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Lado negro do paraíso


Momento em que Marco Archer descobriu a data da sua execução por tráfico de cocaína. Foto: Supplied Source – Supplied

Por Kevin Damasio

Com os olhos vendados, Marco Archer Cardoso Moreira, de 53 anos, foi conduzido até uma estaca na prisão da ilha de Nusa Kambangan, assim como outros cinco condenados à pena de morte por tráfico de drogas na Indonésia (uma indonésia, um holandês, dois nigerianos e um vietnamita).

Era a primeira hora do domingo 18 de janeiro de 2015. Um pelotão de fuzilamento de 12 policiais indonésios postava-se ao redor de Marco, com armas empunhadas. Com um golpe de espada no ar, o líder do destacamento dá a ordem de fogo à meia noite e meia. Três das 12 armas estão carregadas de verdade. Uma delas atinge o peito de Marco. Dez minutos depois, um médico confirmava a morte do brasileiro, o segundo detento a morrer ali naquele dia, o primeiro brasileiro e ocidental no corredor da morte que, de fato, fora executado.

Preso em 2003 e condenado a morte em 2004, Marco Archer era um dos grandes traficantes de droga que atuava em Bali, em uma onda de narcotráfico que dominou o arquipélago indonésio, principalmente por brasileiros e peruanos. Ele foi flagrado no aeroporto de Jacarta com 13,7 quilos de cocaína, conseguiu fugir e pingou de ilha em ilha até ser descoberto e detido. Os dois únicos pedidos de clemência concedidos a ele foram recusados pelos presidentes da Indonésia, o último e mais recente por Joko Widodo, apesar dos apelos do governo federal brasileiro.

A jornalista australiana Kathryn Bonella, autora de três livros sobre o narcotráfico na Indonésia (No More TomorrowsHotel K e Snowing in Bali), escreveu para a HARDCORE sobre a execução de Marco Archer:

Depois 11 longos e lentos anos definhando-se no corredor da morte, parece que o fim de Marco veio surpreendentemente rápido: quando foi informado sobre a data da execução com apenas três dias de antecedência. Assisti a algumas transmissões ao vivo na emissoras locais em que os policiais chegam na ilha em barcos na noite da execução. A tensão e a empolgação no ar era visível. Era fria. 

Eu me encontrei com o Marco várias vezes na penitenciária de segurança máxima da ilha de Nusa Kambangan, conhecida como “a Alcatraz da Indonésia”, e passava o tempo conversando para meu livro Snowing in Bali. Ele era engraçado e satírico, e, apesar de não ignorar seu crime, gostava bastante dele. Sua personalidade carismática assegurava que ele tinha muitos amigos.

Um tempo atrás, conheci alguns dos amigos de longa data dele, que ainda praticam asa-delta sobre as praias do Rio de Janeiro. Eles estavam muito interessados em saber notícias sobre o Marco. Eles esperavam que ele voltasse logo para a casa, e ficaram decepcionados ao descobrir que ele perdera todos os dentes devido a uma doença na gengiva.

Sei que Marco amava o Rio, sua cidade natal, e com ela se importava. A liberdade que sentira ao planar pelo céu, sobre as praias do Rio, representava uma memória que ele amava, e esperava viver de novo algum dia. Marco me disse: “Eu quero ir para casa… Estou muito cansado. As pessoas não se importam comigo aqui. Veja, não tenho mais dentes. Tenho que pedir para eles o tempo inteiro para chamarem um dentista, mas dizem que eu precisaria pagar mil dólares – e eu não tenho dinheiro”.

Ele vivia bem melhor do que seu conterrâneo Rodrigo Gularte, que pode ser o próximo da fila, e que chorava todas as manhãs em que o encontrei. Marco me disse que rodrigo sempre chorava e raramente trocava de roupa – destruído por todos os anos em que aguardava o momento de tomar um tiro.

Nenhum ocidental havia sido fuzilado antes, e parece que Marco pensava nisso para manter a sanidade, com tanta gente de diversos países no corredor da morte na Indonésia e a pressão internacional para salvá-lo.

“Tenho certeza. A embaixada brasileira trabalha duro. Francês. Holandês. Suíço. Muitas pessoas aqui são do Nepal, do Paquistão, da Índia, da América, da Austrália, no corredor da morte”, ele me disse. A realidade é que, mesmo caso se livrasse da execução, ele certaente passaria mais anos na prisão da ilha.

