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sexta-feira, 19 abril, 2024
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Derek Hynd e a ffffonte da juventude

texto Jamie Brisick 

Toda quinta-feira, um Throwback especial de uma matéria atemporal publicada na Hardcore. O papel pode não existir mais, mas a essência será sempre lembrada com as histórias e acontecimentos mais extraordinários do surf e da cultura surf e os seus operários legítimos.

Neste, o mago Derek Hynd, que dispensa apresentações. Se você surfa e nunca ouviu falar esse nome, esta é a sua chance de aprender hoje. Confira:

DEREKAO2

Uns três anos atrás foi postado no YouTube um vídeo que não apenas cativou o mundo do surf, mas deixou coçando seu queixo coletivo com “E se?”. Nele, Derek Hynd dropa uma série de ondas de 2, até 3 metros. Tudo parece normal no começo. Ele surfa abaixado, com a mão de trás encostando na parede.

Mas há uma súbita deslizada em efeito. A tração comum entre prancha e onda é não-existente. Continuando o vídeo, vemos Derek escorregar e deslizar e derrapar e dar voltas e surfar de costas e girar incontáveis 360º.

“Há mais ou menos 15 anos, eu assisti ao Daytona 500 ao vivo e queria aquela sensação em uma linha de surf”, conta Derek. “Em menos de um segundo pensei em como seria perder completamente a aderência de propósito indo o mais rápido que podia, e ainda acelerar. É isso que notei quando o carro na liderança – carro verde 66, acho – a perdeu e, por um breve momento, colocou uma distância em seus perseguidores, antes de capotar múltiplas vezes. Perdeu a tração e foi mais rápido durante um flash. Com o pelotão logo atrás indo a 320 km/h, eu vi a mudança.”

Derek teve um trajeto longo e colorido no surf. Já foi pró, treinador, jornalista, gênio do marketing, crítico, piloto de testes, historiador, empresário e, agora, com 55 anos de idade, um surfista sem quilhas.

Faz completo sentido Derek encontrar o surf sem quilhas. Enquanto seus contemporâneos tornaram-se gordos e assumiram responsabilidades da meia-idade, Derek está ágil e sem preocupações, continuando a viver o sonho do surf como se tivesse 21 anos. Ele viaja longe em busca de ondas, raramente perdendo um swell. Tem publicamente criticado o surf produzido em massa que acontece no Tour da ASP – assim como os produtos fabricados em grande escala. Ele lê Dostoyevsky e Proust e Nabokov, e descreve uma onda que surfou há dez anos, ou mesmo uma manobra que fez nessa onda, da maneira como Humbert descreve sua graciosa lolita.

“Quando a onda vai super-rápido e uma prancha que não deveria alcançá-la o faz”, afirma, com a mão direita dirigindo uma prancha imaginária através de sua cara, “tira o seu fôlego pensar em onde o surf teria chegado se a quilha não tivesse ganhado tanta popularidade estática há 50 anos. Peguei uma onda neste ano em Jeffrey’s, uma onda grande, e as sessões vinham em minha direção e eu não ia passá-las, mas eu passava e percebi minha boca se abrindo mais e mais, o vento entrando na minha boca, e estava consciente de que a prancha estava fora de controle, não, estava sob controle! Uau, o que está acontecendo comigo? O que está acontecendo com a prancha? Foi em um ponto de velocidade máxima. Eu tinha passado algum tipo de barreira.”


Surf profissional é um jogo para jovens
, não apenas porque o esporte de alto nível é extremamente ginástico, necessitando músculos responsivos, mas também porque a indústria é construída primeiramente por roupas, ou seja, moda. Como o mundo da moda, as revistas e os sites de surf estão lotados de jovens bronzeados e musculosos de 20 e poucos anos. É assim que o sonho do surf é vendido. “Como a indústria trata surfistas profissionais após suas carreiras terminarem?”, um ex-profissional uma vez me perguntou: “Eles te dão uma arma, falam para ir para fora pela porta dos fundos. Aponte a arma para sua boca desse jeito (ele traz um dedo à boca) e aperte o gatilho. Mas nos faça um favor. Coloque um silenciador nela. Não queremos uma queda nas ações”. Resumindo: ex-surfistas profissionais acabam abandonados e amargos. As lições aprendidas pegando onda – improvisar, desviar e traçar linhas – raramente se traduzem à vida terrestre de adulto e além.

