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O Surf Hoje: Parte I

Por Adriano Vasconcellos
HC #328 – 28 anos, maio/17

O surf em outro patamar, revolucionário, ditando regras de comportamento. No Brasil, surfistas viraram pop stars e Gabriel Medina um ícone marcante dessa década, tanto dentro como fora d’água.

Grandes patrocinadores enxergaram o surf como padrão de saúde e qualidade de vida, busca maior dos dias atuais, e as grandes mídias introduziram o esporte em suas coberturas; impressas, eletrônicas, digitais. A interação nunca foi tão grande.

O surf virou desejo de consumo da nova geração e um escape da rotina maçante, e a veia esportiva faz parte agora do cotidiano.

Enquanto isso, a crise econômica que assola o país de forma cruel abalou também a indústria segmentada, que tem se reinventado para superar a massificação horizontal e os tempos difíceis para os negócios.

Novos tempos, novas interpretações, novos hábitos de consumo.

No aniversário de 28 anos de HARDCORE, fomos buscar as opiniões, correntes de pensamentos e visões de personagens distintos em suas importância e ações, para saber como está o surf hoje, com a busca incessante por um futuro melhor. 

Leia abaixo a primeira das quatro partes da reportagem.

 

Sobre o surf como influência do comportamento jovem
PEDRO SCOOBY

Surfista de ondas grandes

Foto: Luiz Blanco

Vou ser bem sincero. Acho que a forma que o surf está influenciando os jovens… tem uma maneira muito legal, muito verdadeira e muito positiva. Mas tem um outro lado que eu não gosto. Vou começar pelo lado bom.

O surf nunca foi visto com tão bons olhos, de verdadeiros atletas e muito bem sucedidos, com uma imagem limpa e moderna.

Hoje em dia eu vejo os pais colocando os filhos para pegar onda. Esse é um lado incrível que eu dou muito valor, pelos atletas que lutaram e batalharam para chegar nesse lugar que o surf está agora, de profissionais com ótimos salários. Inclusive, esse é o caminho que eu busco, de ser um atleta preparado, dedicado e bem-sucedido. 

Mas tem um outro lado que não me agrada muito. É que eu acho que o surf ficou careta. O surf ficou muito careta. O surf que me influenciou não é o surf de hoje. Estou falando de lifestyle.

Estou falando que eu cresci assistindo os filmes de caras super estilosos, loucos, diferentes, inovadores. E conforme o surf foi crescendo ele foi encaretando. Eu posso dar o exemplo de um esporte que anda muito do lado do surf, que não aconteceu a mesma coisa, o skate – super atletas, ótimos salários; mas os moleques continuam com o mesmo life style, formadores de opinião, bem sucedidos, influentes na sociedade com uma identidade muito forte.

Na balança, eu fico muito feliz por essa geração do surf ser tão querida pelos jovens, que foram contaminados por essa vibe boa, e que, de certa forma, desconstruiu um preconceito do passado. Antes, “sem futuro”. Agora, “promissores”.

 

Sobre o crescimento dos boardsports
NICOLE PACELLI
Campeã mundial de Stand Up Wave e da ISA (2013)

Foto: Sergey Shakuto/Red Bull Content Pool

O crescimento do stand up trouxe várias pessoas diferentes para dentro do mar, pessoas de todas as idades começaram a remar e acabou virando um esporte para família toda.

Isso é muito legal, sinônimo de diversão dentro d’água, sem contar que é uma ótima atividade física e mental.

O stand up trabalha muito o abdômen, pois o praticante está instável o tempo todo, e atinge toda a complexidade muscular do corpo.

As mulheres também tiveram grande acesso ao esporte por meio do SUP, que aliou a prática às atividades na academia.

Resultado: mais praticantes, mais vida saudável em contato com natureza, consequentemente, mais equipamentos vendidos e consumo, e é isso que faz a roda girar, sem preconceitos.

 

 

 

 

Sobre a proposta da WSL e a profissionalização do surf competição
ANDRÉ GIONARELLI
Analista da transmissão em português da WSL

Foto: Arquivo Pessoal

Nos últimos anos o surf competitivo viveu uma transformação gigantesca com a transição da ASP para WSL, chegou com tudo na busca pela evolução do esporte como um todo, tanto para os atletas como para tudo que envolve o circo.

No webcasting, do qual eu faço parte, as transmissões ficaram mais profissionais com todas as línguas centradas em um único objetivo: realizar a mais incrível experiência de conexão com os seguidores do surf. 

