fanning fizeram finais no Tahiti. Eu fico mais amarradão ainda ao ver as quatro quilhas sendo o modelo mais usado e mais eficiente nas pranchas de ondas gigantes. Se você for em Jaws, 70% das pranchas são quatro quilhas. Às vezes até fixas. Para ondas buracos e rápidas também é quase uma unanimidade. De tow-in também. No kite, também. Aquele espaço entre as quilhas faz com que a prancha fique muito mais rápida. Agora o legal sobre essa história é que, em 1981, quando eu criei fui muito zoado, sacaneado mesmo, considerado louco, que eu queria aparecer. O Simon Anderson tinha acabado de criar as triquilhas e tinha aparecido naquele Bells de 1981, vencendo o campeonato. E olha que aquele Bells terminou com 15 pés clássicos. Em seguida ele venceu outra etapa da perna australiana em Narrabeen. E isso numa época que todo mundo surfava de biquilha. Teve aquele predomínio do Mark Richards na virada dos anos 70 e 80 com as biquilhas. E aí aparece o Simon com três quilhas, que realmente é a mais versátil até hoje. Foi uma febre! E três meses depois eu crio as quatro quilhas, uma coisa exótica. Vou ser super sincero, foi uma visão que eu tive. A ideia surgiu quando eu botei uma biquilha no chão, um pouquinho longe de mim, e uma triquilha – a primeira triquilha que veio para o Brasil – do Valdir Vargas. Eu observei as diferenças entre a biquilha e a triquilha, porque o Rosaldo Cavalcanti – para quem eu shapeava – pediu uma triquilha igual à do Valdir. Em uma calçada na Barra da Tijuca, coloquei as pranchas com o bico de frente para mim, com as quilhas viradas… Era um período de muito experimentalismo. Aí o Rosaldo, que já conhecia as minhas maluquices de sala de shape, virou para mim e falou assim: “Na minha prancha não, nem vem. Nem sei que ideia você teve, mas você não vai fazer nada na minha prancha. Eu quero a triquilha igualzinha à do Valdir”. E de repente, eu tomei um susto, foi um choque para mim, que nos três meses seguintes que aprontei essa prancha, era uma sacanagem atrás da outra. No Havaí chegaram a falar: “Hey, porque tu não bota umas quatro quilhas no bico também?” (risos).
Aí aparece na revista Surfing, uma foto do Aaron Chang comigo segurando a prancha, e uma reportagem bem humorada sacaneando – “Depois que Simon Anderson teve sucesso com as três quilhas, todo João resolveu fazer (…)” (risos). Pois é, olha no que deu. Vou até fazer um livro, já estou conversando com o Marcelus Viana do Grupo Sal e está tudo certo.
Bocão, você é um romântico?
Com certeza. Um cara que, com 40 anos de idade, casado com a minha mulher desde os 33, só passou a pensar em dinheiro como prioridade quando meu primeiro filho, Bruce, nasceu. Ela teve que aguentar sete anos, dos 33 aos 40, a continuidade desse romantismo. A história não se apaga – você pode analisar o passado com muito mais isenção. A minha primeira crise existencial foi aos 25 anos: “Será que estou fazendo certo?” Meu pai queria que eu fosse médico. Pelo contrário, eu fui para o Havaí e morei um ano e meio. Emendei um ano em Saquarema fazendo prancha com o Betão. Aí tem uma dose enorme de romantismo. E eu não tinha planos para o ano seguinte, ia fazendo. Eu e o Antônio Ricardo fazíamos as coisas sem um tostão. Estreamos o Realce sem ter câmera e nem ilha de edição, a gente pagava horário em produtoras que alugavam o equipamento por hora. Na TV, a primeira cobertura do Circuito Mundial foi eu e o Antônio que fizemos. Vimos coisas que só nós estávamos enxergando. Criamos um negócio que misturou skate com surf e música. É um idealismo que sempre veio na frente do dinheiro. Talvez você tenha que ser um pouco romântico para ter um idealismo que passe por cima do pragmatismo do dinheiro. E hoje vejo que tudo isso deu resultado, estou muito feliz ao olhar pra trás e contar essa minha história. E sou muito grato à minha esposa Luciana, que me deu uma filha linda e esteve comigo em todos os momentos. Sem eles, meus filhos Bruce e Vitor, eu não teria conseguido.
Esta entrevista foi originalmente publicada na HARDCORE #323, de novembro de 2016.