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Por que o mundo do surf odeia o Brasil?

Na foto de abre, Filipe Toledo comemora vitória no Oi Rio Pro 2015. A Brazilian Storm chegou. Crédito: WSL

Bom, galera, nesta minha segunda coluna na Hardcore, resolvi falar sobre uma coisa com a qual todo surfista brasileiro convive, seja ou não merecedor: a má fama e desprezo vindos dos surfistas estrangeiros.

Somos praticamente uma unanimidade internacional! Americanos, australianos, havaianos… Escolham a nacionalidade, amigos leitores da HC… Fora do Brasil, salvo algumas exceções, todos (ou quase todos) odeiam a nós, os surfistas from Brazoland.

Já viajei pelo mundo todo pegando onda, e sempre fiquei muito puto por ser rotulado à primeira vista como um “ser desprezível”, somente por ser brasileiro. Sou super educado e sempre tive uma ótima atitude de respeito aos outros tanto dentro quanto fora d’água. Nunca tive problema em nenhuma surftrip, mas já cansei de ficar puto com os olhares enviesados, e pelos comentários negativos e a censura prévia apenas pela capa do meu passaporte (ou pela minha cara de brasileiro, mesmo).

Sinto que estou pagando por “pecados” que não cometi. Não me enxergo de forma nenhuma como sendo parte de uma escória do surf mundial, mas parece que nós já descemos do avião com um eterno carimbo na testa: “fucking brazzo“. Sinal verde para ser odiado e ter dedos indignados apontados em nossa direção.

Mas até que ponto a péssima reputação do surfista made in Brazil é culpa dos outros? Até que ponto a culpa é nossa? Alguém tem culpa nessa história?

Já fazia um tempo que eu queria falar sobre isso.


O PASSADO

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Cena cada vez mais rara para os gringos. Picos vazios (ou sem brasileiros). Gnaraloo, Austrália. Crédito: Russell Ord

Historicamente, australianos, havaianos e americanos foram os precursores das viagens de surf ao redor do mundo. Nos anos 50, 60 e 70, foram esses caras que descobriram e desbravaram a maioria dos novos picos de surf. Américas, Europa, Oceania. Não poderia deixar de ser, afinal. O surf é um esporte que se desenvolveu nesses países anos antes de se massificar para o resto do mundo. Além disso, como países mais ricos e desenvolvidos, sempre foi mais fácil para os jovens surfistas de lá, principalmente os americanos e australianos, viajarem para pegar onda.

Décadas atrás, a quantidade de surfistas brasileiros viajando mundo afora era infinitamente menor que nos últimos anos. Mas o surf cresceu muito no Brasil. Nosso clima e vasto litoral ajudaram o esporte a cair no gosto da juventude. A quantidade exponencial de novos praticantes nas últimas duas ou três décadas fez com que, estatisticamente, muito mais brasileiros caíssem na estrada e se mandassem pra surfar mundo afora.

E aí, meus caros, o bicho pegou. Passamos de alguns poucos viajantes nômades, sempre minoria em qualquer lineup mundo afora, para uma horda de malucos com cara de conquistadores querendo pegar a onda da vida naqueles breves dias de nossas tão sofridamente conquistadas duas semanas de férias anuais.

Normalmente, americanos e australianos costumam viajar em grupos pequenos. Hoje em dia, muitas vezes, somos maioria no mar. O surfista gringo viajante não estava acostumado a disputar onda com aquele novo frequentador, com hábitos, idioma e costumes tão diferentes, impregnando no outside.

E foi aí que as diferenças culturais e de posturas entre brasileiros e gringos começaram a aparecer. E gerar faíscas, discussões, porradas, preconceito e discriminação.


UMA QUESTÃO CULTURAL

Nós, brasileiros somos, sim, um povo muito expansivo. Falamos, sim, mais alto, gritamos mais alto quando pegamos uma onda boa e gostamos de viajar em grupo. Grupos grandes! Eu mesmo nunca viajo com menos de 4 ou 5 amigos. Somos latinos, porra! Sangue quente! Queremos surfar com nossos brothers! E somos diferentes (naturalmente), com comportamentos e costumes diferentes de outros povos.

Quem já viajou bastante pra pegar onda sabe o que estou falando. Coloque em uma pousada em Chicama um grupo de brasileiros, outro de americanos e um terceiro de australianos e você verá as diferenças claras entre os três, seja na hora das refeições, seja na água surfando.

Cenas de "MMA", de 2011, com o surfista francês Jeremy Flores e o havaiano Sunny Garcia, em uma briga com um surfista local da Gold Coast australiana, em Burleigh Heads. Foto: Divulgação
Cena de “MMA”, com o surfista francês Jeremy Flores em uma briga com um surfista local da Gold Coast australiana, em Burleigh Heads em 2011, que também teve “participação” do havaiano Sunny Garcia. Foto: Divulgação

A diferença cultural entre o surfista brasileiro e o gringo é, sem dúvida, um fator de separação. O idioma dificulta a comunicação, muitas vezes. É bem mais fácil para o americano, o europeu, o havaiano e o australiano se entenderem (em inglês) do que com o brasileiro no nosso português. Ainda mais quando falamos alto em português dentro d’água em picos internacionais. Mas é a nossa cultura. Não considero errado, ainda mais quando estamos amarradões pegando altas ondas.

