*Esta reportagem foi originalmente publicada na HC 295, de maio de 2014.
Fabinho: Todo mundo fica meio apreensivo em vir ao Hawaii pela primeira vez. Eu assistia muito aquele filme do Billabong Pro de 1986 que começou em Sunset, ficou gigante, e veio parar em Waimea. Tem uma cena do Almir Salazar quase se afogando na beira da praia com o mar enorme, fechando a baía. Aquele filme me dava paranoia. Então, quando comecei a vir pro Hawaii, chegava em Waimea e passava direto, não queria surfar aqui de jeito nenhum. Às vezes estava com 12 a 18 pés e eu caía em Haleiwa, que é muito pior. Demorei uns dez anos para surfar essa onda, impressionante, mas depois foi amor à primeira vista. Acho que o Hawaii pra um surfista é tudo, até pra aqueles que não competem. Tem onda de 0 a 30 pés, ou mais, e cada um coloca o seu limite. Claro, aos poucos você vai se acostumando, desenvolvendo a linha. É muito difícil chegar da noite pro dia e já arrebentar no Hawaii. São pouquíssimos os caras que fazem isso. E aí vem aquele lance, quanto mais cedo vier pra cá, melhor. Para mim o Hawaii é o espírito do surf, eu adoro isso aqui. O único ano que deixei de vir foi em 2006, que tinha feito cirurgia de coluna, mas, pra você ter uma ideia, eu ficava sentindo o cheiro do Hawaii da minha casa. Naquele ano eu li o livro do Eddie Aikau e ficava sentindo aquele mesmo cheiro de quando você desce no aeroporto [Fabinho respira fundo].
Ricardinho: Pra mim o Hawaii representa boa parte do meu ano. Como estou acostumado a ficar dois, três meses, desde quando comecei a vir com 15 anos, isso se tornou tão importante não só na minha evolução como surfista, mas até na minha parte psicológica, deixando o verão no Brasil com pouca onda e várias festas, principalmente no período da adolescência. Foi muito importante para a minha evolução, acho que imensurável se comparado aos que ficaram no Brasil. Eu não consigo imaginar nenhum ano da minha carreira de surfista profissional sem o Hawaii. Com problema ou sem problema, com onda ou sem onda, eu gosto muito daqui.
Fabinho: Depois que pega o gostinho meu irmão (risos)…
Ricardinho: Ir pro Hawaii ou pra Indonésia só tem uma coisa ruim: é que você nunca mais consegue deixar de ir.
Mineirinho: Acho que o Hawaii define se um surfista tem um padrão elevado, médio ou baixo. Como competidor, acho que se você finalizar o ano com o pé direito no Hawaii já deu um grande passo na carreira. Venho desde os meus 12 anos e sempre senti que aqui é onde tinha que surfar ao extremo e em qualquer tipo de condição, porque o Hawaii define o título mundial com altas ondas, ondas gigantes e tubos. Então eu já vim no início da temporada, no meio. Tudo pra encaixar o surf e me sentir o mais à vontade possível, porque da mesma forma que aqui define, acho que todo mundo vem com esse mesmo pensamento, então acaba ficando 100 mil cabeças dentro da água (risos).
Fabinho: O segredo para se dar bem é a quilometragem. Lembro uma vez do Ricardo Bocão falando sobre o Cheyne Horan, que arrebentava no Hawaii. Um dia eu falei: “pô Bocão, o Cheyne Horan surfa muito”. Ele respondeu: “meu irmão, surfa, mas o cara não aprendeu da noite pro dia não”. E isso nunca mais saiu da minha cabeça.
Ricardinho: Já os caras que nasceram ou conseguem morar aqui têm de quatro a cinco meses de onda. Ondas de verdade, todo dia. Se o cara quiser ir pra Rocky Point tem onda animal, se for pra Waimea vai dropar onda gigante. São 7 milhas com uma variedade absurda.
Fabinho: Até os beachbreaks dos caras são bons pra caramba (risos). Ehukai, quando quebra… Às vezes está quebrando legal em Pipe, Backdoor, Off-The-Wall, mas os caras que competem vão treinar ali no beachbreak.
Bruninho: Mas dá altas ondas naquele beachbreak. É muito bom.
Ricardinho: Dá. As diferentes ondulações acabam fazendo um pointbreak de direita, quando vira pra oeste forma um triângulo de esquerda monstruoso… [chega Wiggolly Dantas].
Fabinho: Olha o tamanho da motoca dele, velho, tá cá bichinhaaaa!