Uma das maneiras de profissionais continuarem sãos no fim de suas carreiras competitivas é experimentando com pranchas. O tricampeão mundial Tom Curren fez muito disso nos anos 1990, inspirando um fascínio com shapes antigos e alternativos que durou e hoje está explodindo (pense em Alex Knost, Dave Rastovich, nos filmes de Thomas Campbell). Poucas pessoas percebem que Derek Hynd tem uma boa mão nisso. No começo da década de 1990, Derek perdeu a fé no surf competitivo. Conforme a economia global despencava e Kurt Cobain cantava o marcante Nevermind, ele saiu em busca das raízes do surf. Construiu uma casa com formato de pirâmide com vista para Jeffrey’s Bay, usando um escorregador a quase 90º para conectar seu quarto-cápsula à sala, onde havia dezenas de pranchas – algumas compradas de segunda mão em garagens e trocas, outras encomendadas para os melhores shapers e surfistas do mundo – enfileiradas pela parede.

Todos os dias ele acordava de madrugada e escolhia uma das pranchas. Como um tipo de viagem no tempo. Sua Lightning Bolt Pintail de 1973, por exemplo, invoca ioga, Timothy Leary e o álbum Abraxas, de Santana. Sua Malibu-Chip do final dos anos 1960 convoca o niilista do surf Miki Dora e, talvez, o disco Pet Sounds dos Beach Boys. Derek desenha linhas não-convencionais pela onda, frequentemente ficando acima e perto da espuma em grandes velocidades, cabelo voando para trás, braços como asas. Ele sempre foi um surfista expressivo, mas nunca desse jeito. Essas sessões marcantes o levariam ao surf sem quilhas.

Mas Derek não gosta de chamar de “sem quilhas”.

“É ‘sem atrito’, chamado de ‘FFFF’, para ‘Far Field Free Friction’ (atrito livre de longo alcance)”, diz ele. “O que eu andei interessado é mais do que uma simples palavra caloteira, porque a sensação está bem ali. É tão claro que o ‘Far Field’ se refere à construção teórica de física do instante antes do infinito de [Osmo] Vänskä. Quando tudo está no caos, ‘a dispersão’ ou turbulência em massa do campo de Beltrami se junta em um borrão espantoso. Essa é a sensação, resumidamente. Estar bem no limite e ver tudo se encaixar no lugar.”

Eu sabia quem era Derek Hynd antes de conhecê-lo. Um profissional Top 16 nos anos 1970, suas cavadas e 360º estridentes mostrados mais frequentemente em revistas e filmes de surf. Ele surfava com um estilo baixo, sua figura borrachuda parecida com a de Mick Jagger. Tinha a reputação de ser um competidor sem misericórdia. Então, no Hang Ten International em Durban em 1980, ele pegou uma onda até a praia e pulou na areia, correndo para cortar a velocidade. Quando se virou, sua cordinha, então esticada, lançou sua prancha contra ele. Bateu em seu olho esquerdo. Ele estava tão determinado a vencer a bateria que remou de volta para a água e tentou usar sua lesão (“o líquido escorrendo pela minha cara não era sangue”) para intimidar o oponente. Só depois de um fotógrafo gritar para que saísse que ele o fez. Foi levado para o pronto-socorro e direto para a cirurgia. Ele havia cortado seu nervo óptico. Dois dias depois, saiu do hospital com um olho de vidro.

Derek voltou para o Tour no ano seguinte e terminou em 7º – o primeiro surfista caolho na história da ASP. Mas ele não exercitava apenas o corpo, e sim a mente. Aposentou-se das competições, mas continuou no Tour, dessa vez como um técnico e jornalista. Como técnico, adotou uma abordagem altamente tática e teve prazer assistindo a surfistas inferiores derrotar gigantes na estratégia. Como jornalista, escreveu artigos controversos que frequentemente irritavam os surfistas tratados. Sua coluna na Surfing World era chamada “Hyndsight” e marcada por um logo de ciclope. Nós não apenas a líamos com interesse, mas meus amigos surfistas e eu, todos querendo ser profissionais, celebrávamos “Aussie Nights”, em que debruçávamos sobre as palavras de Derek, bebíamos Foster’s Lagers gigantes e ouvíamos Midnight Oil, Men At Work e INXS, muitas vezes até vomitar.