Sei que muitas pessoas pensam que o traficante de drogas merece uma morte brutal. Mas ser rodeado por policiais, na calada da noite, até o local do acerto de contas, amarrado em uma cruz e fuzilado por um pelotão de 12 atiradores de elite, é algo difícil de compreender. É um destino bárbaro, desumano.

Sei que muitos dos amigos dele estavam em choque e arrasados, e choraram por dias – homens adultos que o conheciam por anos. Um lamentou após a morte dele: “Agora você pode voar para sua casa, Curumim”. 

No final, ele pagou o preço mais alto por tráfico de drogas.

 

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Em 2013, a HARDCORE conversou com Kathryn Bonella sobre os bastidores de seus livros. Abaixo, confira a reportagem publicada na HC 290.


Um oficial indonésio mostra as pranchas de Rodrigo Gularte, que guardavam 6 kg de cocaíca. Foto: AP/Dita Alangkara

Normalmente quando se pensa em Bali a primeira coisa que vem à cabeça são ondas perfeitas, muitos tubos e água quente. No entanto, no paraíso se esconde uma rede internacional de tráfico de drogas, especialmente de cocaína, com forte presença de brasileiros e peruanos, no país onde o crime pode render a pena de morte.

No livro Snowing in Bali – The Incredible Inside Account of Bali’s Hidden Drug World, a jornalista Kathryn Bonella revelou como é o universo desses traficantes. Muitos eram surfistas que viajavam para a Indonésia pela primeira vez, simplesmente para pegar onda e relaxar. Naturalmente, gostaram tanto de Bali que procuraram formas de ganhar dinheiro para viver na ilha – o que acontece todos os dias. E uma das principais delas é o tráfico de cocaína. A vida dos personagens retratados no livro era recheada de surf, sexo e, claro, drogas. “Esses caras voam tão alto… Vivem a mais glamourosa vida. E por isso a queda é tão grande”, observa Kathryn, em conversa com a HARDCORE.

No trabalho novo, os surfistas viajavam para o Brasil, pegavam a cocaína que vinha do Peru e voltavam para Bali, onde vendiam por preços muito superiores. Às vezes, faziam escalas em Amsterdã, Holanda, para trocar a droga por maconha, haxixe e ecstasy, ou então vendiam na Austrália.

O lucro era enorme. O quilograma da cocaína, que custava US$ 2 mil no Peru, era vendido na faixa de US$ 20 mil a US$ 100 mil em Bali, e a até US$ 400 mil na Austrália. Já as técnicas refinadas dos traficantes para embalar a droga e a corrupção policial ajudavam os negócios a fluir.

Kathryn Bonella é uma jornalista experiente, tem vocação para falar. Nasceu em Melbourne, Austrália. Depois de se formar em Jornalismo, mudou-se para Londres, onde contribuiu para diversas revistas, jornais e emissoras de televisão. Voltou para a Austrália em 2000 para trabalhar como produtora do programa de TV 60 Minutes, no qual a jornalista começou a se envolver com o lado negro da Indonésia.

Em 2003, Kathryn viajou a Bali para fazer uma reportagem sobre os atentados a bomba no bairro turístico de Kuta, que deixaram ao menos 202 mortos. Retornou à Austrália com 12 sobreviventes. No ano seguinte, foi chamada para escrever a biografia de Schapelle Corby, que havia sido presa ao tentar entrar em Bali com maconha e cumpria a pena na Prisão Kerobokan, apelidada por Kathryn de Hotel Kerobokan.


A famosa prisão Kerobokan, em Bali.

“Por um lado é um lugar sujo, um buraco infernal onde esgotos abertos existem e algumas celas têm 20, 30 homens espremidos, que não conseguem nem se deitar para dormir”, descreve a jornalista. Mas o dinheiro fala mais alto na prisão. Se pagar propina para os carcereiros, pode ficar em um ambiente melhor, como diz Kathryn: “Com dinheiro, você pode ter um aparelho de som, uma suíte… Com a corrupção, tudo é possível”.