Mas o surfista gringo, de modo geral, não enxerga nossa maneira de ser como uma coisa natural. Entre outras coisas, para eles nós somos muito barulhentos, remamos afoitos demais pro pico e queremos pegar muito mais ondas do que os outros na água.

Mas será que somente isso justifica tanto preconceito e ódio? A palavra ódio aqui parece meio forte, mas realmente é isso que transparece lá fora. O brasileiro é, frequentemente, detestado quando viaja pra pegar onda.

Mas com razão? Sim, infelizmente, com uma boa dose de razão.


A (FALTA DE) EDUCAÇÃO

Há a questão histórica que faz a comunidade do surf internacional torcer o nariz pra nós, os invasores brasileiros? Claro que há. As diferenças culturais também afetam o modo como somos rotulados? Claro que sim. Mas amigos, infelizmente nós brasileiros damos, sim, muito motivos para termos o título que recebemos. Nos falta a tão importante, tão necessária e fundamental educação.

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Quem não se lembra da rabeada de Medina em Jordy Smith? Foi em uma sessão de treinos, antes do início do Fiji Pro. Crédito: Reprodução

Vídeo da rabeada AQUI.

Nós, brasileiros, somos, sim, mal educados e folgados. Demasiadamente. É o famoso e escroto jeitinho brasileiro de querer levar vantagem em tudo que nos acompanha como uma sombra.

E que vai desde nossa corrupta classe política, ao sujeito que fura a fila do caixa no banco, ao cara que para o carro em fila dupla atrapalhando o trânsito, ao surfista brasileiro que não pode esperar sua vez na fila do lineup em Macarronis ou em Punta Rocas.

A falta de educação, essa que é uma das piores características de nossa sociedade, se reflete e se perpetua no surf, assim como em tantos outros cantos. Somos um povo, basicamente, mal educado.

Já cansei de ver vários compatriotas se comportando muito mal por aí afora (óbvio, há muitas exceções). Mas nós, brasileiros, damos motivo para sermos rotulados lá fora de a nação de pior atitude e mais odiada do surf mundial.

Mas calma lá. Não nos vejo como os únicos párias enquanto os gringos são santinhos e pobres coitados, assediados pelas hordas de selvagens brasileiros na luta por uma onda da série. Eu mesmo já testemunhei várias situações em minhas viagens em que americanos ou australianos deram exemplos de falta de civilidade.

Mas permita-me, a nossa (má) fama aumenta a cada temporada de ondas na Indonésia, México, Peru…


QUESTÃO DO RECALQUE

Mas o problema não é só a história; o sucesso do surf brasileiro também incomoda.

Vejam como as coisas mudaram nas últimas décadas no cenário internacional. Desde a época dos solitários desbravadores, competidores verde amarelos do final dos anos 70 e anos 80, passamos de patinhos feios, sub equipados e surfistas de 2º categoria aos protagonistas do circuito mundial. Não somos mais uma classe de surfistas inferiores. O que antes era raridade ou acidente de percurso, agora é a regra. Brasileiros vencedores. Em quase tudo.

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Gabriel Medina em Snapper Rocks. Foto: WSL

Conquistamos o título mundial do CT nos dois últimos anos em sequência. Mundial Pró-Junior, WQS, Rookie of The Year; podem escolher. A maioria dos surfistas mais promissores e apontados como os caras que vão dominar o surf mundial nos próximos anos é brasileira. Nosso protagonismo, definitivamente, não era esperado pela orgulhosa turma lá de fora. E não tenham dúvida, nós não somos engolidos facilmente.

Que tal comparar nossa década atual com os anos 80? Que surfista profissional brasileiro aterrorizava nas competições do circuito mundial durante a geração Curren-Carrol-Occy-Potter? O que vencíamos?

Uma quarta de final em um Hang Loose 87 na Joaquina era motivo de orgulho máximo e melhor resultado de um atleta brasileiro no ano todo na finada ASP.

Hoje em dia, os Kolohes Andinos e Jacks Freestones, esperanças (?) estrangeiras de sucesso no tour, é que dormem aterrorizados e acordam no meio da noite quando sabem que vão competir com os Medinas e Toledos no dia seguinte.

Nosso sucesso incomoda, sim, desde o competidor ao freesurfer estrangeiro, e incomoda muito a mídia gringa (falarei mais da mídia aqui à frente). E esse incômodo se reflete em recalque, que estimula ainda mais o preconceito contra o surfista brasileiro.


A MÍDIA GRINGA E A INTERNET

Ah… a mídia internacional de surf (ou surfing media, como eles chamam). Não se iludam, não é do interesse da mídia estrangeira que o esporte tenha ídolos brasileiros em âmbito global.

Garanto a vocês que NENHUM editor de revista ou site lá fora ficou feliz com os títulos mundiais de Gabriel Medina e Adriano de Souza. Pra esses editores, jornalistas e fotógrafos, seja por razões mercadológicas ou apenas nacionalistas, dois mundiais seguidos vencidos por brasileiros foram um pesadelo. No mundo ideal da mídia gringa, esses títulos deveriam estar, por exemplo, com John John Florence e Julian Wilson. Os queridinhos.