HC: Guigui chegou aí bem no estilo havaiano! Guigui, estávamos conversando sobre a importância do Hawaii, e o Bruninho ia falar…
Bruninho: Cara, o Hawaii foi minha primeira surf trip internacional. Vim em 1998 e lembro até hoje. A curiosidade era grande, tudo o que sabia do Hawaii havia sido pelas revistas. Naquela época não tinha tanto essa quantidade de vídeos, não tínhamos muito acesso à internet, então eu sonhava com Pipeline e Waimea. Eram as duas palavras que mais me fascinavam. Eu tinha 14 anos, mas, apesar de moleque, já gostava de pegar umas ondas mais pesadas. Lembro da primeira queda em Waimea, em Pipe… a emoção de pegar um tubo. E até hoje, mesmo com tow-in, com a galera começando a remar em Jaws, são duas das ondas mais difíceis pelo crowd e pela força. É difícil conseguir uma onda boa, mas quando você consegue – mesmo se não for numa bateria – é como se fosse um troféu. As primeiras temporadas foram as mais iradas, na época tudo era novidade. Hoje em dia venho pra ficar cerca de um mês e foco em dias específicos, seleciono mais as ondas. Às vezes é difícil voltar pra casa com uma onda boa, com esse troféu.
Ricardinho: Acho que devido à forte concorrência…
Bruninho: É, está cada vez maior.
Fabinho: E esse ano você já levou o troféu, né (risos)? [falando sobre a capa da Hardcore, edição 291].
Wiggolly: É difícil, Hawaii é sempre essa tensão toda. Tem que chegar sempre com respeito, respeitar a todos e conhecer – ou pelo menos tentar – falar com os havaianos, o que é difícil, pois eles são meio fechados. Eles são bem assim: “agora é nossa vez, chegamos aqui e acabou. Nossas regras”. Só que conforme você vai chegando eles veem que você está com humildade, que é tranquilo, e assim vai ganhando respeito no dia a dia. Mas é muito difícil, ainda mais dentro da água (risos).
Fabinho: Uma coisa maneira é que a turma está vindo cada vez mais cedo e acaba se entrosando mais com os moleques da nova geração daqui. Os caras começam a crescer juntos. Às vezes os caras das marcas pensam: “não vale a pena ficar mandando o moleque com 7, 8 anos de idade”. Mas esses moleques quando vêm pegam onda no inside de Haleiwa, em V-Land, Puena Point…
Mineirinho: Também vão assistir a grande arena, que é Pipeline…
Fabinho: Eu cansei de filmar meus meninos no inside de Haleiwa, quando estavam na água com Jamie O’Brien, T.J. Barron, John John Florence e vários outros da mesma geração deles ali na beirinha.
Mineirinho: Essa nova geração, mais presente no Hawaii, facilita a conquista do respeito. Vai se ganhando espaço gradativamente com o passar dos anos. Acho que nunca vi alguém chegar aqui e logo no primeiro ano já pegar a bomba da série. Os locais também percebem quem está sempre botando pra baixo nos dias grandes, quem está sempre nas condições extremas. Então pra você conseguir espaço tem que ser dessa forma também.
Ricardinho: No North Shore as pessoas sabem exatamente quem você é… [chega Danilo Couto, atrasado, sorrindo…].
Wiggolly: O Danilo mora aqui. É o cara certo pra falar disso.
Danilo: Ahnn (pensando)…
Fabinho: Pô, Danilo, não fala em inglês não (risos).
Danilo: Cara, pra começar, acho que viemos de uma cultura completamente diferente. Do havaiano nem tanto, pois temos algumas coisas muito parecidas, mas do australiano, do americano, eles têm uma postura mais calma, quieta.
Bruninho: São mais introspectivos…
Danilo: Isso quando eles não estão bêbados (risos). Quando estão normais eles respeitam bem mais o espaço dos outros. Nossa cultura latina é um pouco mais invasiva, fala mais alto. A galera anda em grupo pra caramba…
Fabinho: É que é bom demais, velho, Hawaii é festa (risos)!
Danilo: Mas aqui é um lugar pequeno. Brasileiro gosta de andar em grupo, é alegre, feliz, o que incomoda às vezes. Isso aí é um lance cultural, mas no Hawaii se torna uma coisa mais específica…
Fabinho: Mas os caras aqui também gostam de andar de galera, ‘visse’?
Danilo: Gostam é de pegar neguinho em galera, né? (risos). Pra mim é até difícil explicar porque acabei fixando residência aqui, então você começa a entender mais como o negócio funciona. Então você passa a respeitar mais e eventualmente começa a ser respeitado. E logicamente aqui no Hawaii, onde tradicionalmente todo mundo gosta de onda grande, botar pra baixo ajuda a mostrar que você não tem tanto medo no mar, não deixa onda passar. Tudo isso colabora, eles também gostam de ver a onda sendo bem surfada.
Ricardinho: Acho que isso é a parte legal. Quando Pipe está muito grande e a galera pega onda boa, independente de quem seja, eles vão aplaudir. Eles não têm medo de comentar uma onda animal.