Nas entrevistas com Schapelle na prisão, Kathryn conheceu outros encarcerados por  narcotráfico e ficou abismada com o universo de Kerobokan. Com o incentivo do publisher de seu primeiro livro, voltou para a prisão anos depois para escrever Hotel K.

A apuração do livro demorou 18 meses. Durante esse tempo, ela descobriu o universo do tráfico de drogas na ilha, que a inspirou a produzir mais uma obra, Snowing in Bali. “Eu já conhecia bem alguns traficantes, por conta de Hotel K. Minha vantagem era que eles tinham lido o livro e sabiam que eu não era uma policial disfarçada”, conta Kathryn. “Há muitos policiais australianos disfarçados em Bali à procura de traficantes. Eles são mais perigosos – pelo menos para os traficantes – do que os indonésios, porque não aceitam suborno”.

Kathryn ganhou a confiança de vários chefões do submundo de Bali, como André e Rafael, os principais personagens do livro. Usar nomes fictícios foi a condição para os negociantes revelarem suas histórias e apresentarem outras pessoas que seriam importantes para o livro. “Eu não esperava que eles revelassem tantos detalhes sobre suas vidas. Foi incrível”, conta a australiana, que completa: “Eles não se abriam dessa forma nem com os financiadores e amigos mais próximos, nem mesmo com outros traficantes, porque é muito perigoso falar tanto assim”.

Os traficantes vivem entre o céu e o inferno. São vigiados constantemente pela polícia e podem ser capturados no primeiro vacilo. André sentiu isso na pele, como lembra Kathryn: “Por dias ele foi espancado, violentamente torturado pelos policiais que queriam informações”.

Alguns nomes não precisaram ser omitidos, como o de Marco Archer Moreira. Em 2003, Curumim, como é conhecido, foi pego com 13,7 kg de cocaína, protagonizou uma fuga de cinema no Aeroporto Internacional de Soekarmo-Hatta e, quando capturado, foi condenado à morte.


Rodrigo Gularte e Marco Archer Moreira foram condenados à pena de morte por tráfico de drogas. Marco foi morto em 18 de janeiro. Já a execução de Rodrigo está agendada para fevereiro. Foto: Cortesia de Snowing in Bali

Apesar de não acreditar na pena de morte para ocidentais na Indonésia – nenhum prisioneiro foi morto ainda –, Kathryn discorda da condenação. “A pena de morte é muito dura. Espero que ele volte ao Brasil para cumprir a sentença ou seja solto”, diz. “Marco já está há 10 anos em uma vida infernal na prisão indonésia. Acho que certamente ele aprendeu com isso”.

Segundo Kathryn, o conhecido Curumim sempre foi um cara engraçado e querido pelos amigos e colegas de trabalho, mesmo com seus momentos de arrogância. Atleta profissional de asa-delta, competiu em diversos países. Além disso, por amor ao esporte, sofreu dois acidentes quase fatais enquanto voava, um no Rio de Janeiro e outro em Bali. Mas nas viagens enchia os equipamentos de cocaína para traficar.

O que mais impressionou Kathryn foi que Marco continua com senso de humor, mesmo há uma década vivendo em uma prisão isolada em Java. “Acho que ele não percebeu totalmente a gravidade da situação”. Em uma das entrevistas, Marco pediu que Kathryn levasse consigo bife e cogumelos. Curumim, que estudou Culinária em Londres, pegou os ingredientes, foi para a cozinha e voltou com o prato para a jornalista. 


Marco e o advogado Utomo Karim (à esquerda), na prisão na ilha de Nusakambangan. Foto: Supplied Source – Supplied

Kathryn acredita que as condições da penitenciária onde Marco vive são melhores que as de Kerobokan, mas está longe de ter a infraestrutura das prisões ocidentais. Lá tem quadra de tênis, um templo hindu e uma igreja cristã, mas a alimentação é péssima e as más condições de higiene fizeram com que Marco perdesse todos os dentes.

Apesar de a maioria dos personagens ser brasileira, ainda não há previsão para o lançamento da versão de Snowing in Bali traduzida para o português. Contudo, o livro é interessante para quem sonha em conhecer ou já visitou a terra dos tubos perfeitos. Como Kathryn escreve no início do livro: “Aos turistas que pensam que vão para o paraíso… Tudo não é como se parece”.

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