A WSL, que tem origem americana, tem uma imensa curiosidade sobre os surfistas brasileiros, principalmente para entender o nosso comportamento para nos deixar totalmente à vontade no Tour.

É uma empresa que respira cem por cento surf com visão ampla no grande público. Prova disso, é que hoje a NBC americana apresenta programas de 1 hora sobre o World Tour, assim como acontece na Fox da Austrália e também aqui no Brasil com muitas entradas na Globo. A meta é fidelizar os adeptos em torno do Mundial e também atingir o público de não surfistas e fazer com que se apaixonem por esse esporte que é tão apaixonante.

O público cativo está gigante, principalmente depois da conquista do Gabriel Medina, que trouxe um número muito grande de novos seguidores. Durante as transmissões trabalhamos a informação do “be-a-bá” do esporte para que todos entendam com facilidade as manobras, as regras, as análises dos juízes, tudo com uma função didática, para que todos aproveitem a disputa.

Para nós da WSL, focamos em duas moedas, o surfista hardcore e o leigo, que começou a se interessar pelo surf como esporte, muitas vezes não se importando mais com o lifestyle que, por exemplo, faz parte naturalmente da vida do brasileiro.

 

Sobre a relação da música com o surf
MARCELO BERALDO
Produtor cultural, sócio do Grupo Vegas

Foto: Arquivo Pessoal

Como um surfista está se relacionando com a música? Essa foi a pergunta que me fez olhar para o teto por dias em busca de uma resposta. Verdade seja dita, fiz algumas “quedas” e ouvi muita música boa neste interim. A minha conclusão é que os surfistas têm relação com a música em um nível mais elevado.

Li no excelente livro The Mind’s Sky que, se eventualmente algum extraterrestre nos perguntasse do que o ser humano mais tem orgulho, a resposta deveria ser “do esporte”.

Através do esporte, transcendemos nosso instinto primitivo, beligerante de sobrevivência animal. Bem, se é isso, o que dizer de um esporte onde o “campo” já existia antes mesmo do “jogo”? O surf nos conecta com algo maior, que não conseguimos explicar, mas certamente sentimos.

E o que a música tem a ver com isso? É exatamente este o efeito, a conexão com algo além de nossa própria existência. Se Deus existe, ele deve ter desenhado o surf desde o momento em que criou o universo. É ali dentro da água (ou em um show de uma banda favorita) que estamos unos com Ele.

Surfistas podem ser céticos ou o que for, mas assim como músicos, desconfio que somos muito espirituais. Não é possível surfar direito se não nos deixamos fazer parte da natureza.

E assim os surfistas usam as ferramentas surf e música para ascender, o que os torna muito mais do que “apenas” humanos.

 

Sobre o surf como carreira profissional
CHARLES SALDANHA
Treinador de Gabriel Medina, campeão mundial de 2014

Foto: Caio Palazzo

No histórico do esporte, um jogador de futebol ganha hoje muito mais do que há 30 anos. Um jogador de voleibol, idem. Hoje, as empresas investem mais no esporte do há 20, 30 anos. Percebe-se que o esporte se profissionalizou e não foi diferente com o surf que é radical de evolução constante, notório por romper parâmetros.

No surf, há pouco mais de 10 anos não tinha aéreo, não tinha backflip, não tinha combinação de manobras, agora tem. E a seu favor tem o flerte com o perigo, como, por exemplo, que, para enfrentar uma onda grande e de volume, o surfista tem que desenvolver a sua preparação e técnica.

Li alguns artigos onde correntes de pensamentos avaliam que o perigo impulsiona o esporte para a evolução, e eu estou de pleno acordo com essa afirmação. E nesse aspecto, o surf evoluiu muito acima de todos os outros esportes.

Também teve o fato determinante no Brasil, que foi o título do Gabriel. Não tínhamos ídolos unânimes, hoje temos. Graças a Deus esse ídolo é o meu filho. E o brasileiro tem essa relação de proximidade com o ídolo. Ele compra, vai junto, abraça.

Considero o ano de 2014 [com o mundial do Gabriel] como uma virada. E logo na sequência veio o Mineiro [Adriano de Souza], que mostrou muito profissionalismo. Criamos os nossos ídolos, agora é seguir com o trabalho. 

Você ver o Gabriel e a turma dele surfando, é uma referência esportiva realmente nova, que chama a atenção dos patrocinadores que buscam tendências na nova geração. Quanto mais bons profissionais aparecerem, mais empresas vão entrar no surf e consolidar esse momento. Quanto mais dinheiro de investimento, mais bons profissionais vão estar dentro do surf, gerindo um negócio muito mais profissional.