Conheci Derek pessoalmente em 1986, quando viajei à Austrália como surfista profissional. Um sujeito cabeludo vestindo botas, shorts rosa e colete por cima da camiseta, ele tinha pouco em comum com os surfistas fortões que se concentravam nas áreas de competidor. Ombros caídos e uma expressão de descrença eterna no rosto. Ele falava devagar e de maneira enigmática. Segurava um caderno de exercícios cinzento, no qual escrevia constantemente.

Em 1987, meu patrocinador, a Rip Curl, contratou Derek para comandar a equipe. Seus métodos eram peculiares. Em seu caderno, ele transcrevia cada onda de cada surfista da Rip Curl, assim como seus oponentes. Escrevia com pequenos rabiscos e com muita urgência, de maneira que uma entrada típica parecia algo como isso:

2a JB:

Espumada, atrasada, rasgada B, floater batendo A, roundhouse cutback G+

2a RM:

Aberta, crítica, rasgada layback A, cutback B+, reo a- vg ataque completo bastante pressão em ambos – jb precisa de vg!

Seu comportamento na praia parecia o de Slugworth, rival de Willy Wonka em A Fantástica Fábrica de Chocolate. Ele cochichava no meu ouvido com a mão em concha, desenhava jogadas na areia e de repente as rabiscava. Me dizia onde esperar, que ondas e manobras rendiam mais nota e que táticas usar. “Se você não estiver de pé na primeira onda, vai ficar empurrando merda colina acima”, costumava dizer. Ou: “Odeio ter que dizer isso, Jim (ele me chamava de Jim), mas Occy é um surfista superior. Sua única chance é mantê-lo fora das ondas da série”.

Nossa relação estava indo bem, ele tinha me ajudado com alguns resultados decentes, quando, de repente, de técnico virou meu adversário.

