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Felipe Silveira: Entrevista

 


Felipe Silveira, CEO da Rip Curl no Brasil. Foto: Caio Palazzo

“A Rip Curl tinha como missão formar o primeiro campeão mundial brasileiro. Conseguimos. E isso é só o começo.”

Essa foi umas das mais marcantes declarações de Felipe Silveira, CEO da Rip Curl no Brasil, nesta entrevista que começou dias depois de Gabriel Medina vencer a etapa de Snapper Rocks, na de abertura da ASP em 2014, realizada na Gold Coast, Austrália. O desenrolar desse papo de alto nível, guardado com muita discrição até agora, foi acontecendo ao longo deste ano junto dos eventos do World Tour, com aquele misto de explosão de alegria e frio na barriga para quem torceu desmedidamente a cada onda surfada por Gabriel, até o sonho maior da conquista que se revelou em Pipeline, no Hawaii.

 

Por Adriano Vasconcellos
Esta entrevista foi publicada originalmente na HARDCORE 303, de Janeiro/Fevereiro, "Especial Gabriel Medina Campeão Mundial".

  

Nascido em Porto Alegre, Felipe, hoje com 47 anos, começou a surfar em 1978, nas praia do Imbé. Três anos depois vencia, na praia da Guarita, o primeiro campeonato gaúcho da categoria mirim. A vitória foi o incentivo principal para toda uma vida dedicada ao surf. Virou surfista profissional e precedeu a geração de Teco e Fabinho ao correr o mundial e competir por mais de dez anos. Viajou o mundo em busca de ondas e aprendizado, continuou firme nos estudos e na atuação de mercado, sempre ligado ao esporte e evoluindo a cada ano. Nesse meio tempo, com muita visão e legitimidade, levou a sede da Rip Curl para o Guarujá e formou um case de sucesso. Hoje, com sólida experiência nos negócios e olhar clínico para vislumbrar novos talentos, Felipe Silveira, que carrega o feito de ser o primeiro (ex) surfista profissional a dirigir uma empresa multinacional de surfwear no país, conseguiu realizar o compromisso da marca no Brasil. A entrevista recomeça com as imagens de Gabriel Medina rodando o mundo ao levantar a taça de campeão mundial na praia de Pipeline – com as palavras de Felipe Silveira: “A Rip Curl tinha como missão formar o primeiro campeão mundial brasileiro. Conseguimos. E isso é só o começo”. 


Felipe Silveira, à esquerda, e, à direita, Adriano Vasconcellos, diretor editorial da HARDCORE. Foto: Caio Palazzo

HARDCORE: Felipe, como a origem no surf preparou você para dirigir a Rip Curl no Brasil?

FELIPE SILVEIRA: Preparou completamente, formou o meu caráter. Comecei a surfar muito cedo e logo me interessei pelas competições. Participei de um campeonato mirim na praia da Guarita, a mais tradicional do surf gaúcho, e venci. E o legal foi que a vitória veio com um surfista nem de Atlântida nem de Torres, as grandes capitais do surf gaúcho. Foi uma grande surpresa até para mim mesmo, e o incentivo principal para fazer carreira dedicada ao surf profissional.

Eu estudava na capital e ia surfar aos finais de semana, e pelo menos até o segundo grau foi assim; conciliando a praia e os estudos, esticando férias e feriados.

Quando terminei o segundo grau dediquei mais tempo ao surf e comecei a faturar vários eventos gaúchos. Sendo do Sul, eu tive que me esforçar muito para acompanhar os surfistas paulistas e cariocas. Me lembro com orgulho que venci um importante evento nacional amador na Joaquina (Florianópolis/SC), e que fiz uma final em Itamambuca (Ubatuba/SP) em 1986 contra Fabio Gouveia, Wagner Pupo e Piu Pereira. E me mantive por um bom tempo entre os Top 10. 

Embarquei em uma surf trip para a Austrália com o Zé Paulo (hoje comentarista da ASP) e o Renan Rocha (narrador da ESPN Brasil), e fiz toda a costa do lado da Gold Coast. Em seguida fui para Bali, e aquilo mudou a minha vida. O surf é uma escola, e viajar é a maior escola que existe. 

Voltei para o Brasil, corri um OP Pro, venci o Carlos Burle na fase do homem a homem e perdi para o Jojó de Olivença. Na época o circuito brasileiro era bem forte, e a maioria dos 32 surfistas tinham chances de ser campeões.

Aí veio o Plano Collor e o dinheiro sumiu do mercado, e as etapas foram canceladas. Perdi meu patrocínio, as coisas ficaram difíceis e comecei a me dedicar à universidade de administração devido à instabilidade econômica. Tomei gosto pela profissão, já tinha uma experiência de ter morado na Califórnia e ter inglês voltado aos negócios, e me interessei de vez pela parte acadêmica.

