25 C
Hale‘iwa
quinta-feira, 25 abril, 2024
25 C
Hale‘iwa
quinta-feira, 25 abril, 2024

EM BUSCA DE ONDAS NO ÁRTICO

 


Explorar as ilhas mais afastadas do norte da Noruega proporciona imagens espetaculares, como a aurora boreal. 

Por Kevin Assunção

De esqui, os irmãos Wegge sobem as montanhas cobertas de neve de Bear Island, uma ilha norueguesa isolada no meio do oceano Ártico. No idioma local, aquele pedaço de terra de 178 km², no arquipélago de Svalbard, é chamado Bjørnøya. Enquanto peregrinam pelas íngremes montanhas, Inge, 28 anos, Markus, 27, e Håkon, 22, esforçam-se para arrastar a bagagem que garantirá a sobrevivência e a diversão pelos próximos dois meses na ilha: pranchas de surf e snowboard, barraca, equipamentos de filmagem, varas de pesca, parapente, aquecedor a lenha, roupas e wetsuits, além dos alimentos vencidos que conseguiram de graça em supermercados.

O objetivo principal deles é encontrar ondas naquele lugar onde apenas nove pessoas vivem – e elas ficam lá apenas seis meses por ano, enquanto trabalham em uma estação meteorológica. O cuidado deve ser redobrado: manter-se longe dos temidos ursos polares e não se machucar enquanto estão nas montanhas ou no mar, já que não há hospital em Bjørnøya.

Inge Wegge foi o grande motivador desta viagem. Em 2012, ele passou nove meses isolado em outra ilha da Noruega, acompanhado pelo amigo Jørn Ranum. A expedição rendeu o premiado documentário North of the Sun. Prestes a ser pai, Inge resolveu encarar mais uma expedição gelada, ainda mais ao norte de sua terra natal, dessa vez com os irmãos – o que o trio sempre sonhou em realizar. A seguir, Inge fala sobre a viagem documentada no filme Bear Island, com previsão de estreia em outubro deste ano.

Para começar, gostaria de saber como é a cena de surf na Noruega.
Inge Wegge: Está crescendo bastante. Acho que no Oeste está ficando melhor. As pessoas estão começando a surfar lá, e isso é muito legal. Ontem não tinha nada, mas agora é realmente algo que todo mundo tenta – só que normalmente apenas no verão. As melhores ondas quebram no inverno e podem ficar muito boas. Mas no inverno, no Norte, não tem sol, é bem escuro. Você tem apenas algumas horas de claridade. Então precisa sincronizar boas ondas, maré cheia e luz ao mesmo tempo – ou então não vai funcionar. [risos]

Quando você começou a surfar?
Comecei a surfar na Austrália. Fiquei lá por um ano, em intercâmbio. Era um lugar chamado Mackay. Não era o melhor lugar para surfar. Eu ficava no Great Barrier Reef (Grande Barreira de Coral). As ondas eram parecidas com as da Noruega. Não era consistente.

E quando começou a surfar na Noruega? E quão frio era?
[Risos] Em 2006. Foi quando comecei a surfar aqui no Norte. Era frio [risos]. Graus negativos, dedos da mão e do pé congelados. Eu usava uma roupa de borracha de 7 mm, mas não era o suficiente. Era muito ruim.

Imagino que o crowd seja pequeno, certo?
Sim! Está crescendo, mas ainda não é muito crowdeado, felizmente.

Isso é bom. E as ondas… Existe alguma clássica ou internacional aí?
Aqui em Lofoten temos ondas muito boas. Temos os melhores dias aqui, pegamos tubos, ondas de 8 metros… Quanto é isso em pés? É cerca de 20 pés? Aqui pode ficar grande!


Clique aqui para alugar ou comprar o documentário North of the Sun.

Sobre a viagem que fez para o Nordfor Sola, como você teve essa ideia?
Surgiu de mim e de um amigo. Estive antes naquela praia umas duas vezes. Ficava simplesmente tão sozinho, pensando sobre materiais, coisas que poderíamos produzir a partir disso. Então começamos a conversar. Então a ideia meio que surgiu naquele lugar mesmo.

E você convidou o Jørn para a viagem?
Nós decidimos juntos. Sabíamos que era possível surfar ali, mas não o quão bom era. Não ficamos pensando “temos que fazer isso”. Simplesmente fomos.

Quão difícil foi decidir passar nove meses isolado naquela ilha?
Conversamos muito sobre quão difícil seria e como a ideia era maluca. Então acho que em maio nós decidimos se faríamos essa viagem ou não. Decidimos não fazê-la. E então, alguns dias depois, percebemos exatamente o porquê deveríamos fazê-la. Porque falávamos tanto sobre isso, e então apenas imaginar a ideia seria provavelmente ruim. Precisávamos provar para nós mesmos, antes de qualquer outra pessoa, que poderíamos fazer essa coisa insana.

