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ENTREVISTA: FILIPE TOLEDO

Por Steven Allain | HC305 – Abril/15

Após a vitória devastadora no Quik Pro da Gold Coast, Filipe Toledo tornou-se unanimidade no mundo do surf. Não houve adversário, meio de comunicação ou fã de surf competitivo que não se rendeu a uma das performances mais dominantes dos últimos anos. A maneira como o ubatubense de 19 anos atacou as ondas de Snapper – com extrema fluidez e naturalidade – fez o resto dos Tops parecem lentos e pesados. Ultrapassados até. Foi uma aula de alta performance desconcertante para os melhores do mundo (confira a análise da 1ª etapa a partir da pág. 36). Mas para os observadores mais astutos, os indícios de que Filipe iria surpreender o mundo do surf já eram claros há um bom tempo. Enquanto a fatia mais previsível da mídia especializada o rotulava como apenas um surfista de aéreos, quem entende do assunto sabia que Filipe não seria coadjuvante por muito tempo. O “surfista mais radical do mundo”, Dane Reynolds, já tinha se ligado: “Toledo é meu surfista predileto,” afirmou, o californiano recentemente. Seu patrocinador, a Hurley, ciente de que tinha um “diamante bruto” em suas mãos, arquitetou a mudança de toda a Família Toledo para a Califórnia, onde fica sua sede – numa manobra inédita no surf brasileiro. “O talento do Filipe mudou a história da nossa família,” afirma o pai e bicampeão brasileiro, Ricardo.

Durante a última temporada havaiana, poucos dias antes de brilhar no Pipe Master, e semanas antes de vencer em Snapper, Filipe bateu um papo solto com a HARDCORE sobre evolução, alta performance, família, título mundial e muito mais.

 

Você ingressou na elite com 17 anos de idade. Esperava isso tão cedo?

Na verdade, não esperava ter entrado tão cedo. Muita gente fala que é ruim entrar cedo, pelo fato de não ter experiência, de não estar com o físico formado e toda essa coisa. Mas, para mim, acho que foi o contrário. Foi bom. Entrei e evolui bastante, tanto como atleta quanto pessoa. Quando entrei, muita gente questionou se não era cedo demais. Mas não devo nada a ninguém. Pensei: “vou entrar e fazer meu surf, fazer o que gosto de fazer”. Acabou que deu certo.

Chegou a se formar no colégio antes de entrar? Qual é a importância disso?
Terminei a escola lá no Brasil. Mas é difícil para um surfista de olho no Circuito Mundial terminar os estudos. É tanta viagem, tanto campeonato, que o moleque até desencana da escola. Eu sempre fui assim também. Nunca fui chegado na escola, mas meus pais sempre pegaram no meu pé, porque a carreira do surfista é muito curta – todo mundo sabe. E algum dia a gente vai precisar – se Deus quiser, tomara que não – de um trabalho fora d’água, de alguma coisa, de repente fazer faculdade – e para isso tem que ser formado na escola. A real é que ser um surfista burro não rola. Tem que ao menos ser formado no 2o grau.

Nesse último ano, em suas entrevistas, seu inglês melhorou muito, está totalmente à vontade. tem feito aula ou aprendeu naturalmente?
Só quando estava começando a viajar que fiz algumas aulas particulares, mas só durou um mês e meio, por causa das viagens. Mas acho que aprendi pelo fato de viajar muito. Nos meus primeiros anos no Hawaii, quando era da Billabong, fiquei hospedado com os moleques gringos – não tinha nenhum brasileiro, então tive que me virar para falar inglês. Fui aprendendo na raça. Agora esse tempo que estou na Califa já ajudou bastante. Senti que evolui bastante só de morar lá nos últimos dois, três meses.

Você mudou com a família toda para a Califórnia. Por que viver lá é melhor do que viver no Brasil?
Pelas oportunidades. Como todo mundo sabe, a Califórnia é o centro do surf mundial, onde estão e foram fundadas muitas das marcas. Também pelo fato de falar inglês, de estar ao lado dos meus patrocinadores e da mídia gringa, que é muito forte. E uma qualidade de vida melhor para mim e para meus irmãos, que estão em escola americana – fazer faculdade nos Estados Unidos não tem comparação. É um privilégio, um passo a mais. São oportunidades que a gente não tem no Brasil.

Como você se sente ao poder proporcionar tudo isso para sua família?
Sem dúvida acho que sou o cara mais feliz do mundo, por usar meu dom para ajudar minha família, meus irmãos, meus pais, minha mãe, a ter uma vida melhor. Claro, a gente nunca passou necessidade ou fome, graças a Deus. A gente sempre foi “bem sucedido”, mas ter essa oportunidade agora é muito bom. Estar com minha família morando nos Estados Unidos, conhecendo uma nova cultura, ter meu pai viajando do meu lado, é muito bom.

