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Duke, o pai do surf moderno

 

Havaiano legítimo, puro surfista

Nadador, surfista, ator… Duke Kahanamoku era tudo isso. É praticamente impossível imaginar como seria o surf sem a contribuição dele. Duke nos deixou há 55 anos, mas sua filosofia continua viva

Por Kevin Assunção 

O Hawaii passava por mudanças no final do século 19. Com 80% da população nativa dizimada por conta de doenças ocidentais e com a inserção da cultura dos missionários calvinistas, o antigo esporte he’e nalu (deslizarnas ondas) praticamente desapareceu…

A cultura havaiana recuperaria a força em 1898, quando as ilhas se tornaram parte do território americano, cinco anos após a queda da monarquia. O novo governo então viu no turismo uma oportunidade para arrecadar mais dinheiro, e as garotas do hula e os surfistas pareciam ser uma grande forma de promover a imagem do paraíso. Os beach boys locais cobravam dos turistas US$ 1 por aulas de surf de canoa polinésia e prancha. Em 1901, o hotel Moana foi inaugurado. Mas, mesmo assim, o Hawaii ainda era apenas um pequeno ponto no mapa-múndi.

Na frequência dessa transição, nasceu em 1890 Duke Paoa Kahanamoku, que anos mais tarde se tornaria o responsável por atrair as atenções para o arquipélago. Filho de havaianos nativos, Duke cresceu em Waikiki, um bairro de Honolulu, onde floresceu sua paixão pelo mar e por esportes aquáticos – que também contagiou seus cinco irmãos mais novos, especialmente Samuel. Aos 4 anos, seu pai o ensinou a nadar de um jeito ancestral: “Entre na água e sobreviva”.

O NADADOR


Duke, noas Olímpiadas da Antuérpia, em 1920. 

Aos 20 anos, o então desconhecido Duke participou do encontro de nadadores da União Atlética Amadora (AAU). Em sua primeira competição formal, quebrou dois recordes no nado livre: o americano de 50 jardas e o mundial de 100 jardas. No entanto, a organização estadunidense não queria reconhecer os feitos. “A AAU de Nova York pensou que os juízes de Honolulu mediram o percurso incorretamente e que não sabiam usar o cronômetro”, escreveu Sandra Kimberley Hall, amiga de Kahanamoku e autora da biografia Duke: A Great Hawaiian.

Com o descrédito da AAU, os havaianos decidiram juntar dinheiro para mandar Duke aos Estados Unidos, para treinar com a equipe olímpica americana e competir nos Jogos de 1912 em Estocolmo, na Suécia.

O atleta de 1,85 m de altura, 86 kg e mãos e pés enormes foi para a Olimpíada e conquistou a medalha de ouro nos 100 metros nado livre, com direito a outro recorde mundial. Além disso, faturou a prata nos 200 metros da mesma categoria.


Duke e Johnny Weissmuller, conterrâneo medalhista de ouro nos 100 metros livres, nos Jogos de Paris (1932). Foto: Corbis 

Oito anos depois, as glórias olímpicas de Kahanamoku se multiplicaram. Nos Jogos da Antuérpia, Bélgica, ele superou seu próprio tempo e vestiu a medalha de ouro nos 100 e nos 300 metros nado livre. Duke manteve o ritmo na Olimpíada seguinte, em Paris, na França, quando tinha 34 anos. O americano Johnny Weissmuller o venceu nos 100 metros livres e foi a grande sensação ao bater Duke, que, conhecido como “peixe-humano”, ficou com a prata, seguido por seu irmão Samuel, bronze.

“Nós treinamos juntos nos Jogos Olímpicos, e ele [Duke] me deu toda a confiança do mundo. Ele queria me assistir treinando, tomava conta de mim, me fazia voltar e trabalhar. Era como um irmão mais velho. Mas, sabe de uma coisa engraçada, ele nunca se preocupou consigo mesmo. A única coisa que queria era ter certez de que os Estados Unidos conquistassem as três primeiras posições nas Olimpíadas. E nós conseguimos.”
– Johnny Weissmuller

O SURFISTA


Duke em 1912. Foto: Alfred Gurrey Jr.

Apesar das vitórias e dos recordes na natação, o surf era o que mais movia o esportista havaiano. Ele revelou isso em 1965, em uma entrevista concedida a Bruce Brown, durante o primeiro Duke Kahanamoku Invitational.

Bruce: Eu sempre tive curiosidade, Duke. Foi mais emocionante conquistar aqueles Jogos Olímpicos ou surfar aquelas ondas gigantes de Castles das quais sei que sobreviveu?

Duke: Em ambos eu fiquei bastante emocionado. Mas acho que o surf é muito mais para mim. As ondas emocionam minha vida. É surfar em onda grande com pranchas pesadas, que pesam 51 kg e têm 16 pés de comprimento.