E esse ranço de boa parte da mídia internacional incentiva o preconceito, muitas vezes de forma velada, outras nem tanto. Apenas como exemplo rápido, sites como The Inertia e Surfline já publicaram várias matérias absolutamente preconceituosas e parciais contra o surf e o surfista brasileiro. Lembro de uma cobertura oficial de uma etapa brasileira do circuito mundial no Surfline que foi até retirada do ar um dia após sua publicação, tamanha a repercussão negativa sobre a abordagem agressiva e preconceituosa contra o Brasil.

O fato é que, se é verdade que a imprensa forma opinião e tendências, muitas opiniões negativas sobre nós, brasileiros, foram criadas mundo afora nos últimos anos. O que não ajuda em nada a mudar nossa imagem no exterior.

E a internet?? Não podia haver terreno mais fértil e tendencioso para se continuar espalhando a má fama do brasileiro. Os “haters” não perdem uma oportunidade de falar mal da gente, seja nas redes sociais ou nos fóruns dos sites da mídia citada logo acima.


Vídeo a partir dos 16″.

Um caso clássico aconteceu algum tempo atrás, no site The Inertia. Um vídeo de um brasileiro enrabando uma onda e levando um safanão de um gringo em uma esquerda da Indonésia, foi a matéria mais lida do site e se tornou um viral na Internet. Os gringos, pra variar, caíram de porrada em cima dos brasileiros. Dois dias depois, a versão verdadeira da história foi contada. O gringo era um neozelandês que estava aterrorizando e desrespeitando a todos na água, e o brasileiro, local e um cara super respeitado na Indonésia, entrou na onda para ensinar uma lição ao cara, que levou uma enquadrada pesada, ficou mansinho e passou a respeitar todos a partir daquele momento. Mas o estrago na nossa imagem já estava feito. E continua sendo feito diariamente.
TEM SOLUÇÃO? ONDE VAMOS PARAR?

Confesso, não tenho esta resposta. Alguém aí tem? Uma certeza eu tenho. A quantidade de surfistas na água não vai diminuir.

Será que com o tempo os gringos irão se acostumar ou se adaptar às nossas diferenças culturais? Será que com mais uns três títulos mundiais nas mãos de Medina e Toledo a ficha vai definitivamente cair e seremos aceitos como efetivamente parte do jogo? Será que nosso país formará uma nova geração de jovens mais bem educados, que saibam compartilhar e respeitar os recursos disponíveis para todos? E assim, a parcela desses novos jovens que se tornará surfista irá ajudar a melhorar nossa imagem lá fora?

Bem, para reflexão encerro com um relato de uma das experiências mais bacanas de minha vida no surf. Uma sessão no reef break de Playgrounds, no sul da Nicarágua, há pouquíssimos anos atrás – 4 a 6 pés de esquerdas de cinema, vento terral fraco e nem uma gota d’água fora do lugar.

Eu e um grupo de 5 grandes amigos brasileiros chegamos de barco (única forma de acesso ao pico) às 7:00 da manhã. Já haviam 3 caras da Flórida surfando. Quando pulamos na água, dava pra ver a expressão de angústia nos apavorados americanos, freeesurfers que não tinham um nível muito alto de surf. Pensaram fácil: “Acabou nossa sessão. Seis brasileiros de uma vez!”.

Eu e meus amigos, todos surfistas bem viajados e fissurados, cumprimentamos os americanos um a um e os respeitamos, mesmo sendo naquele momento melhores surfistas e estando em maior número no lineup.

Dividíamos as ondas numa boa quando, uns 50 minutos depois, chega um terceiro barco com 8 (!) havaianos do North Shore, que pularam na água imediatamente.

Bem, o que tinha o potencial pra ser um estresse geral e mais um incidente diplomático de brasileiros x gringos no outside, se transformou em uma sessão de surf fantástica.

Os havaianos, rapidinho, perceberam que a vibe na água estava totalmente em harmonia, e simplesmente entraram no ritmo. Em umas 5 horas seguidas de surf, não vi ninguém ser desrespeitado dentro d’água. À noite ainda rolaram umas cervejas em Popoyo, com aquele crowd tão culturalmente diferente, celebrando um fantástico dia de surf (inclusive era o aniversário de 40 anos de um dos caras da Flórida, que ainda pagou uma rodada de cerveja pra todos).

Com certeza, dessa session esse grupo de americanos e havaianos saiu com uma ótima imagem do surfista brasileiro. E eu dos surfistas havaianos, de quem eu tinha uma péssima imagem pré-concebida por causa das histórias que sempre li e escutei do Hawaii.

Deu pra sentir a ironia?

Bom… eu guardo as fotos e a recordação desse dia até hoje, e por isso tento ser otimista. As coisas podem, e precisam, melhorar. É possível aprender a compartilhar e viver em harmonia. Esse é o caminho, e é absolutamente necessário.
jamesb

Veja também:

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