Isso foi no Margaret River Masters, no oeste da Austrália. Nos dias antes do evento, as ondas estavam grandes e mexidas. Dentre os 50 e poucos surfistas na água, Derek sobressaía-se. Enquanto os Top 16 iam de baixo para cima, baixo cima, ele desenhava oitos longos e curvados, em que rebatia na espuma com esplendor, de maneira sinistra, puro rock‘n’roll.Quando abriu uma vaga nas triagens, Derek caiu dentro. Ganhou as primeiras fases por uma grande margem. Lembro-me de pensar que ele poderia muito bem vencer o campeonato inteiro. Então olhei para a chave e notei que estávamos na mesma bateria de quatro pessoas.Nossa compostura antes do embate, independentemente de desejarmos boa sorte um ao outro ou não, o jeito que conseguimos contornar o fato de ele teoricamente ser meu técnico – tudo foi esquecido após um instante: Derek e eu olhávamos para o mar, com as pranchas lado a lado. As ondas estão quase três vezes o nosso tamanho, suas paredes polidas por um leve vento terral. O sol nos cega. O horizonte escurece, sinalizando uma série. Remamos para encontrá-la. Uma parede brilhante de 12 pés se levanta perfeitamente. Estou na posição.“Me dê essa onda, Jim”, diz Derek. “Que te pagarei 15 cervejas.”Foi sua retórica sob pressão que me pegou. Por que 15? Por que não Pagarei uma cerveja, ou um engradado, ou simplesmente te devo uma? Enquanto eu pensava nisso, ele deslizou para o meu inside, roubou a onda e me tirou do evento.Ele perdeu algumas rodadas depois e voltou ao seu posto de técnico e jornalista como se nada daquilo tivesse acontecido. Era como ver um viciado em recuperação ter uma recaída. No final dos anos 1980, o Tour da ASP era um negócio rígido, com 25 eventos em dez países. Derek e eu éramos companheiros frequentes de viagem. Em uma noite típica, eu alongava, cuidava das pranchas e me concentrava para a competição do dia seguinte em um canto do quarto, enquanto Derek deitado de bruços, com fones de ouvido, escrevia um artigo para ser entregue em uma hora na revista (ele precisava da pressão da entrega).“Ouça isso, Jim”, ele dizia e lia um trecho interessante.Em uma matéria chamada “As Cores da Loucura”, ele descreve a prazerosa remanescência de sexo selvagem com sua namorada da época. Ela levanta para usar o banheiro e volta à cama. Ele segue. Na privada, encontra um pequeno pedaço de merda, “um órfão dela… eu não poderia possivelmente dar descarga”. Levanta-o com a mão e leva para mostrar à namorada. “Baby”, escreve. “Você me deixou um presente.” Esse foi o fim do relacionamento.A visão de Derek teve um efeito profundo no mundo do surf. No começo dos anos 1990, ele imaginou o “The Search”, uma campanha da Rip Curl tratando dos ideais do Endless Summer, viajando para locais remotos em busca de ondas perfeitas. Poucas campanhas publicitárias captaram tão bem o espírito. No fim dos anos 1990, fundou o IS Tour, um formato de competição que favorecia manobras de alto risco. Estava muito à frente de seu tempo. Em 2008, estrelou em Musica Surfica, um filme que funde o surf sem quilhas com música de Bach e Paganini.Quando está em Sydney, Derek fica com sua mãe na casa onde cresceu. Um chalé de praia modesto envolto por árvores em Newport, uma pequena cidade em uma região conhecida como Northern Beaches, um celeiro de surfistas de nível internacional durante o último meio século. O quarto de Derek é um tesouro de recordações e objetos de surf. Ele puxa revistas e vídeos, uma pilha dos cadernos que preencheu durante seus dias de técnico. Em sua cama de solteiro, mostra-me notas escritas à mão para um livro de não-ficção em que estava trabalhando no final dos anos 1980, O Grande e Grosso Livro de Listas.Ele me leva escadaria acima para conhecer sua mãe, que é idosa, porém perspicaz. Ela nos prepara chá e conta histórias dos diversos surfistas de todos os lados do planeta que se hospedaram com eles. A sra. Hynd serve como a editora não-oficial de Derek, lendo seus artigos com olhos de águia, insistindo que chegue ao ponto com menor número de palavras possível. Derek adora o golpe rápido. Seus artigos sobre competição na revista Surfer eram frequentemente afiados com frases de uma ou duas palavras.No quintal, de uma oficina de madeira escura, Derek pega sua prancha sem quilha. Amarelada de sol, seu shape cru e assimétrico, a rabeta cortada por pequenas canaletas – isso é o que cria tração, mas bem menos do que qualquer quilha. Ele lembra que é um projeto em andamento, que muitas vezes raspa o casco com uma lixa, reshapeando a prancha para se adaptar às condições.Eu diria que parece algo com que o Fred Flintstone surfaria.