Bruce: Existe uma história de que Duke surfou uma onda em Waikiki que tinha 3 quilômetros. É uma lenda aqui no Hawaii, assim como Duke.

A onda lendária de Duke à qual Bruce se refere foi surfada em Castles, em 1917. Segundo Duke, em entrevista à revista Surfer, as bombas tinham entre 25 e 35 pés.

“Eu peguei essa onda e entrei. Comecei de Castles e fui até Queen’s. O pico de Queen’s fica no outro lado, próximo ao de Canoes. Foi onde atingi o ápice. O bico da minha prancha ficou no crítico e me desequilibrei. Caso contrário, se não tivesse feito isso, teria ido… Teria ido direto à Waikiki Tavern de Harry Steiner.”
– Duke Kahanamoku

Kahanamoku destacava-se nas ondas de Waikiki desde 1910. Os surfistas surfavam próximos à beira com pranchas de 6 e 7 pés. Mas ele foi além. Shapeou uma de 10 pés que possibilitava ir para o fundo do mar e pegar ondas maiores e mais longas. Duke deslizava com leveza sobre a água. Ao chegar no raso, fazia brincadeiras como plantar bananeira para divertir quem estava na areia. Fred Van Dyke, um dos pioneiros do surf de ondas grandes, impressionava-se com o estilo de Duke, como disse em um documentário de TV.

“Quando estava em pé na prancha, seus pés ficavam próximos, ele se erguia bem alto, e todo movimento era como se fosse uma dança de balé. Era fantástico. Todos que olhavam Duke surfando queriam fazer igual. Ele tinha a habilidade de se equilibrar com os dedões dos pés. Ele nunca usou parafina.”
– Fred Van Dyke


Duke destacava-se no lineup de Waikiki. Foto: Alfred Gurrey Jr.

Nas viagens em que ia competir, Duke aproveitava para popularizar o surf. Na Austrália, ele atraiu milhares de pessoas em Freshwater Beach. Para Sandra Kimberley, essa exibição teve um dos impactos mais marcantes na carreira do havaiano e na própria história aussie. “Na viagem ele superou as expectativas dos anfitriões australianos. Ele mostrou como escolher o pedaço de madeira e shapear uma prancha, antes de demonstrar algumas de suas manobras de surf. Duke acendeu a paixão nacional pelo surf, que é o esporte internacional de maior sucesso na Austrália”, escreveu Sandra, no livro Surfing in Hawai’i: 1778-1930, de Timothy DeLaVega.

Outra exibição que se tornou importante para a história do surf aconteceu em 1920, quando voltava da Bélgica com a equipe olímpica americana. Eles pararam em Detroit, Estados Unidos, para mostrar vídeos da performance nos Jogos da Antuérpia em um teatro. Numa cadeira próxima sentava-se Tom Blake, então um garoto de 16 anos, que mais tarde se tornaria nadador, dublê de cinema e salva-vidas, até se envolver com o surf e escrever capítulos importantes na história. A criação das pranchas ocas de madeira, das caixas estanques e das quilhas, por exemplo.

Tom sentia a necessidade de conhecer Duke. Depois da exibição, o interceptou no saguão do teatro e perguntou se poderia cumprimentá-lo. “Seu firme aperto de mão de alguma forma me fez sentir que estava incluso um convite para visitá-lo em sua ilha havaiana”, escreveu Blake no livro Hawaiian Surfriders, 1935. Blake mudou-se para o Hawaii no ano seguinte. Numa entrevista em 1972, Tom revelou:

“Foi ele [Duke] que pôs a ideia do surf na minha cabeça. E andar sobre a onda era como o paraíso para mim. Eu queria passar a palavra para meus amigos na Califórnia, então eu escrevi o primeiro livro sobre isso.”
– Tom Blake


Além de propagar o surf pelo mundo, Kahanamoku incentivou e contagiou as gerações pioneiras do Hawaii. Foto: Alfred Gurrey Jr.

No início da vida de surfista, em 1911, Duke e alguns amigos fundaram o Hui Nalu Club, a segunda organização de surf no Hawaii. A primeira foi o Outrigger Canoe Club, criada três anos antes. Segundo o historiador de surf Timothy DeLaVega, logo surgiram competições entre os dois clubes em todos os tipos de esportes aquáticos, como surf e canoagem. “Os clubes eram diretamente responsáveis pela primeira explosão do surf moderno, viraram moda e eram promovidos pelo recém-criado Comitê de Fomento Havaiano, junto com a imprensa local e nacional”, observa DeLaVega.

Passadas cinco décadas da fundação do Hui Nalu, Duke ainda influenciava os rumos do surf. Em 1961, seu amigo Kimo McVay virou seu empresário. McVay ajudou Duke a construir um império comercial, com, por exemplo, restaurantes, produtos assinados, roupas e pranchas de surf. Contudo, o mais importante começou em 1965, com o Duke Kahanamoku Invitational, considerada a competição de surf mais importante na época. O jornalista Leonard Lueras e o big rider Fred Van Dyke ajudavam a organizar o evento.