Danilo: O maior desrespeito aqui é você puxar o bico. Se você puxar o bico, desrespeitou de uma maneira absurda. É pior do que falar alto na água, eu acho.
Fabinho: É melhor pipocar lá de cima do que puxar o bico!
Ricardinho: Uma vez fui em uma fechadeira sinistra porque o Tamayo Perry gritou: “Vai!”. Olhei pra um lado, olhei pro outro, não tinha ninguém e pensei: “Sou eu mesmo, me fodi!”.
Fabinho: Mas às vezes os caras gritam só de sacanagem. Porque se você se quebrar é um a menos na água (risos).
Ricardinho: Pode ser sacanagem, mas tem que ir, né (risos)?
Danilo: O Bruninho é um exemplo de uma pessoa que conquistou o seu espaço aqui. Falo dele porque o Bruninho é muito na dele, um cara que não se envolve muito, não fica circulando.
Bruninho: Mesmo assim eu já ouvi gracinha, é mole (risos)?
Fabinho: Mas todo mundo ouve. Mesmo quem já conquistou respeito no Hawaii. No primeiro ano que vim fiquei na casa de uma galera que só descia as ondas grandes em Pipeline, Waimea e Sunset. Murilo Brandi, Taiu Bueno, Jorge Pacelli, entre outros… Esses caras eram casca-grossa velho, era a galera dos Brazilian Nuts e quebraram muitas barreiras.
Danilo: E isso realmente despertou a atenção dos caras aqui, todo mundo sabe o histórico disso. A primeira geração de brasileiros que chegou ao Hawaii era pra pegar as ondas gigantes, os caras eram psicopatas mesmo. A lista de nomes é grande. Então os caras falavam: “que galera é essa, brother?”. Não sei te dizer de onde vem esse apetite por ondas grandes, mas que tem alguma coisa no sangue brasileiro isso tem.
Mineirinho: Acho que todo mundo tem essa pressão de ganhar o WCT, não só o Medina. Todo mundo que está na elite hoje tem a missão de ganhar. Só que o Gabriel veio com um conceito que nenhum brasileiro até hoje tinha alcançado, vencendo dois eventos logo nos primeiros seis meses de Tour. E principalmente pela idade dele, 17 anos na época, foi o que assustou o mundo.
Fabinho: Mas independente de qualquer coisa ainda tem aquele período de adaptação…
Mineirinho: Sim. Eu fiquei quatro anos pra vencer um evento. Primeiro tive que abaixar a cabeça e ganhar respeito. O Gabriel não, chegou já enfiando o pé na porta, e acho que isso mudou todo esse conceito em nós brasileiros.
Ricardinho: Eu acho que é bem evidente pra todo mundo que o Gabriel não está de sacanagem (risos).
Fabinho: Mas eu digo, mesmo assim ele está passando por aquele período de adaptação, de se solidificar mesmo, do lance da constância e tudo mais.
Ricardinho: Tem John John, tem outros, mas é muito difícil encontrar caras tão completos como o Gabriel hoje, que chega no tubo e surfa pra caralho, que chega numa marola horrível e surfa melhor ainda. Aí você fica pensando, quem é que vai parar o cara?
Bruninho: Lembro muito bem da chegada dele no circuito, de cinco etapas ele ganhou duas. O Mick Fanning ganhou o Tour esse ano [2013] vencendo só uma etapa. Então todo mundo achava que o Medina já ia disputar o título no ano seguinte.
Mineirinho: Acho que ele [Medina] modificou tudo. Eu vim de um espelho que era você [Fábio], Victor Ribas, Peterson Rosa, Neco Padaratz, que eu olhava e falava: “eles ganharam conceito, ganharam respeito com muitos anos no Tour”. Quando eu entrei estava com essa mentalidade, então fui ganhando meu espaço ali ao longo dos anos. Quando o Gabriel chegou ele modificou todo esse pensamento e mostrou que quem está ali dentro pode ser campeão.
Ricardinho: Mas se parar para analisar, você [Mineiro] é reflexo de uma geração do Fabinho bem-sucedida e o Medina com certeza vai ser uma evolução nítida da sua geração. Uma coisa está puxando a outra.
Danilo: Mas voltando à pergunta, vocês acham que a esperança hoje está toda no Medina?
Fabinho: Cara, atualmente a minha esperança está nesse cara aqui [Mineiro], porque acredito que o Medina, por melhor que ele seja, ainda está no trâmite de carregar a bagagem dele.
Danilo: E o que você acha que está faltando no Medina? De uma hora pra outra virei o entrevistador (risos).
Fabinho: Cara, a bagagem de quilometragem na competição.
Ricardinho: Acho que um pouco de maturidade também.