Já tinha tido alguma experiência parecida com essa antes, de se isolar por alguns meses?
Não. Essa foi a primeira vez que fiz algo do tipo. Costumava ter muitas pessoas a minha volta.

Vocês planejavam documentar a viagem, fazer um filme, certo?
Sim. Isso era natural, porque nós dois fizemos a escola de cinema juntos. Mas não planejávamos fazer um longa-metragem. Apenas faríamos um curta, com aquelas imagens e uma música legal. Mas é verdade… Percebemos, depois de um tempo, que tínhamos uma boa história, então tentamos trabalhar mais nela.


Inge Wegge e Jørn Ranum construíram uma casa com madeiras que encontraram na praia, em Nordfor Sola

Como foram os primeiros dias na ilha, isolado? Achou que sobreviveria?
Ah, sim. Ficamos muito empolgados. Apenas corríamos por ali, recolhíamos material e começamos a construir nossa casa.

Vocês já tinham experiência em fazer isso? Imagino que seja muito difícil construir uma casa, com as madeiras que encontravam na praia…
Meu pai era professor de marcenaria, então eu meio que cresci com isso. Mas nenhum de nós fez curso de carpintaria.

Quanto tempo levaram para construir a casa?
Depois de duas semanas já tínhamos as paredes e o telhado. Então podíamos nos mudar, e então vivemos por lá por alguns meses. Sempre construíamos durante os nove meses, consertando, por exemplo, a cozinha, fazendo prateleiras, todos os detalhes.

Legal. E vocês procuraram material na praia inteira?
Hmmm…. [risos] Era muito. Bastante o suficiente para construir a casa [risos].  A estrutura era dupla. Então fomos ainda para outra praia e coletamos madeira de lá também. Improvisamos uma jangada e levamos tudo de volta para a outra praia.


Inge Wegge em ação no pico inóspito onde morou por nove meses.

Conte-me sobre o surf lá na ilha.
Nenhum de nós é grande surfista, experiente. E aprendemos muito sobre o surf ali. Tivemos todos os tipos de condições ali. Ondas grandes, outras menores e não tão cavadas. E teve alguns dias que as ondas estavam mais compridas e maiores, muito tubulares, apenas te arremessando realmente para o fundo e chutando nossas bundas [rindo]. Mas tivemos grandes dias no outuno, e alguns com ondas extensas… É… Eu acho que provavelmente existam picos melhores. Mas nos dias bons é muito legal surfar ali.

E vocês surfavam sozinhos. Só você e o Jørn. Existe aquela frase: “não é apenas pelas ondas, é pela experiência”. Essa é sua filosofia?
Sim. Ter tudo apenas para você. É, você está se dando bem ali e sabe que não há ninguém em um raio de quilômetros [risos]. Apenas minhas ondas, de ninguém mais. É uma ótima sensação. É difícil arrumar algo melhor que isso…

Quando você já completava seis meses lá na praia, chegou a sentir o oposto disso? Por exemplo, às vezes você queria ir pra casa?
Bem, na verdade a gente apenas foi para lá. Não sabíamos que ficaríamos ali por nove meses. Não decidimos “precisamos fazer isso e aquilo”. Apenas queríamos ficar lá até curtirmos. Quando não curtíssemos mais, aí então iríamos embora. Mas eu gostava a cada dia mais. Quanto mais tempo ficava lá, maior era o tempo que queria permanecer.


Foram meses cercados por montanhas cobertas de neve e um mar vazio e congelante.

E vocês sobreviveram nove meses com comida vencida.
Sim, sim [risos]. Apenas juntávamos muitos alimentos. A cada três semanas nós íamos para uma cidade, carregar as baterias e pegar mais comida [no mercado].

Vocês carregavam as baterias numa fazenda, certo?
Sim, em uma casa que fica do outro lado das montanhas.

Era longe de onda vocês estavam acampando ou não?
Era. No verão levávamos uma hora e meia a pé. No inverno, cerca de cinco horas nos dias mais demorados.

O fazendeiro também providenciava comida para vocês?
Não. Consumíamos apenas comida vencida. Tudo.

E o cara que vocês encontraram na praia?
É, o cara finlandês. Ele era muito engraçado. Apenas estava lá, caminhando. E escutou um barulho nas montanhas. Ele tinha binóculo, mas não conseguia nos enxergar. Como quando você olha para as pedras e não vê ninguém. Então ele tinha certeza de que éramos elfos, trabalhando nas montanhas.

Qual era a história dele?
Ele era um surfista que ia para aquele lugar vez ou outra. E as ondas não estavam tão grandes. Ele resolveu caminhar e então nos descobriu.