Além disso, Duke formou uma equipe de surf composta de pessoas que se tornaram lendas no esporte. Fred Hemmings, Joey Cabell, Paul Strauch e Butch Van Artsdalen eram os principais membros do time.

“Quando era mais novo, vivia a vida com meu pé no chão. Não percebi completamente o quão sortudo eu era de estar na equipe de surf do Duke e de trabalhar para a Duke Corporation. Eu passei junto a Duke os últimos três anos da sua vida.”
– Fred Hemmings

O ATOR


No Hawaii, Duke recebeu a visita de Charles Chaplin e Paulette Goddard.

Com a popularidade pelo desempenho nas Olimpíadas, Duke recebeu propostas para atuar em Hollywood. Em meados dos anos 1920, ele se mudou para a Califórnia e iniciou a vida de ator.

Kahanamoku participou de 14 filmes, sempre com papéis menores, como, por exemplo, chefe indígena, havaiano nativo e capitão de piratas. Mas mesmo assim tinha grande prestígio entre os hollywoodianos. Certa vez, recebeu no Hawaii a visita dos astros Charles Chaplin e Paulette Goddard. McVay lembrou como era a vida na Califórnia em um documentário:

“Todos o amavam, mas ele nunca se tornou uma estrela. Era engraçado levar Duke a Las Vegas e assistir a abertura de um show, e ter pessoas como Robert Taylor, estrelas ilustres de filme, caindo sobre seus pés para chegar perto de Duke.”
– Kimo McVay

Com 35 anos, Duke estreou em Hollywood em Adventure, longa inspirado no romance do inglês Jack London. A produção foi dirigida por Victor Fleming, com quem Duke trabalhou em outros dois filmes – Lord Jim (1925) e Hula (1927) – e no documentário Around the World with Douglas Fairbanks (1931). Fleming tornou-se figura importante no cinema anos depois, com clássicos como O Mágico de Oz (1939) e …E o Vento Levou (1939).

Durante a carreira hollywoodiana, Duke também fazia bicos para se sustentar financeiramente, como estivador, inspetor e dono de posto de gasolina. Quando cansava de morar na Califórnia, voltava para o Hawaii. Largou definitivamente a vida no cinema em 1955, após contracenar com Henry Fonda no consagrado Mister Roberts, de John Ford. Na penúltima participação em filmes, atuou em O Rasto da Bruxa Vermelha (1948), de Edward Ludwig, com John Wayne no elenco.

O LEGADO


Foto publicada em Surfriders of Hawaii, de Alfred Gurrey Jr., o primeiro livro de surf da história.

Dois anos após deixar Hollywood, o havaiano foi homenageado no popular programa de TV This is Your Life, da NBC. Apresentado por Ralph Edwards, o cenário era ilustrado com palmeiras artificiais, fundo com imagem da praia e, à direita, um catamarã, presente da emissora a Duke.

Era 14 de junho de 1925. O mar estava agitado em Newport Beach, Califórnia. As ondas beiravam 25 pés. Duke surfava ao lado de Gerald Vultee e Owen Hale, quando um barco com 17 pescadores virou em meio à tormenta. Os três conseguiram salvar a vida de 12 tripulantes. Oito foram resgatados por Duke, que entrou no mar e voltou para a areia por três vezes.

“Duke, eu não te vejo desde que me levou até a praia. E você me deixou lá com pressa, para voltar ao barco e fazer o resgate dos outros. Você fez um incrível trabalho. E eu esperei 32 anos para agradecê-lo nesta noite.”
– Harry Olen

Para Fred Hemmings, o espírito aloha de Duke superava a carreira fenomenal como atleta. “Um homem humilde. Era o mais venerado e respeitado no Hawaii no século 20”, conta Fred, o qual revela que os valores de Duke fora mas maiores influências na sua vida. Em um documentário, Pam Anderson, que foi treinada por Duke, contou: “Ele tinha uma alma gentil. Sempre tinha tempo para você, caso precisasse conversar sobre qualquer coisa”. DeLaVega diz que não consegue imaginar como seria o surf sem Duke. “Ele sempre se sentia mais à vontade na água do que sob as luzes brilhantes da fama”.

Duke Kahanamoku faleceu em 1968, aos 77 anos, após um ataque cardíaco. Ele contagiava as pessoas com sua humildade, seu talento e com o espírito de aloha, sejam elas crianças de Waikiki, atores de Hollywood, atletas famosos ou políticos importantes. Legítimo havaiano, puro surfista. Por onde passava, Duke propagava a seguinte filosofia: “Deixe o oceano te ensinar. Ele vai te ensinar tudo o que você precisa saber”. 

*Esta reportagem foi publicada na edição 291

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