Derek explica: “Imagine um esportista profissional com muitos anos no jogo de repente mudando algo dramaticamente. Um golfista diminuindo os tamanhos da cabeça de seus tacos a quase nada para aumentar a velocidade do swing através do ar, gerando um novo método, ou Federer, não contente em usar o tamanho de raquete que Sampras usava, reduzindo-o ao tamanho dos anos 1960, porque a raquete passa mais rápido pelo ar, ou pois uma bola batida de um sweet spot reduzido pode ser mais potente e rápida. Qualquer esporte está em um ponto da história e da tecnologia em que novidades como essas são possíveis, certo? Mas cabe a uma pessoa com um alto nível de conhecimento e comprometimento realizá-lo. Significa abandonar o passado para trabalhar em resultados futuros, sem olhar para trás. E ninguém consegue fazer isso no mundo conservador do esporte profissional de hoje em dia, a mentalidade pioneira se foi”.Prendemos as pranchas no teto do Holden Kingswood 1978 de Derek e dirigimos por uma estrada suburbana, em direção a Barrenjoey Road, a estrada costeira que serpenteia as Northern Beaches. Newport tem um ar de vizinhança, cidade pequena. Atravessando “as lojas” (a rua principal que se estende por 800 metros), Derek acena para amigos. Passamos Newport Peak, Bilgola, Avalon e Whale Beach – pequenas praias como covas, cheias de pedras, pointbreaks e encostas rochosas, as coisas que fazem esse trecho de costa uma Disneylândia para surfistas. Chegamos em Palm Beach, um bairro de classe alta que é, para Sydney, o que Malibu é para Los Angeles. Passamos a casa arrepiante de Madame Lash, a dominatrix mais famosa da Austrália, cuja clientela classe A inclui o magnata da mídia americana Rupert Murdoch. Estacionamos ao lado de um gramado algumas casas depois do palacete que Nicole Kidman aluga durante as férias de final de ano.“Parece razoável”, diz Derek, apontando para uma onda azul e oca.Vestimos as roupas de borracha, desamarramos as pranchas e partimos para a água. Já foi dito que a maestria de ótimos surfistas se derrama sobre o jeito como seguram sua prancha, andam pela areia. Derek é tudo isso, mas o seu jeito não é como o de um Super-Homem orgulhoso, mas sim uma andada desgastada, quase bocejando. Idem para a maneira como lê o mar de relance e seu timing perfeito para passar a rebentação, ziguezagueando pelas espumas e chegando no pico de cabelo seco.Na onda ele é deslumbrante. Remando para o pico dobrando, ele dropa atrasado, em um ângulo. Fica em pé sem esforço algum em uma fração de segundo. Nunca fica completamente em pé, surfa bem abaixado, com os joelhos comprimidos, mão direita segurando a borda de fora, mão esquerda apontada para a frente como uma faca. Sua linha é alta na parede, dançando para dentro e fora do que é chamado de trim line, aquele ponto vertical em que a onda suga e joga. Sua abordagem sem atrito é óbvia: ele dá pequenos passos de lado, a rabeta aponta para a costa por alguns segundos e depois é corrigida. Ele vai muito mais rápido do que a dúzia de surfistas na água – enquanto eles vão para cima e para baixo e desenham oitos, a linha de Derek é reta. Só de assistir-lhe dá aquela sensação de falta de peso e frio na barriga.Sua próxima onda é uma direita curta e cavada. Ele fica de pé rapidamente e, em uma posição de ataque abaixada, logo gira um 360º. Não é um giro rápido, mas sim um 90º para 180º para volta completa em que ele anda de lado por alguns segundos seguidos, brincando com a falta de controle, tirando sarro do fato de estar sob o poder da onda. “Brincadeira” é a palavra-chave. Derek compara a falta de atrito com Fórmula 1 e tem razão. Mas a minha primeira reação ao vê-lo surfando no YouTube foi achar aquilo algo que uma criança faria, o tipo de coisa que um garoto de 9 anos em um país pobre faria em, digamos, um pedaço de madeira jogado fora. Parecia a melhor rebelião contra a meia-idade.Derek reforça essa ideia após o surf. Prancha abaixo do braço, rosto salpicado com sol, ele para e conversa com alguns amigos, todos frequentadores de Palm Beach que moldaram suas vidas em volta do surf. Ele tira a roupa de borracha e a pendura na cerca de uma mansão de US$ 10 milhões. Senta na grama descalço e inspeciona sua prancha. Um amigo se aproxima e conversa com Derek sobre o swell que está vindo com uma linguagem que, para um não-surfista, pareceria outra língua. Derek levanta a mão para checar o vento.