Danilo: Maturidade na competição?
Fabinho: Maturidade em tudo. O moleque é muito novo.
Wiggolly: Pode demorar, mas o Gabriel vai ser campeão mundial. Pode demorar dois, três anos, mas ele vai ser campeão.
Danilo: E se chegar no final do ano, pra disputar o título aqui no Hawaii, ele vai disputar de igual pra igual com os caras mais experientes?
Wiggolly: Você diz se ele chegar com o John John ou Kelly Slater na final?
Fabinho: Acredito que não por causa da pressão, mas depende muito do momento.
Danilo: Essa onda aqui você conhece muito bem [falando com Wiggolly]. Se ele fizer o que você fez a vida inteira em Pipe ele vai ser campeão mundial.
Mineirinho: Nessa parte eu discordo, porque o mundo da competição não é só o Hawaii. Tem que treinar em todas as condições.
Danilo: Mas a temporada acaba aqui! Quase toda disputa acaba aqui no Hawaii. Seja na Tríplice Coroa ou na decisão do WCT em Pipeline.
Mineirinho: Tudo bem, mas a etapa que acaba aqui vale o mesmo da que começa lá na Austrália. Tem a mesma pontuação da segunda, da terceira, da quarta ou da quinta. Se o cara trabalhar bem o ano inteiro, ele vai chegar no Hawaii e terminar bem o campeonato. Não é o fato de o cara estar aqui há quatro meses, surfando a uma hora da tarde, que vai mudar alguma coisa no ranking do WCT.
Danilo: Como assim surfando a uma hora da tarde? A terceira queda é a uma hora da tarde (risos).
Wiggolly: Se você ficar quatro meses aqui no Hawaii, não vai acordar ao meio-dia, uma hora da tarde, e vai surfar. Vai querer pegar onda boa, e onda boa é de manhã cedo, sem crowd.
Fabinho: Mas mesmo assim para um havaiano ser campeão mundial demorou viu ‘fio’? Só foi Derek Ho em 1993 depois de muita história.
Danilo: Mas o havaiano não é campeão mundial porque não quer sair daqui. Aqui é o paraíso, ele quer ficar por aqui. Os caras são bons pra caramba. Já a gente é o contrário, se ficar em casa vai ficar pegando aquela marola ruim esperando pelo dia bom.
Fabinho: Os caras também querem se provar, não é assim não Danilo.
Mineirinho: O Kelly teve investimento para viajar desde muito cedo e continua em movimento até hoje, sempre motivado.
Wiggolly: Motivado e sempre adaptando o surf dele com a nova geração. Em uma semana ele está com John John, aí depois viaja com outro moleque. Ele está sempre aprendendo com os surfistas mais novos.
Bruninho: Ele tem um talento a mais também fora do normal…
Fabinho: Talento que ele explorou ao máximo, acima de tudo.
Danilo: Pra mim o Kelly foi o campeão moral do circuito em 2013. Vai dizer que o cara [Mick Fanning] tirou aquela nota [na bateria do tricampeonato mundial]? Se os juízes não soubessem o quanto ele precisava, será que ele tiraria aquela nota?
Ricardinho: É a velha teoria da conspiração (risos).
Danilo: É, e tem umas três aí. Você escolhe (risos). A primeira é que se o Slater fosse campeão, ele aposentava. O Slater não vai ser 13 vezes campeão mundial, 13 é o número do azar (risos). Vocês estão rindo? Meu irmão, não tem nem 13º andar nos EUA. Vai do 12 pro 14. Então o cara não vai querer ser 13 vezes campeão do mundo.
Fabinho: E o Zagallo, me explica (risos)? Eita porra!
Mineirinho: Que 13? Não tem essa. Eu nasci no dia 13 e em uma sexta-feira (risos). Acho que é a dedicação, ele só está aí porque é dedicado e a vida dele é a competição.
Wiggolly: Dedicação, talento e vontade. Ele não aceita perder. Ele odeia ver os moleques da nova geração quebrando e não conseguir fazer a manobra. Só em campeonato que ele manda aéreo rodando, em freesurf ele não manda nenhum.
Mineirinho: Cara, nenhum!
Wiggolly: Ele tem medo de se machucar.
Ricardinho: Ok, mas não tem como você me dizer que ele dá aquele aéreo rodando inteiro sem treinar nenhuma vez.
Wiggolly: Ele não treina, ele tem medo de quebrar o pé. A confiança é tão absurda que ele vai num pico onde a onda é perfeita e faz dez vezes, depois não treina mais. Chega na hora do campeonato, ele acerta e pronto. A confiança é tão absurda que ele consegue fazer isso.