Quão difícil era para filmar apenas em duas pessoas?
Bem, tivemos muito tempo para fazer isso. Depois de um período, nós fizemos uma lista, “precisamos filmar isso e aquilo”. Na maioria das vezes, enquanto estávamos surfando, um filmava e o outro surfava. Então tentamos registrar tudo.

Tem uma cena em que os dois entram na água, enquanto filmavam. Como fizeram isso?
Sim. Às vezes simplesmente entrávamos no mar com as câmeras. A maior parte foi filmada com uma Cannon 5D, e algumas com GoPro. Mas recebemos alguns amigos. Meu irmão também nos visitou. Então, às vezes, quando você vê duas pessoas na imagem, sou eu e meu irmão surfando. Então… É… Você não consegue contar tudo no filme… Mas, é… Meus amigos e meu irmão nos ajudaram um pouco.

Quão importantes eram essas visitas para que vocês decidissem continuar a viagem?
Nós continuaríamos lá de qualquer forma, mesmo se ninguém tivesse nos visitado. Eu acho, claro, que o Jørn sentia falta de sua namorada, então foi um dos motivos que decidimos “é hora de partir” [risos].


Inge e Jørn três meses sem a luz do sol.

E vocês passaram três meses sem sol… Conte-me sobre isso.
Bem… Você não pensa muito nisso até que, um dia, acorda e vê o sol. Aí então você percebe, “Wow, era disso que sentia falta”. Você apenas fica satisfeito em ver o sol. É simplesmente a melhor sensação de todas, ver o sol após tanto tempo sem vê-lo. Hmmm… E, é, a escuridão… Bem, você fica praticamente em modo soneca. Os dias são mais lentos, você dorme muito, lê, arruma coisas dentro da casa… Mas as luzes… Há luzes do norte algumas vezes, e isso facilita bastante. Mesmo sem ter sol, você fica pasmo com as luzes.

Conte-me sobre a sessão que vocês fizeram quando não tinha sol.
O surf no escuro? É, quando vai ficando escuro é realmente difícil surfar, porque você não consegue ver as ondas se aproximarem. É muito escuro! Você sente como se estivesse indo para cima e para baixo, como se elas estivessem vindo, as séries grandes estivessem vindo. E tudo tem aquela aparência de místico. E… Você foca mais nos sons, na água… Fica muito mais focado. Sabe, em um dia de sol, você fica relaxado, apenas senta no outside e tem bons momentos. Mas quando fui para lá no escuro pensei: “Isso é sério” [risos]. 


A roupa de borracha de 7mm não foi suficiente para aquecer a session sem a luz do sol.

 

A montanha era boa para snowboard?
Era. Não esperávamos fazer tanto snowboard, porque normalmente não tem neve o suficiente. Disseram que aquele inverno, enquanto estávamos lá, foi um dos mais densos em tempestades e nevascas em 60 anos. Então tivemos muita sorte, com exceção das tempestades. Em fevereiro e março era tempestade o tempo todo. Tempestades pesadas. Impossível de surfar. Era água branca até 500 metros para o outside. É, nós apenas podíamos ficar dentro da casa ou ir para fora e ficar pasmos com a tempestade. Então começamos a fazer de tudo. E muita neve apareceu. Então isso foi bom.

Essas tempestades ameaçavam vocês de alguma forma?
Não. Tínhamos uma grande pedra em frente de casa. Claro, às vezes você acorda durante a noite e escuta a calefação balançando com o vento. Mas a casa estava bastante estável, então lá dentro nos sentíamos seguros.

O que você aprendeu com essa viagem?
Ah… Pessoalmente aprendi a me acalmar e perceber que todas as coisas que pensava que eram importantes – como emails e telefonemas –, tudo o que pensava que era importante… Meio que percebi que a maioria disso não é tão importante. Você pode relaxar. Focar nas coisas que está fazendo. Focar no aqui e no agora, em vez de ter aquela má consciência que sempre temos, como “poderia ter feito isso, poderia ter feito aquilo”. Onde acampei não tinha sinal de celular, nem internet. Então percebi que isso não é tão importante no final das contas.


A casa que a dupla construiu sobreviveu às tempestades de inverno.

E a outra viagem que estavam documentando?
A do próximo filme em produção? Era Bear Island. É… Bjørnya. Bem, fui para aquela ilha com meus dois irmãos. Fica no meio do nada, no meio do oceano, bem ao norte da Noruega, perto do Pólo Norte. Pensávamos que depois de North of the Sun eu iria para algum lugar quente, que iria para o Brasil [risos]. Mas, em vez disso, fui ainda mais para o norte, com meus irmãos, para conferir se tinha onda naquela ilha. Então simplesmente exploramos a ilha a bordo de esquis, carregando a barraca, tudo conosco. Nós nos divertimos bastante com snowboard e ski, e encontramos ondas também.