“Sudoeste”, diz. “Pode ser que fique muito bom amanhã de manhã.”“Me encontre na estação de petróleo”, sugere Derek quando lhe telefono para combinar de se encontrar. “Você vai vê-la assim que entrar na cidade.”Byron Bay, a casa adaptada de Derek desde 2011, é uma comunidade costeira cheia de surfistas, iogues, hippies e veganos. Até o posto de gasolina do bairro vende frutas orgânicas. Derek chega em seu Kingswood. “Siga-me”, ordena, e eu o sigo em meu carro alugado. Viramos em um parque industrial e chegamos a uma rua sem saída. Entramos em um estúdio lotado de pranchas novas. Como em todas as fábricas de prancha, o som da plaina é constante e o cheiro de resina fresca frita nossos neurônios. No andar de cima, sobre racks de madeira e sob luz forte, estão as sete primeiras pranchas da edição limitada de Derek, “Seven Squared Series”. São pintadas com cores vivas, com longas canaletas cortadas na rabeta. Elas terão um preço bem alto. Derek explica que são frutos de trabalho com amor. “Caso você esteja se perguntando, eu não ganhei um centavo.”“F-F-F-F”, digo, lendo os quatro Fs na borda como se fossem um acrônimo.“Não, se diz ‘FFFF’. É assim que essas pranchas soam em uma onda.” Derek – tênis pretos, calças jeans, camisa havaiana sobre a camiseta – levanta uma pela rabeta e inspeciona o fundo.Pergunto sobre seus objetivos no surf.“Trata-se das ‘FFFF’ em grande parte, acredito. Deixar coisas ultrapassadas para trás, testar possibilidades, ver quão longe consigo ir antes de não aguentar mais. O futuro está no passado para a maioria das pessoas.” Ele deixa a prancha de lado e coloca as mãos nos bolsos. “Para mim, uma virada de vida foi ver dois terços de meus amigos surfistas da cidade onde cresci caírem nas drogas quando eu tinha uns 16 anos – e isso aconteceu em uma manhã. Eles nunca voltaram. As almas se foram. Sobraram quatro de nós e olhamos um para o outro: O que aconteceu? Desde aquela manhã, acho que estive determinado a não ter minha alma roubada pelas drogas ou qualquer outra armadilha da vida. Criei as ‘FFFF’ bem o suficiente para nunca querer voltar ao pivô das quilhas e talvez isso seja uma metáfora para as muletas em que as pessoas caem conforme os anos passam.”Subimos no carro de Derek e dirigimos até um mercado natural para almoçar. Há um retrato do guru espiritual Sai Baba pendurado na parede. Uma mãe com dreadlocks amamenta seu bebê na ala de atacado. Derek pede apenas um suco de cenoura. Ele é conhecido por sua dieta rígida. Como um bombeiro ou paramédico, é como se ele quisesse estar sempre pronto para aquele swell passageiro.Pergunto como ele paga as contas. “Nada mudou desde que saí da faculdade”, conta. “Escrevendo, principalmente. Algumas coisas dentro da indústria do surf também, mas o grosso tem vindo de colocar a caneta no papel. Fui um ‘último moicano’ com papel e caneta, a propósito. Eu não gostava do teclado do computador porque perdia a habilidade de contar algo através da aparência da minha tinta em uma folha de papel quando eu estava com o raciocínio certo para acabar uma matéria. A maciez do traço me dizia quando estava no ritmo ou não.”Depois do almoço, dirigimos 1 quilômetro costa acima até The Pass, o pico de surf mais famoso de Byron Bay. Derek desce do carro e acha uma vaga embaixo de uma árvore para checar as ondas. Abaixa de um jeito que parece doloroso nos joelhos e fica por lá. The Pass é um pointbreak longo com fundo de areia com duas pedras amontoadas na ponta que lembra uma pintura que estaria pendurada no quarto de um surfista maconheiro, um nirvana, de certa fora. Mas hoje o vento está maral e as ondas perderam sua formação perfeita.