Mineirinho: E eu te falo mais [Ricardinho], a competição te leva num nível que às vezes você não sabe como conseguiu atingir. Naqueles 30 minutos de bateria você chega e fala: “caralho, nunca surfei assim a vida inteira e hoje eu consegui”.
Bruninho: O Kelly só não aprendeu a ganhar do Mineiro, né (risos)?
Danilo: Ele viu no Mineiro uma coisa que ele tem: determinação em um nível que só o Mineiro possui. Olha a evolução do Adriano nos últimos dois anos.
Wiggolly: Acho que se o Kelly parar de competir vai ficar nessa mesma vida, viajando pra Teahupoo, depois Fiji…
Danilo: Ele vai voltar depois, não vai aguentar. Ele gosta de competir.
Ricardinho: Tem um motivo pro Kelly ser assim, acho que está competindo até hoje porque quer continuar surfando em alto nível. Porque depois que você para começa a perder o ritmo.
Mineirinho: Vou dar um exemplo: no Tahiti, quando vai rolar o campeonato, quantas vezes a gente vê o Kelly treinando no pico? Poucas. O swell de norte vem, dá 10 a 12 pés do outro lado da ilha, e a gente lá, treinando em Teahupoo com 3 pés. E só à noite vemos umas fotos do Kelly quebrando com altas ondas em algum lugar da ilha.
Ricardinho: Mas está aí a questão, por que você não faz isso?
Mineirinho: Porque ele tem essa informação. Eu ainda não.
Danilo: Mas e você não tem essa informação? Me mande um e-mail que eu lhe informo do swell (risos).
Mineirinho: A estrutura de informação que o Kelly tem é muito grande. A informação privilegiada como ele tem infelizmente eu não tenho.
Fabinho: Swell de onda grande é com o rapaz aqui [Danilo]. Só que tem um problema, ia até perguntar isso. E esse lance de onda grande no circuito mundial, com a ASP agora? Estão querendo botar ondas maiores ainda pra dentro? Teve um ano que a gente ia correr em Todos Santos, aí acabou não rolando. Eu saí do WCT e não cogitaram mais colocar o pico no calendário. Acho que foi só pra me assustar (risos).
Danilo: A ASP comprou o circuito de ondas grandes. O Big Wave World Tour sempre teve dificuldade de patrocínio, estrutura, mas eu também não estou informado, porque não me interesso muito. Estou indo paralelo, por fora, buscando outras paradas.
Fabinho: Ô loco, bicho!
Ricardinho: Conta pra nós!
Danilo: Vou continuar com a mesma coisa, expedição, buscar ondas gigantes fora do Circuito. Acho que a jogada da ASP é mais uma estratégia para os atletas que gostam de ondas grandes não se aposentarem. Para os irmãos Hobgood da vida, os brucutus que ainda têm apetite (risos). Acho que é por aí. Se você é um cara que não está conseguindo manter-se com os moleques mais novos, pode ir encarar as ondas gigantes do Big Wave World Tour. Esse pode ser mais um caminho para o Kelly.
Fabinho: Esse assunto é uma doideira danada. Na minha geração nós éramos obrigados a surfar bem de prancha grande, coisa que vinha desses caras: Tom Carroll, Ross Clarke-Jones, Occy. Quando caras como Shane Herring e Kalani Robb chegaram e começaram a diminuir as pranchas, eles não conseguiam nem passar de bateria.
Danilo: Acho que de certa maneira esse assunto volta pro Kelly. O cara simplesmente virou shaper também. E ele está ganhando por causa da prancha dele. Tem muito surfista por aí que não sabe nem as medidas da própria prancha.
Fabinho: É aquela coisa, além do talento, ele está espremendo tudo o que há em volta.
Ricardinho: E voltando para o lance do Big Wave World Tour. Curiosidade minha, qual é o quiver de prancha que você tem pra remar em Jaws e em ondas gigantes [Danilo]?
Danilo: A minha maior prancha é uma 10’10’’, mas está saindo uma 11’2’’.
Ricardinho: Mas quantas delas você costuma levar em uma sessão em Jaws, por exemplo?
Danilo: Levo duas. Lá geralmente entra o vento e rola surf só na metade do dia. Duas dão conta do recado.
Ricardinho: Mas duas de que tamanho? Uma 10’10’’ e a outra o quê?
Danilo: Uma 10’6’’ e outra 10’10’’.
HC: Danilo, vocês estão começando a surfar ondas do tamanho que ninguém surfou na remada antes, indo num território que não foi explorado ainda. dO que você sente que falta numa prancha de remada para onda grande? velocidade, remada? Falta ela ser mais fácil de virar?
Ricardinho: Acho que falta ela vir com duas bolas extras (risos)!
Fabinho: Duas bolas e três tetas, porque também tem umas mulheres aí que pelo amor de Deus (risos)!