Conte-me sobre a viagem. Nas primeiras semanas vocês encontraram algumas ondas?
Não, não. Estávamos no lado errado da ilha nas primeiras três semanas, eu acho. Surfávamos em qualquer lugar, e encontramos alguns picos que talvez fossem surfáveis. Mas o swell estava com uma direção ruim. Depois de três semanas, eu simplesmente tentava surfar qualquer coisa. Fomos para o outro lado da ilha e começamos a encontrar ondas em mais e mais lugares. Tinha algumas regulares. Mas então ficou mais consistente e encontramos ondas cada vez melhores. Não achamos as maiores ondas, mas tinham um tamanho decente.

Como era a ilha? Era um lugar habitado?
Ah, não tinha ninguém ali. Na verdade, tinham nove pessoas. Elas trabalhavam metade do ano em uma estação meteorológica. E eram as únicas pessoas ali. A parte mais difícil de ir para lá é que é uma natureza muito restrita, então se pode fazer pouca coisa ali. Nós fomos na verdade os primeiros turistas que ficaram bastante tempo na ilha. E apenas chegar ali já é difícil. Não tem porto. É praticamente impossível chegar. Conseguimos pegar carona em um navio cargueiro que seguia para outra ilha, mas que nos deixou no meio do caminho [risos].

Vocês conheceram os nove locais?
Sim, sim, nós os conhecemos. E eles nos ajudaram um pouco, nos buscaram em um grande barco e nos levaram para a costa.

Foram nas casas deles? Como eles vivem?
Foi muito legal visitá-los. Fomos para lá três vezes durante a viagem. Era legal entrar lá, em um ambiente aquecido, com muita comida boa.

Eles têm um tipo de fazenda para sobreviver?
Não. Eles recebem comida da Guarda Costeira. Eles têm alguns barcos que vão para lá uma vez por mês, talvez. Mas, quando há tempestades, eles não conseguem chegar. O tempo precisa estar muito bom para que eles consigam levar os suprimentos.


Os irmãos Wegge exploraram Bear Island abordo de esquis.

Qual a diferença entre a viagem para o Nordfor Sola e a de Bear Island?
Essa segunda viagem foi com meus irmãos. Com certeza eu já estava preparado naquela época. E foi muito mais intensa. Nós sempre estávamos fazendo alguma coisa. Sempre praticando snowboard, surfando, esquiando. Foi muito mais intenso.

E isolados… [risos] Só havia nove pessoas na ilha.
É! Bem, essa foi um pouco mais isolada. A única forma de contato com a família e essas coisas custava muito caro. Por exemplo, apenas ligávamos para casa por cinco minutos e desligávamos [risos].

E os caras moravam do lado onde existem ondas?
Bem, as ondas ficam no Leste e no Norte da ilha. No Noroeste. Então, sim, eles tinham algumas ondas por perto de onde moravam.


O trio encontrou boas ondas depois de três semanas em Bear Island.

Eles já tinham visto uma prancha de surf? Como eles reagiram?
Eles ficaram surpresos, porque não eram permitidos a fazer essas coisas enquanto trabalhavam ali. É muito restrito, porque se você se machucar, está fodido [risos].

Não tem hospital lá?
Não, não. Então, eles estavam meio que esquiando no lado errado da montanha. Pessoas tentaram surfar ali em uma das praias uns dois anos atrás. Mas ninguém até então tinha explorado o lugar em busca de boas ondas.

Você acha que, se não tivesse viajado para a ilha do Nordfor Sola,  teria viajado para Bear Island?
Hmm… Não sei… Nós sempre quisemos fazer projetos entre irmãos, como uma série ou algo do tipo.


Quando não estavam no mar, os irmãos desciam as montanhas de esqui ou snowboard.

Quem e o que o inspira nessas viagens?
É meio que algo novo. Explorar e, ao mesmo tempo, tirar um tempo para explorar a mim mesmo nessas condições. Apenas ter tempo para fazer essas coisas que amo fazer. E me afastar de todo o resto, apenas tirar o tempo para mim.

Então é mentalmente importante para você fazer essas viagens.
Sim, é mesmo.

Qual é seu próximo plano, para fazer um filme?
Nesse exato momento não tenho grandes projetos. Vou ter um filho, então esse é o meu próximo grande projeto.


Um dos moradores locais de Bear Island. Além de animais, apenas nove pessoas moram na ilha.

Acompanhe as atualizações do documentário Bear Island na página dos irmãos Wegge no Facebook.

Receba nossas Notícias no seu Email

Últimas Notícias