“A bancada foi detonada”, conta Derek, referindo-se ao ciclone recente que devastou o litoral norte de New South Wales.Mesmo assim, há vários surfistas na água. Uma garota em seus 30 e poucos anos segurando um longboard passa por perto e acena para Derek. Ele sorri. Ele é tido como um gênio visionário nessa área. Ele fez muitos de seus testes sem atrito nas ondas longas e previsíveis de The Pass. Por alguns anos, ele se envolveu amorosamente com uma garota com metade de sua idade. Eles compartilhavam as ondas. Ele a chamava de “sua surfista preferida”. Quando ouvi isso pela primeira vez, pensei: “Certo, faz completo sentido. Você surfa sem quilhas, passa seu tempo à procura de ondas, tem um brilho cintilante nos olhos. Você combina melhor com uma garota de 24 anos do que uma mulher de sua própria idade”. Quando o relacionamento acabou, ele ficou devastado. Mas Derek sempre favoreceu o breve e agitado em relação ao longo e dependente.Mais tarde, em um e-mail, ele descreveu sua própria obsessão com o surf sem quilha da seguinte maneira: “É como voltar aos 13 anos – gostando de vacas, se surpreendendo em terminar a onda, ficando supercontente em haver uma variável envolvendo qualquer possibilidade na parede de uma onda. Não há nada estruturado quando você surfa sem quilha. Me faz questionar o que eu fiz durante 30 anos da minha vida, apenas pegando ondas e surfando-as com um padrão.Em uma noite fria de Outubro no ano passado, um carro para na frente da Pilgrim Surf + Supply em Williamsburg, Brooklyn, Nova York. A porta de trás se abre a de lá aparece Derek. Vestindo botas pretas, jeans pretas, camiseta preta e blazer de lã preto. Com ajuda do motorista, ele tira uma mala e um sarcófago de pranchas do porta-malas. O australiano parece desgastado da estrada, despenteado com cabelo nos olhos. Acabou de retornar de uma missão em Jeffrey’s Bay. Em alguns dias, ele irá para o Chile. Elevando a prancha acima do ombro, entra na loja, onde algumas dezenas de fãs o esperam. A imagem do poeta mensageiro errante – Johnny Cash, Bob Dylan – vem à cabeça.A Pilgrim organiza mostras de filme e lançamentos regularmente. Hoje será um evento de perguntas e respostas – e eu cuidarei da parte das perguntas. Quando entra na loja, Derek é recebido por acenos tímidos com a cabeça e sussurros. As pessoas não sabem como abordá-lo. O gelo é quebrado quando um camarada de cabelos cinzentos lembra de uma frase que Derek escreveu na revista Surfer em 1993. Um jovem – jovem, meio hipster – conta que conhece outro cara que já desceu o escorregador de Derek em Jeffrey’s Bay. Ele é humilde, de sua maneira excêntrica. Ele adora bater papo.Somos levados até nossas cadeiras. Não faço ideia de como a noite será. Derek pode ser eloquente e colorido. Mas pode, tão facilmente quanto isso, estar reservado e indiferente. Surfistas da geração de Derek sempre desconfiam do “fator moda” no surf e, apesar de eu garantir a autenticidade da Pilgrim’s, consigo enxergar facilmente Derek sentindo-se como uma foca de circo que deverá dançar para uma plateia sem noção. Na metade da minha primeira pergunta, porém, Derek toma as rédeas e vai embora. Ele faz isso durante todo o evento. Quando pergunto o que o surf já lhe ensinou, ele responde: “A nunca subestimar a água, deixar a imaginação reinar, poder deixar todas as besteiras inúteis que acontecem na terra para trás”.Nos meus 20 anos escrevendo sobre surf, presenciei um tema recorrente. Surfistas bons e carismáticos sempre tornam-se ótimos contadores de histórias. Seus corpos ficam mais gordos, seus cutbacks e batidas entortam um pouco, mas suas histórias sobre um dia perfeito em Pipeline em, digamos, 1988 ficam mais vívidas e detalhadas com o tempo. As histórias de Derek – tirando as risadas dos ouvintes – são assim. Mas ele não está nem um pouco mais gordo. E o que ele está fazendo hoje na água é muito mais inovador e interessante do que aquilo que ele fazia com 20 anos.Depois das perguntas, admiradores reúnem-se em volta de Derek. Ele arrasta-os para o andar de baixo, para a sala onde mostra suas pranchas sem quilha. Uma conversa técnica segue. Derek explica as linhas e curvas que corta no casco de suas pranchas. Percorre sua mão pelas bordas e pela base como se fosse um corpo. Com gestos animados, quase como um mímico, ele explica como ela se move pela água. “Seu pé da frente aqui, pé de trás ali… Você vai para cima e para baixo constantemente… Essa borda me dá muita aderência na cavada…” Ele realiza movimentos elegantes com a mão, parecidos com tai chi chuan.

*Essa reportagem foi publicada originalmente na HARDCORE 286 | julho/13

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