Danilo: A evolução está acontecendo e com a quadriquilha, por exemplo, virar não é mais problema nenhum. As pranchas estão bem mais manobráveis, estamos colocando bem mais peso, ou seja, as pranchas já não balançam muito. Não está faltando muita coisa não, só disposição. São poucas as pessoas que estão dispostas a remar nessas ondas acima de 25 pés.
Ricardinho: E o colete [Billabong] idealizado pelo Shane Dorian, você acha que ele pode salvar vidas mesmo?
Danilo: Eu uso um modelo de outra marca [Patagonia], mas pode salvar vidas sim. O Dorian foi o primeiro a usar depois que ele passou por uma situação sinistra. Tudo isso está ajudando pra caramba. Quando a gente foi pra Cortes Bank na Califórnia, no ano passado todo mundo estava com um colete inflável desse.
Fabinho: Essa roupa daqui a uns quatro anos, não digo nem isso, será usada por muita gente em qualquer tipo de condição, mesmo com o mar médio.
Ricardinho: Eu estava falando disso outro dia. Porque em algum momento da minha carreira quero começar a migrar para as ondas grandes, e espero que isso aconteça o quanto antes.
Danilo: Mas o que você está esperando?
Ricardinho: Adquirir conhecimento suficiente, não quero morrer.
Danilo: Mas você já está aqui no Hawaii há dez anos, já pega onda grande, só falta montar um quiver.
Ricardinho: Estou focado em outras coisas no momento, mas acho que melhor que a inconsequência é estar preparado pra fazer o negócio.
Danilo: Mas não espere muito que na minha opinião você já está preparado.
Wiggolly: E se você esperar muito a carruagem pode passar.
Danilo: Você tem quantos anos?
Ricardinho: 23.
Danilo: E você vem ao Hawaii há quantos anos?
Ricardinho: Nove.
Bruninho: Está preparado! Outro dia o Lapinho [Coutinho] pegou aquele Jaws sinistro logo na primeira vez que veio.
Mineirinho: Impressionante, e sem colete, sem nada, no pelo. Mas acho que cada atleta tem que saber a sua própria hora. Vai da personalidade de cada um.
Ricardinho: Olha cara, vou te falar, disposição pra ir lá pra Jaws e botar pra baixo eu tenho. Agora, eu não quero chegar lá, passar algum perrengue e virar um problema para os outros.
Wiggolly: Na minha opinião tem duas ondas que você tem que treinar no mínimo uns seis meses antes de surfar: Mavericks e Jaws. As outras ondas você pode ir e treinar no pico mesmo. O Hawaii mesmo tem vários deles, e se você tiver a força de vontade de chegar lá e dropar você vai conseguir. Mas essas duas ondas… Tem um ou outro que vai de primeira, mas se acontecer alguma coisa, é um erro fatal.
Ricardinho: É isso que eu estou falando. Quanto tempo você está se preparando Danilo? Quanto tempo de carreira de big rider.
Danilo: Eu não me preparei, comigo foi diferente. Quando eu menos esperava já estava surfando ondas gigantes. Acho que você já tem estrada, e se você quiser mesmo, tem que fazer um quiver, expandir a mente. São vários processos….
Bruninho: Orra, difícil essa. Tem tantas inspirações… Pergunta para o pessoal aí enquanto eu vou pensando (risos).
Danilo: Hoje a minha maior inspiração é o Kelly Slater mesmo. Porque o cara tem 42 anos, eu tenho 38, e está mostrando que idade não é nada, que é só você ser malandro, saber se alimentar e se cuidar. Hoje basicamente ele e o Shane Dorian me inspiram muito. Porque os caras abdicam de muita coisa, é muita determinação chegar nessa idade com esse drive. É fácil ter o drive com 22, 24 anos, mas você ter esse drive aos 42 é inspirador.
Ricardinho: Para mim também, acho que o Shane [Dorian] hoje representa bastante a determinação que eu gostaria de ter no esporte, até porque ele é mais o meu perfil, já foi competidor, e tem uma postura em relação ao esporte muito positiva. Não só estendendo os limites a cada swell que passa, mas também desenvolvendo novas tecnologias.
Fabinho: Pra mim tudo é inspiração, inclusive todos vocês que estão na mesa agora. O próprio Guigui, já está buscando as ondas grandes e fiquei surpreso com a atuação dele nas bombas lá de Nazaré. O Mineirinho pela competição, por essa determinação que eu via muito no Peterson [Rosa] e também no Neco [Padaratz], caras que que eu admirava pra caramba. Danilão com esse lance de big surf nem se fala. Vi ele no Tahiti largado, começando a pegar as ondas grandes em Teahupoo (risos). Bruninho e o Ricardo que são freesurfers e exímios tube riders. O Medina com essa chegada dele… Tudo pra mim serve como inspiração, os moleques e os coroas.