 

Sobre a surfista como espelho de estilo e qualidade de vida e o momento do surf feminino
CLÁUDIA GONÇALVES
Freesurfer profissional, ativista, aspirante a big rider

Foto: Manoela D’Almeida

Eu vejo que falta muito incentivo e apoio ao surf feminino, principalmente na formação de base, que vemos existente em muitas outras modalidades esportivas independentemente do sexo, mas também não posso afirmar que o Brasil é um país justo.

A formação é a base para o futuro e o Brasil não comporta essa cultura. E as meninas são simplesmente deixadas de lado e acabamos abraçando a cultura do “sou brasileiro e não desisto nunca”, tudo na raça e vontade. 

Estamos há vários anos sem circuito nacional e estadual, e isso complica a nova geração. Quando uma menina olha o cenário desfavorável, para ela ser uma surfista profissional, bloqueia na hora imaginar uma carreira. É até difícil de explicar, por que vai ser surfista profissional? Para quê? Quem vai ser o seu ídolo no esporte, o seu espelho?

Até pra nós mesmos, do jeito que está, vamos olhar pra onde pra poder inspirar outras meninas? E os próprios pais e familiares dessa garotada, que geralmente fomenta a iniciação no esporte, não se empolgam. 

Agora, uma nova tendência positiva é que o surf feminino ganhou muito mais força na mídia, que trouxe um incentivo extra fazendo o papel de fomento que deveria ser feito pelas entidades de gestão esportiva e patrocínios que acontecem por meio da competição.

Abrindo um parêntese, as mídias tradicionalmente sérias e as próprias mídias sociais ofereceram um novo oxigênio ao surf feminino, para que seja inserido no meio e tenha a chance de despontar no Brasil. E com essa força estamos ganhando uma saudável exposição, aliada a performance, saúde e qualidade de vida.

 

Sobre o surf na sociedade
RICARDO BOCÃO

Jornalista, precursor e sócio-fundador do canal Woohoo

Foto: Arquivo Pessoal

Vivi como surfista na década de 70 e no início dos anos 80 sob a Ditadura. Como a sociedade era bem careta, nos identificavam como subversivos e perigosos, por uma parte da sociedade como vagabundos, assim como eram vistos os músicos cabeludos e transgressores dos padrões do poder vigente na época. Éramos uma minoria junto dos atores e escritores, que buscavam uma boa dose de realização pessoal e qualidade de vida.

Os anos 80 coincidiu com uma forte comercialização e volume das marcas de surf e com isso os campeonatos se consolidaram, as pessoas passaram a reconhecer o surf como esporte. Foi uma verdadeira floresta de aparições e ativações envolvendo trabalho.

Na mídia, novas revistas e programas de televisão e os surfistas passaram a ser notados. Foi uma mudança radical, muito mais fora do que dentro d’água, com um movimento empreendedor muito grande.

O que aconteceu nos anos 90 e 2000 foi o aparecimento da internet e a ampliação do mercado e das competições, mas não houve grandes rupturas, apenas a ampliação daqueles frutos legítimos que foram plantados, com muita gente sonhando viver do surf. 

Já nos anos de 2010 aconteceu uma explosão intensa da popularização do surf por meio da revolução digital. O mundo mudou muito mais do que acreditavam os visionários.

No rastro, as transmissões ao vivo melhoraram muito em qualidade e dinâmica e se transformaram em show. Foi definitivamente derrubado o preconceito contra os brasileiros e, por méritos fomos, colocados como estrelas do Tour.

Hoje estamos entre as nações fortes do surf, para 400, 500 mil pessoas conectadas por dia de campeonato, com Kelly Slater, Wiggolly Dantas, Filipinho, Fanning e tubarão, surfistas de ondas grandes… 

Os surfistas viraram maiores do que os rock stars. Gabriel Medina virou um Beatle. Adriano de Souza virou um exemplo para uma multidão. Nas etapas no Brasil, 5 a 10 mil pessoas na praia.

O surf hoje virou destaque mundial, inclusive na parte filosófica onde agrega valor em toda a cadeia consumidora. Os conceitos core do surf virou espelho de conduta e entendimento para com a natureza, e isso tem deixado o mundo melhor.

Vivemos uma reviravolta maravilhosa! Mas o quebra-cabeça é muito complexo, porque existem muitas camadas de comportamento, que são sempre carregados de muito carisma, e esse é o verdadeiro diamante que colocamos na sociedade.

 

A segunda parte da reportagem (originalmente publicada na HC 328 – 28 anos) irá ao ar na terça-feira, 20/06. Fique ligado.

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