Filipe Toledo, wild free. Foto: Henrique Pinguim

 

Você cresceu na sombra do seu pai, que é bicampeão brasileiro. Ele não é apenas um ex-competidor, tem muita história no surf brasileiro. Como foi a influência dele nesse caminho? Como é a relação de vocês?
Acho que dos quatro filhos que ele teve com a minha mãe, eu sou o mais competitivo no surf – porque em casa a competitividade é a mil, até para atender o telefone neguinho aposta corrida. Mas acho que no surf fui o cara que mais gostou de competir, de vestir a lycra e fazer o melhor. Puxei isso dele, porque sempre foi um cara muito guerreiro, muito determinado, que sempre quis buscar seus objetivos. Hoje ele está viajando comigo. É muito bom tê-lo ao meu lado, passando toda sua experiência para mim. Tudo que ele já viajou, ele está viajando de novo. Graças a Deus, estou conseguindo proporcionar a ele conhecer lugares novos também – como aqui no Hawaii. Ele nunca tinha vindo para o Hawaii, acredita? Veio a primeira vez ano passado, depois de quarenta e tantos anos. Ele me ajuda muito com toques sobre pequenos detalhes, como qual quilha usar, ficar esperto com a correnteza, como o mar muda com qual maré, o posicionamento em uma bateria, ler o adversário, essas coisas. Com os 19 anos que tenho, acho que já aprendi muita coisa com ele. Tem muito cara mais velho do que eu, que teve que aprender na marra. Tenho uma carta na manga que é o meu pai (risos).

Com que idade você percebeu que estava surfando melhor que ele?
Caraca, difícil. O tiozinho está quebrando até hoje (risos).

Mas em algum momento você deve ter virado para ele e falado: “Po, pai, estou surfando melhor que você” (risos)?
Cara, nunca cheguei a dizer isso para ele (risos). Mas até meus 16 anos, ele ainda competia e destruía, surfava muito. Eu falava: “Cara, como pode, ele ainda continua quebrando!” Mas agora ele deu uma parada, não está surfando direto. Está viajando comigo para cima e para baixo, não tem muito tempo de surfar, porque filma minhas sessões e já vai almoçar, depois volta para filmar o surf de novo. Acho que agora estou um pouquinho à frente dele (risos). Mas em Bali, no ano passado, ele deu trabalho para mim, pro Alejo e pro Miguel.

Você é conhecido pelo surf progressivo. Reconhecido como um cara que, quando entrou no WCT, não deixou de ter um surf livre, mesmo nas baterias. Como mantém essa espontaneidade? Deve ser muito tentador fazer um surf feijão com arroz e passar uma bateria, em vez de ir lá e arriscar tudo.
Cara, eu sempre fui assim. Sempre fui muito – sei lá, não sei se posso dizer, abusado. De ir e arriscar as manobras que eu tenho vontade de fazer. Uma coisa meu pai sempre me falou: “Vai lá, se diverte, tenta o que tiver afim de tentar; se errar, volta e tenta de novo”. Então eu ponho isso na minha cabeça. É o que me faz sentir tranquilo. Fazer meu surf, fazer o que sempre fiz, que é entrar lá e arriscar mesmo. Mas, claro, no WCT tem todo um lado estratégico. “Não deu certo isso, vou para o plano B.” Aí faz o arroz com feijão para poder garantir. Se você ainda não tem uma bateria construída, está precisando de nota, vai e arrisca – e isso dá mais confiança.

 

Hoje você é considerado um dos maiores aerealistas do mundo, principalmente do Tour. Como você vê o futuro do surf aéreo e o que ainda gostaria de fazer?
O surf de aéreo hoje em dia está em um nível impressionante. Mas a galera do WCT não está liderando essa evolução. O Kelly acertou um 720o, o Gabriel é um dos melhores do mundo em aéreo… Mas você vê os caras que surfam só para isso, para dar aéreo, inovarem muito mais. No Brasil mesmo nós temos muitos desses. Muitos. Outro dia vi o (Rodrigo) Generik, por exemplo, acertar um flip – acho que o foi primeiro brasileiro, se não me engano. Um moleque que me inspira é o Ícaro Rodrigues, do Guarujá. Ele é bizarro. O nível hoje é tão sinistro que não sei aonde pode parar, aonde pode chegar. Espero um dia também acertar uma manobra como a do Kelly, de duas rotações (risos).