Mineirinho: Eu particularmente tenho uma admiração especial pelo Mick Fanning, porque é um cara no qual consigo enxergar que posso alcançar, sabe? Enxergo a forma como ele trabalha, a forma como ele vem se aperfeiçoando na técnica. O Kelly, por exemplo, é um cara que não mostra o caminho.
Fabinho: O careca é cheio dos segredos (risos).
Mineirinho: Com certeza o Kelly é o exemplo a ser seguido, mas você acaba não enxergando a estrada dele. O Mick eu vejo treinando, se dedicando, sempre focado em um objetivo só que é ser campeão mundial.
Wiggolly: O Kelly e o Mick são minhas inspirações, só que com o Kelly tem uma coisa que não consigo entender. É a força de vontade, a garra. Tipo ele come bem, faz exercício, ioga, tudo, mas não é só isso. Tem alguma coisa ali fora do normal. Qual é o remédio que ele toma? Qual é o segredo? Eu não sei. Mas tem alguma coisa a mais ali, ele tem um segredo que não é possível. E está com 42 anos.
Danilo: A mente dele é muito poderosa…
Wiggolly: Mas não é só isso.. Eu ia falar sobre isso naquela hora que estávamos falando do Kelly, mas acabamos indo para outro assunto. Uma vez na Austrália ele passou várias baterias, foi campeão, e depois ficou quatro horas surfando comigo. E isso porque ele tinha acabado de competir.
Mineirinho: Eu vi isso…
Wiggolly: Em Fiji foi a mesma coisa. Ele ganhou o campeonato e ficou o dia inteiro surfando. Pegou o jet-ski, colocou duas pranchas e ficou o dia inteiro no outside só pegando tubo.
Danilo: Ele deve estar tomando uns produtinhos também, né (risos)?
Wiggolly: Mas qual será esse produto?
Mineirinho: Aí é o que estou te falando, ninguém sabe o caminho do cara, ninguém enxerga.
Danilo: Alguém deu uma garrafa de dendê pra ele viu, velho (risos)?
Fabinho: Mas dendê dá uma dor de barriga danada, bicho (risos).
Bruninho: Outra parada que eu acho bizarra é que ele bota pra baixo, ele se joga em tudo e se machucou muito pouco na carreira. Além disso, o cara é fissurado e não cansa nunca.
Danilo: Parece que ele é hiperflexível também.
Bruninho: E não se machucar é sinistro também. Faz 20 anos que o cara bota pra baixo. Vários tubos que ele não sai, várias cracas e o cara nunca teve uma contusão séria. Nunca se arrebentou sério. Com a idade que ele tem, o surf que ele faz e as situações em que ele se coloca, não é mole não…
Wiggolly: Tem um cara que me treina no Brasil que acha que tem grandes chances de ele estar tomando hormônio. Mas eu não sei. Posso treinar a vida inteira, comer bem a vida inteira e o cara tem esse ritmo com quase o dobro da minha idade. Não é possível ele competir três, quatro baterias em alto nível, chegar às finais e depois ficar mais quatro horas em Kirra surfando de GoPro. Ele pegava tubo e voltava, com a correnteza absurda. Se eu voltei umas 50 vezes, ele voltou o dobro. Aí ele sai, dá um beijo na mulher, pega a prancha e volta para o fundo (risos).
HC: E você Bruninho, quais são as suas inspirações?
Bruninho: Na real tenho várias inspirações em surfistas, atletas e big riders. Mas ultimamente o que mais tem me inspirado foi uma onda descoberta em Angola há pouco tempo [Porto Alexandre] e que quero muito conhecer. A onda de Supersucks, na Indonésia, é outra que não conheço. E também voltar à Namíbia pra pegar de jeito. Como surfista, têm vários atletas e coisas que me inspiram, mas o que realmente tem chamado mais a minha atenção foram as novas imagens dessa onda de Angola. Fiquei chocado com a perfeição.
Fabinho: Cara, lembro até de quando a HC passou de jornal para revista. Fiz um texto, acho que estava até no Hawaii e isso me marcou muito, ler um texto meu publicado. Também lembro de uma capa que fiz aqui em Waimea, foto do James Thisted em um dia razoável, quando a galera foi embora e sobrou umas ondas. Lembro de altas matérias… Quando você entrou [Steven Allain] deu aquela revolucionada na revista, foi uma repaginada marcante, com a capa alucinante do Rob Machado em Desert Point no final de tarde. A revista tem muita história e pra mim foi uma inspiração viver com ela, fazendo várias capas.
Mineirinho: Eu, por todos esses anos em que acompanho a HARDCORE, acho que a capa mais marcante foi uma do Peterson Rosa dando debaixo do lip com 3 metros de onda em Noronha. Aquela capa realmente foi um dos momentos mais marcantes porque ali eu senti uma dificuldade enorme de executar uma manobra.