No final desse processo, fui campeão sul-brasileiro, superando o Rodrigo ‘Pedra’ Dorneles, que começava a entrar no auge, e por ali vi que o meu ciclo como surfista profissional estava completo. Decidi seguir nos negócios, e deu certo.


Pipe Masters: Fernando Gonzalez, coordenador de marketing da Rip Curl, Gabriel e Charles Medina. Foto: Henrique Pinguim

E conviver com o surf profissional, como você começou a atuar definitivamente nos negócios?

Por eu ter um espelho junto ao Teco Padaratz e o Fabio Gouveia, competi muitas vezes contra eles no Circuito, e o fato de o talento deles ser incomparável me ajudou a enxergar que eu tinha mesmo que abandonar as competições (risos). Eu era mais esforçado, competia com inteligência e tinha uma boa estratégia de bateria, mas eles eram muito superiores dentro d’água. Vi que na troca de geração eu não tinha mais espaço como competidor. Eu queria continuar envolvido com o surf, e procurei os meus patrocinadores para representar as marcas no Sul.

Eu já vendia, na garagem de casa, blocos de poliuretano, capas de prancha, os próprios prêmios dos campeonatos; tudo para levantar dinheiro para estender as minhas viagens internacionais… Sempre tive facilidade no comércio.

O negócio foi crescendo, e abri um escritório de representação que começou com a Hawaiian Dreams (HD), Billabong e Rusty. Dois anos depois a HD comprou a licença da Rip Curl no Brasil, que na época era do Dimitrius Nassyrios, o Tucano da Star Point, e eu fui colocado para representar a marca dentro da HD, que era do Jackson Adisaka, um dos grandes empresários do segmento nos anos 1980. Eu conhecia os donos da Rip Curl por ter ido a um meeting de roupas de borracha, e eles me indicaram para ser o interlocutor da marca no Brasil. 

No primeiro ano ainda mantive o escritório em Porto Alegre; na época a Rip Curl era uma estrutura pequena dentro da Surf Land (HD), e o nosso mercado tinha a peculiaridade de as marcas gringas serem preteridas pelas nacionais, que vendiam muito mais. Eu enxerguei toda a solidez de uma marca feita por surfistas para os surfistas, fechei o escritório e centralizei meu foco na Rip Curl.

Conte um pouco sobre essa transição dentro da empresa. 

Eu atuava como gerente de marca e cuidava de tudo, produto, marketing, comercial, logística, mostruário, equipe, um faz-tudo. Foi bacana porque aprendi a atuar em todas as áreas da empresa que foi se estruturando.

A Rip Curl começou a crescer dentro da Surf Land, e isso gerou um conflito entre os valores de cada marca por causa de posicionamentos distintos. Os gringos notaram isso e viram que poderíamos crescer muito mais e ampliar o casting de produtos. E no ano de 2000 decidiram comprar 50% da licença. Depois de dois anos decidiram adquirir 100%, e em julho de 2002 a gente se mudou para o Guarujá.

Foi sua a ideia de levar a sede da Rip Curl para o Guarujá?

Eu fui o responsável pela vinda da Rip Curl para o Guarujá. E em 2002 os donos, Brian Singer e o Doug ‘Claw’ Warbrick, que fundaram a marca em 1969, me perguntaram: “Nós compramos a empresa. E agora, como é que vai ser?”. Eu respondi: “Nós vamos para o Guarujá, vamos para a praia”. Mostrei as possibilidades, e eles acreditaram no meu plano. Enchemos dois caminhões e descemos a serra. O Guarujá deixa a marca mais salgada, mais legítima. Ainda mais pela Rip Curl, que é da Austrália e tem sede em Torquay, uma cidade menor do que Ubatuba. Aliás, a minha vontade inicial era mudar para Ubatuba, porque é verdadeiramente uma surf city, onde a natureza é bem mais exuberante, com altas ondas. Mas optei pelo meio termo, nem concreto nem jungle, vamos ficar mais próximos de SP, próximos do porto de Santos, do mercado paulista e da distribuição para todo o Brasil. E para completar essa mudança a internet explodiu, e os nichos de comunicação digital e móvel derrubaram qualquer distância. A decisão é um case de sucesso.

Foi um sentimento de muita felicidade pelo Gabriel, pelo Charles e pela família que estava envolvida. Eu já sabia há muito tempo, desde a história da primeira vez que eles estiveram na Rip Curl, há cinco anos, com o Charles falando que o Gabriel seria campeão mundial. 