Quem você considera seus maiores adversários hoje no WCT?
Todo mundo lá dentro gosta de ganhar do Kelly (risos). Imagina você falar para a galera que ganhou do 11 vezes campeão do mundo? Acho que não tem preço. Mas acho que, lá dentro, todo mundo é adversário. Não tem essa. Entrou na água, virou inimigo. É difícil falar só um. Mas quem mais gosto de vencer é o Kelly.

No ano de 2014 você ganhou o WQS, mas ficou em 16o no Tour. Teu melhor resultado foi um quinto. O que falta para começar a ganhar uma atrás da outra no WCT, como aconteceu em Snapper agora… Se é que falta alguma coisa?
Falta, claro que falta. Se não está acontecendo, é por que falta alguma coisa ainda? De repente, mais experiência em ondas como Fiji, Tahiti, Pipe. Porque de equipamento eu estou muito bem. Minhas pranchas estão muito boas – as Sharp Eye estão voando. Já tenho todo o suporte do meu patrocinador, da minha família, do meu pai. Acho que falta um pouco mais de experiência mesmo e viajar – ir lá e arriscar. Uma hora eu acerto. Uma hora vem. Como aconteceu em Snapper – deu tudo certo. Acho que minha confiança mudou, a etapa de Snapper mexeu comigo.


Filipinho em seu novo “quintal de casa”. Foto: Marcio Canavarro

Você mudou da Firewire para a Sharp Eye. Porque a troca de equipamento? O que essa relação com o Márcio (Zouvi, shaper da SharpEye) trouxe de bom?
As pranchas da Firewire estavam andando muito, tanto que classifiquei para o WCT com as pranchas da Firewire, competi o ano de 2014 todo de Firewire, tive dois quintos no ano. Tive os melhores resultados da minha vida de Firewire. Mas mudei porque em certas condições sentia falta de uma prancha normal. Em condições com muito vento, mares mexidos, a Firewire ficava muito arisca, pulando muito na superfície. No meio do ano passado testei duas Sharp Eye e elas foram muito bem. Chegou nesse ano no WCT e conversei com o Márcio: “minhas pranchas já não estão mais andando como estavam no começo do ano. Tem como fazer duas para mim, para eu testar e ver se é realmente isso que estou sentindo?”. Ele fez duas pranchas e na primeira queda vi que elas eram mágicas, voaram. Tanto que competi na Europa com elas. A partir daí a gente foi conversando. Chegou no fim do ano aqui no Hawaii, quebrei meu contrato com a Firewire e fechei com eles. Já estava totalmente nesse processo de querer mudar para a Califórnia. Uma relação muito mais próxima. Ele está em San Diego, eu estou em San Diego. Vou direto na fábrica, a gente conversa. Tanto que já fizemos meu modelo de prancha, a Holy Toledo.

Você ganha royalties por essas pranchas?
A gente montou um “esqueminha” lá, mas sinceramente eu não sei muito. Quem sabe é meu pai. Mas acho que ganho alguma coisa, sim. Também ganho um salário da Sharp Eye. Minha relação com o Márcio é muito melhor do que tive com todos os outros shapers que usei. Acho que isso só acrescenta profissionalmente na vida do atleta. O Márcio é muito atencioso. Vai na praia para me ver surfar. Leva cinco, seis pranchas diferentes.  É bom ter o shaper do lado.

Você parece ser um cara bem feliz, que está curtindo essa fase da vida. A gente vê muito atleta que bota um objetivo na cabeça e não fica feliz até chegar lá. Às vezes é importante estar feliz no caminho – e me parece que isso você já conseguiu. Mas qual é seu grande objetivo? É ser campeão mundial?
Espero sim ser campeão do mundo um dia. Vou treinar muito pra isso. Mas, claro, como você falou, mantendo a felicidade durante todo esse caminho, sem perder carisma, humildade, nada disso. Se não tiver isso, você não consegue chegar lá. Uma das coisas importantes é ser feliz, aproveitar o momento. E sei o quão sortudo eu sou. Minha vida não poderia ser melhor. A gente está viajando o mundo, fazendo o que ama, em lugares paradisíacos, pegando ondas perfeitas. Acho que não tem trabalho melhor do que o nosso.


Holy Toledo nesta temporada havaiana, em Rocky Point. Foto: Henrique Pinguim

Quem hoje inspira você no surf?
Um cara que eu pago um pau é o Mick Fanning. O cara é um exemplo de pessoa, um exemplo de profissional, um cara que treina muito, é muito focado. Gosto muito de vê-lo surfando. Gosto muito de trocar ideia com ele. Eu chego, pergunto, falo, quero saber tudo dele. Ele é sinistro. Ele é um dos caras em que me inspiro muito hoje em dia. Mas é claro que tem todos aqueles caras dos aéreos que eu gosto de ver também.