Wiggolly: Pra mim a capa que mais marcou foi uma do Danilo, com aquela bomba sinistra em Jaws. Quando vi aquela foto pensei comigo mesmo: “esse cara está de parabéns”.
Danilo: As minhas duas capas da HARDCORE foram em Jaws, a primeira em 2004 de tow-in e a segunda em 2011, na remada. Lembro que a HC no começo tinha uma linguagem visual, um estilo bem mais de anarquia. No início dos anos 1990, a HARDCORE era bem diferente. Sempre botava surfistas que não tinham patrocínio, caras como Dadá Figueiredo. Tinha um lance meio selvagem. Adorava isso, era inspiração.
Bruninho: Cara, quando comecei a surfar não tinha internet, os meios de comunicação eram basicamente só as revistas de surf. E o momento mais maneiro foi a primeira capa que fiz. Acho que a capa é como a vitória no campeonato: você bota na parede, guarda, fica amarradão. Todas as minhas capas da HARDCORE foram no Hawaii, e a primeira por incrível que pareça foi dando um aéreo (risos). A minha única capa que não foi tubo foi uma capa da HC.
Fabinho: Vocês estão rindo? O bichinho [Bruninho] dá vários aéreos… Aquela session ali em Chickens, né? Tu dando altos aéreos…
Bruninho: Pô, mas isso faz dez anos Fabinho (risos).
Ricardo: Eu também já fui capa algumas vezes e guardo todas com muito carinho.
HC: Agora, para onde que vocês veem e projetam o surf daqui a 25 anos? para onde caminha o esporte…
Fabinho: Olha, um campeão mundial brasileiro daqui a 25 anos com certeza vai ter (risos). Mas meu projeto de vida é continuar pegando onda. Também quero me aprofundar no lance de fabricação de pranchas, buscar novos materiais e passar esse conhecimento para frente. Com certeza tem muita coisa ainda por vir em questão de evolução de pranchas. Enfim, meu projeto de vida inteirinho é o surf. Estava surfando em Sunset outro dia e o Jesse Billauer, aquele cara que tem dificuldade de locomoção, estava dropando com um jetboard. Essas coisas nos fazem ver para onde podem ir os limites do esporte nos próximos anos. Impressionante, ele só mexia o pescoço e pegava onda só com um cara o acompanhando. Então tem muita coisa pela frente em questão de limites, equipamentos. Ainda tem o Garrett [McNamara] surfando com o Wavejet. Estamos só no começo dessa descoberta que é o surf. E esse lance da piscina de ondas é um negócio que eu já penso faz 25 anos. Imagina lá pra frente? Tem muita coisa pra acontecer ainda…
Bruninho: Daqui a 25 anos o surf vai ser transmitido ao vivo nas Olimpíadas, em piscinas de ondas com 2 metros tubulares perfeitos (risos). Já vou estar cinquentenário, mas surfando muito, sempre em busca de bons tubos e da conexão com o oceano.
Ricardo: Assim como o Fabio e o Bruninho também quero continuar surfando e, se possível, tentar expandir os meus limites sempre, seja em marolas, ondas grandes ou tubulares. Quero estar sempre em evolução.
Mineirinho: Cara, eu pretendo daqui a 25 anos estar como esse rapaz aqui [Fabio Gouveia]. Continuar no Hawaii com essa fissura, vivendo o espírito do surf eternamente. Para mim será uma grandeza enorme estar com mais de 40 anos e surfando muito. Outro dia vi o Fabinho sair de Sunset com uma gunzeira 9’6’’ debaixo do braço amarradão. Acho que é isso, ser um surfista completo, de corpo e alma.
Wiggolly: Daqui a 25 anos eu também quero estar pegando onda, de preferência aqui em Waimea e nos outros picos do North Shore (risos)…
Fabinho: Todo mundo só quer saber é de pegar onda (risos).
Danilo: Eu acho que o crowd é uma coisa que está aumentando muito. Fico pensando como será o surf de ondas grandes daqui a 25 anos em picos como Jaws, por exemplo. Você ainda vê em eventos como o Pipe Masters que o surf está se popularizando rápido, atraindo cada vez mais pessoas. As escolas de surf também estão crescendo. O surf é um esporte maravilhoso, todo mundo quer praticar. E por isso estou sempre procurando sair da rota tradicional, buscando novas ondas com os amigos. Porque o que queremos no final das contas é achar aquela vala, surfar só com os amigos sem crowd, como eu estava fazendo agora. Por isso até que me atrasei para a entrevista (risos).
*Esta reportagem foi originalmente publicada na HC 295, de maio de 2014.