E quais foram os acontecimentos do convite para assumir como CEO da Rip Curl?

Nesse meio tempo fiz outros cursos de gestão financeira na Austrália, e fiz MBA em gestão empresarial pela FGV, e quando eles acharam que eu estava pronto colocaram a oportunidade. Em fevereiro de 2007 fui promovido para CEO da Rip Curl no Brasil.

Foi uma enorme realização pessoal porque consegui colocar em prática tudo o que eu tinha aprendido como surfista. Entretanto, eu surfo independentemente de qualquer coisa, porque surfar é uma escolha que está acima até do profissional, e acho que isso tem me feito ser cada vez mais feliz nas minhas escolhas.

Em 2007, quando a crise internacional começou a dar as caras, Brian Singer e Doug ‘Claw’ enxergaram que precisavam fortalecer a operação no Brasil, valorizaram os resultados e fizeram o convite.  

Qual foi a estratégia para enfrentar a crise, que foi terrível com a surfwear, e mesmo assim continuar crescendo?

Mesmo com cenário turbulento, montamos uma equipe em linha com os valores da marca. Apostei que era o momento de qualificar tanto produto como distribuição. Reduzimos os clientes e começamos a importar mais produtos visando qualidade.

Nos anos de 2010 e 2011 atingimos os orçamentos e superamos as previsões de crescimento na companhia. Quando a crise mundial pegou o segmento de vez, tivemos os melhores resultados desde a transição de 2007, e começamos a colher os frutos de um trabalho que vinha sendo plantado desde 2002.

Agora temos a nosso favor que somos uma empresa de capital fechado, que não fomos para bolsa. Quem entrou se deu bem, ganhou milhões de dólares e cresceu absurdamente, mas algumas decisões equivocados traíram grandes grupos. Já a Rip Curl teve um crescimento orgânico e manteve o foco no surf. Eu venho trabalhar olhando o mar, e penso. A ganância pode levar a ações erradas, principalmente a curto prazo, sem os alicerces prontos. Para o maioria dos surfistas, uma prancha, uma bermuda, um lugar para dormir e uma cerveja pra beber… está ótimo, esse é espirito do surf. 


Pipeline, 19 de dezembro de 2014. Foto: Henrique Pinguim

Os frutos que você menciona foram bem além do crescimento da marca…

A Rip Curl sempre foi uma empresa que teve bastante foco no core business. Buscamos ter um ótimo relacionamento com os donos de surf shop, temos uma linha de produtos muito bem definida, e a melhor roupa de borracha do mundo por investir muito em tecnologia. 

Investimos muito nos segmentos que fomentam e apoiam o surf, como revistas, websites, canais de televisão, e mídias em geral que trabalham sério. E com o surfista nem se fala, eu brinco que esse logotipo no bico traz sorte para os surfistas, porque vários profissionais que vieram para a Rip Curl tiveram sucesso imediato. 

O próprio Rodrigo Dorneles ficou por muito tempo batendo na porta do WCT. A gente assinou, e naquele mesmo ano ele garantiu a entrada no World Tour. O Yuri Sodré e o Neco Padaratz entraram no WT pela Rip Curl. A Jaqueline Silva chegou a ser vice-campeão mundial. O Raoni, que até agora estava no WT, correu por dez anos com a gente. A imagem do Raoni, a melhor fase dele, está ligada à Rip Curl. Outro momento importante foi com o Bruno Santos, que, depois de seis anos de jejum de vitórias brasileiras no mundial, venceu a etapa de Teahupoo, no Tahiti, depois de entrar pela triagem e fazer a final contra Jamie O’Brien em um mar de 12 pés clássico. Depois venceu o Manoa Drollet. Foi histórico! E o Bruninho é praticamente uma cria nossa, está com a gente faz um bom tempo.

E como aconteceu com Gabriel Medina?

O Medina, aqui, nesta mesa em que estamos agora! A gente assinou o contrato numa segunda-feira. Na quinta-feira ele foi para Floripa e venceu o 6 estrelas na praia Mole derrotando o Neco na final, com apenas 15 anos. O surfista mais jovem a vencer uma etapa do Mundial (divisão de acesso). Então eu brinco com os surfistas que esse logo tem um peso, tem estrela. Estamos sempre olhando o mar.

