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unca me canso de olhar o mar em Chicama. Entro numa espécie de transe, uma viagem cósmica mesmo, transportado para outra dimensão por aquelas linhas sem fim avançando desde o horizonte em direção à extensa ponta de terra com seus altos barrancos se debruçando sobre o mar. É uma visão arrebatadora para qualquer um. Para um surfista é o sonho desenhado no caderno da escola materializado à sua frente. Uma onda atrás da outra quebrando em simétrica perfeição.
Texto e fotos Adrian Kojin / Editor Especial da HARDCORE
Desde a primeira vez, 35 anos atrás, já estive em Chicama em várias oportunidades, e a cada uma vou embora com vontade de voltar. Pelas ondas, sem dúvida alguma, mas também pelos bons amigos que fiz lá. Acompanhei com muita atenção e carinho a evolução de Puerto Malabrigo, que é como se chama a pequena cidade que abriga “la ola izquierda perfecta mas larga del mundo”. De um vilarejo abandonado a um dos lugares onde, ao longo da jornada que venho empreendendo desde a Califórnia, mais percebi os benefícios que o surfe pode trazer para uma comunidade.
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Quem visita Chicama percebe claramente que o surfe trouxe desenvolvimento, e não só crescimento. Em muitos lugares que passei pelo caminho notei que o saldo deixado pelo afluxo de surfistas nem sempre é positivo. Desde mudanças nos hábitos culturais a agressões ao meio ambiente, entre outras coisas, nós surfistas fomos responsáveis por mudanças que desfiguraram muitos picos e seu entorno. No caso de Chicama, minha impressão é de que se trata de um lugar muito melhor para se viver e visitar do que no passado. Justamente o inverso de alguns dos paraísos destruídos que encontrei pelo caminho.
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Isso se deve a vários fatores, mas em particular vou destacar a visão de Marino Costa, um surfista e empresário que teve a coragem de apostar alto na construção de um hotel de alto nível, num lugar até então desprezado por investidores da área de turismo, peruanos ou estrangeiros. Na verdade, muita gente chamou Marino de louco, sem conseguir enxergar, como ele, o potencial das ondas hipnóticas em atrair um público que viesse gastar seu dinheiro ali, naquele canto quase esquecido do planeta. Mas sua coragem e de seus parceiros na empreitada se provou certa. O Chicama Boutique Hotel é um exemplo a ser seguido por qualquer pessoa ou empresa que atue no ramo do turismo de surfe.
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Posso dizer isso com segurança pois acompanhei a trajetória do hotel desde quando era ainda apenas um plano no papel. Foi quando conheci Marino e o entrevistei para a revista Fluir. Mais tarde, logo após a inauguração do hotel, organizei uma viagem memorável levando meus companheiros de redação e um grupo de surfistas profissionais para fazer uma matéria in loco, que foi intitulada de “Reunião de Pauta em Chicama”, na qual tivemos sorte de pegar um swell épico no pico.
Desde o começo da minha relação com Marino e sua equipe, sempre foi enfatizado por eles que um dos pilares da missão a que se propunham era beneficiar a comunidade local. Nessa minha visita atual, pude conferir que Chicama agora conta com várias opções de hospedagem, muitos restaurantes, uma frota de zodiacs fazendo o transporte de surfistas no line up, um time completo de fotógrafos cobrindo tudo que acontece no mar, entre outros negócios diretamente relacionados ao surfe. Do ponto de vista urbanístico houve um ganho imensurável com a construção de um calçadão à beira mar que eliminou o aspecto sujo e mal cuidado que o povoado exibia antigamente. Em todos esses aspectos a contribuição do Chicama Boutique Hotel foi fundamental.
Igor Pitasi em Chicama, no vídeo acima. Crédito: @chicama_surfing
Conversando com Miguel Vegas, o ex-campeão de surfe peruano que ocupa o cargo de gerente geral do Chicama Boutique Hotel, ele me descreveu em detalhes todas as ações tomadas em prol dos funcionários, da comunidade e do meio ambiente. Algumas inclusive estão explicadas no site do hotel, mas, diferente do que se observa por aí, a preocupação maior de Miguel não é de utilizar isso como um instrumento de marketing, e sim em torná-las realidade. Falar menos e fazer mais. A publicidade gerada é uma consequência bem vinda, mas não a prioridade.
Os dias que passei em Chicama foram sensacionais. Como convidado do hotel, pude desfrutar de um conforto que até agora não havia experimentado em toda a viagem. Contar com um bote para o transporte de volta para o outside após cada onda interminável é uma ferramenta multiplicadora de alegria. Ainda que em alguns momentos eu tenha preferido a longa caminhada apenas para poder ter ainda mais tempo para absorver toda a grandiosidade do lugar.
A onda de Chicama não pode ser descrita com uma pista de alta performance para surfe de pranchinha. Salvo raros dias, durante as maiores ondulações do ano, a onda é um tanto quanto deitada, com poucas sessões tubulares comparadas a outros picos do próprio Peru. Não a recomendo para aqueles surfistas que estão focados em tempo dentro do tubo, aéreos, ou manobras com muita força. Existem lugares mais adequados para isso. Mas se a intenção é pegar as ondas mais longas da sua vida, se divertindo muito no trajeto e plenamente integrado à um fenômeno da natureza, então esse é o lugar certo.
Tive a sorte de encontrar uma galera brasileira hospedada no hotel muito boa de se conviver. Estavam numa barca da agência @travelsa liderada pelo longboarder, técnico de surfe e master shaper @pitasi_igor. Como qualquer trip de surfe fica sempre melhor quando o grupo se comporta com harmonia, essa foi nota mil e terminou numa roda de samba em pleno calçadão de Chicama. Algo que 35 anos atrás eu jamais poderia imaginar.
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