Quem são seus maiores parceiros no Tour?
Mais os brasileiros. A gente está sempre viajando junto, principalmente o Miguel e o Alejo. Assim, não tem preferência. Só digo isso porque a gente está viajando junto, com o mesmo patrocinador. Mas a amizade é a mesma com todos os brasileiros. A gente sempre troca ideia, combina de ir surfar junto, jantar junto. Estamos sempre juntos. Mas de gringo, o Mick é um cara muito sangue bom. Sempre troca ideia comigo, sempre vem falar, cumprimenta. O Michel Bourez também. O Brett Simpson. São todos caras muito gente boas. Caras que dão atenção, humildes.

Quem você vê, da nova geração brasileira, como um grande talento?
Na minha opinião, um moleque que está destruindo muito em todas as sessões de surf, que está bombando na mídia gringa, está bombando na mídia brasileira, em todos os filmes de surf que está saindo na internet, é o Yago Dora. O moleque está… Sem palavras. O moleque é bom de tubo, bom de aéreo, bom de manobra, tem um estilo animal. Na minha opinião, ele é um dos melhores de toda essa molecada.

O que você acha que poderia melhorar no teu surf?
Acho que posso ter mais força. Ganhar mais massa e ficar com um surf mais pesado, mais sólido. De repente, um surf mais de borda também. Tem alguns momentos que os juízes ou a onda exigem mais um surf de borda, e eu ainda estou pecando um pouco nisso. Mas estou treinando bastante. Cada dia querendo evoluir. Acho que é só uma questão de tempo para no futuro isso se ajeitar.


Durante a vitória soberana no Gold Coast Pro deste ano, primeira etapa de WCT que o ubatubense levou. Foto: Sherman

Você é muito crítico consigo mesmo?
Cara, sou. Meu pai está sempre me filmando. Já saio do mar, ponho no computador e vejo na hora como surfei. Já imagino como posso melhorar alguma coisa, de repente algum aéreo. Vejo a rotação: “Tenho que rodar assim”. Na outra queda já caio e rodo de outra forma, que começa a sair mais fácil, já começo a acertar. A rasgada também: “entrar mais no olho da onda e puxar até a base”. Então acho muito importante me ver surfando, ter meu pai filmando. Isso só vai me fazer evoluir.

Você disse que o cara que você tem mais satisfação de ganhar é o Kelly. Mas e um cara que é azedo de ganhar numa batera?
Para mim tem quatro. Mick, Kelly, Joel e Gabriel. São os mais embaçados, que em qualquer condição dão show.

Mudando de assunto, você está namorando?
Solteiro (sorriso).

Tem muita distração no Tour, ou você é um cara que consegue separar bem essas paradas?
Cara, se eu falar que não tem, estou mentindo (risos). Mas eu consigo separar a hora de dar uma zoada da hora de focar. Sei muito bem os momentos. Mas meu pai está sempre do lado, puxando a orelha direto, então não tem como vacilar na hora que não pode (risos).

Estava conversando com o pessoal da Hurley e eles estão amarradões em tê-lo na equipe. De quanto tempo é seu contrato? Como você está na marca?
Toda essa mudança (para a Califórnia) aconteceu também por eles terem ajudado a gente. Deram total apoio para toda a família. Ajudaram a mobiliar toda nossa casa. Cara, sem palavras. Eles estão fazendo um trabalho animal, para cuidar de uma equipe tão grande como eles têm. Cuidar de tantos atletas com o mesmo suporte é muito difícil – e acho que eles estão conseguindo fazer isso. Os caras são muito bons no que estão fazendo. É a equipe que mais tem atletas no WCT hoje em dia. Renovei por mais cinco anos com a Hurley. Vou ficar lá até quando eles quiserem.

Para finalizar, o que é a melhor e a pior coisa de estar no Tour?
A melhor coisa é viajar para lugares incríveis, um mais lindo do que o outro. Conhecendo culturas novas, pessoas novas. Isso é muito bom. A pior coisa é ficar longe da família, longe de casa. Saudade da mãe, dos irmãos. Saudade da comida. E claro, de casa. Acho que não tem lugar melhor que nosso cantinho. Mas as coisas mudaram um pouco em relação a isso, e só posso curtir essa fase de 2015.

Esta entrevista foi originalmente publicada na HARDCORE de abril de 2015, edição 305

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