Aliás, tem algumas outras histórias interessantíssimas envolvendo o Charles. Quando o Gabriel era bem moleque, mesmo antes de ser atleta da Rip Curl, o Charles tingiu o cabelo do Gabriel de loiro, porque ele acreditava que assim apareceria mais nas competições (risos). A crença do Charles é impressionante. Outra história que nunca vou esquecer: quando o Gabriel estreou no WT, em 2011, teve aquele ranking de entradas no meio do ano, e o Gabriel já de cara venceu duas etapas, na França e em São Francisco, então o Charles entrou nesta sala com folhas e caneta nas mãos e mostrou todas as simulações que poderiam levar o Gabriel ao título mundial. Eles continuaram o Circuito acreditando que o Gabriel realmente poderia ser campeão mundial já naquele ano. São muitas histórias, eles acreditam sempre. 

Eu falei com o Gabriel um dia antes da final, e disse que, independentemente do desfecho do Pipe Masters, a gente tinha muito orgulho do trabalho que eles estavam fazendo. Ele precisava fazer aquilo por ele. Tentar deixar de lado qualquer tipo de pressão ou carga, sentimento por outras pessoas ou pelo país.

Isso faz parte de um jogo de mercado, contratar bons surfistas, posicionar a marca, estar ao lado das vitórias. Já deu para entender muita coisa nesta entrevista, mas eu insisto, qual é o segredo do sucesso?

“Made by surfers for surfers”, esse é um dos motes da Rip Curl. Tem coisas que só os surfistas sabem, tem que subir em uma prancha para sentir.  Só de eu ver a pisada na prancha já tenho o sentimento do potencial do surfista. O jeito como o cara lê a onda, a vontade de vencer.

Eu vi uma cena, aqui na frente da minha casa, no morro do Maluf, nas Pitangueiras, que nunca vou esquecer. Era uma final de categoria mirim, estavam na água o Sidinho, o Jessé Mendes e o Medina na disputa para garantir a ida para o Mundial na Austrália. Esquerdas perfeitas de 1 metro clássico e o surf pegando fogo. No minutos finais entra “a” série e o Sidinho dropa, ele já estava na frente da bateria e comemora muito. Na de trás vem o Jessé quebrando, e ao finalizar muito bem a onda comemora junto com a torcida local como se tivesse virado o placar. O locutor começa a fazer o counting down: “10, 9, 8…” E o Medina ainda lá atrás das pedras… Deu 3 segundos ele dropa a rainha da série e vem fazendo uma linha que nossa senhora. Um surf! Fiquei impressionado com a confiança dele em arriscar do jeito que arriscou; como se não tivesse uma outra onda para ser surfada. Tirou a maior nota do evento, ganhou a final e foi para a Austrália. Chegou lá e venceu o Mundial. Neste ano de 2014, quando ele venceu em Snapper, eu lembrei desse dia.

Começamos este papo no Guarujá, e agora que comemoramos o primeiro título mundial do Brasil no surf profissional, lembro de você dizer com brilho nos olhos, logo depois da vitória do Gabriel em Snapper, que “a Rip Curl tem uma missão no Brasil, formar o primeiro campeão mundial do país”. A Rip Curl conseguiu. Qual é a sensação?

Foi especial. Como já tinha te falado, a gente vinha construindo essa estrada. Esse calor que estou vendo hoje é muito mais surpreendente. É o resultado do trabalho que fazemos há muito tempo como marca no Brasil. 

Isso tudo foi um aprendizado, que temos menos experiência que os gringos, que já tiveram Tom Curren, Damien Hardman, Mick Fanning. Estive em Portugal, onde todos se mantinham na expectativa pelo título. O Gabriel, o Charles e todo mundo aprendeu muito com o que aconteceu. O Hawaii agora, essa preparação final, foi o aprendizado da França e de Portugal. 

Foi um sentimento de muita felicidade pelo Gabriel, pelo Charles e pela família que estava envolvida. Eu já sabia há muito tempo, desde a história da primeira vez que eles estiveram na Rip Curl, há cinco anos, com o Charles falando que o Gabriel seria campeão mundial. E voltou o filme todo. Uma alegria única de poder de certa forma fazer parte dessa conquista, ter participado, contribuído, por ele, pela Rip Curl e também pelo surf brasileiro. O Gabriel tinha esse destino. 

Estive falando com o Charles, com o Gabriel. Nos falamos um dia antes da final por e-mail, e eu disse que, independentemente do desfecho do Pipe Masters, a gente tinha muito orgulho do trabalho que eles estavam fazendo, e todo mundo estava feliz, contente. Ele precisava fazer aquilo por ele. Tentar deixar de lado qualquer tipo de pressão ou carga, sentimento por outras pessoas ou pelo país. 

O Brasil é um país que precisa ter isso para dar um ânimo às outras coisas que não vão tão bem. O Brasil é assim, passional. Eu espero que o Gabriel consiga agora administrar esses sentimentos. E sei que isso foi só o começo, pois ele é um cara inteligente.
Estou muito feliz. 

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