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quinta-feira, 28 março, 2024
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ENTREVISTA: RENATO HICKEL


Foto: Pedro Fortes

51 ANOS DE PURO SURF, TANTO QUE RENATO HICKEL É GENERAL MANAGER DA ASSOCIATION OF SURFING PROFESSIONALS, CONHECIDA PELA SIGLA ASP, ENTIDADE QUE DITA AS REGRAS DO SURF. PAI DE TRÊS FILHOS, FRUTOS DE CASAMENTOS DIFERENTES, UM DELES COM A TETRACAMPEÃ LISA ANDERSEN, O MORADOR DE COOLANGATTA, NA AUSTRÁLIA, FALA COM EXCLUSIVIDADE À HARDCORE SOBRE AS DIRETRIZES DA ZOSEA E A NOVA POSTURA DA ASP QUANTO A ESTAS MUDANÇAS QUE ESTÃO MEXENDO COM O MUNDO DO SURF COMPETIÇÃO.

Por Adriano Vasconcellos

A ASP tem anunciado que 2014 é o ano de mudanças para o World Tour. Qual é ou será o mais significativo dos movimentos da “Nova ASP”?

A mais significativa das mudanças é o fato de que a ASP é a dona de todas as etapas do World Tour, masculino e feminino, e do Big Wave World Tour. E é dona também do Qualifying Series e dos Pros Junior. Até o ano passado, outros donos produziam e lucravam com os eventos, e a partir desse ano é a ASP que vai fazer tudo. Outra gigantesca mudança é que a ASP era uma empresa sem fins lucrativos. E agora, mais do que nunca, a entidade visa lucros. E na proposta de compra foi apresentada a ideia do que chamamos de legacy events junto com as marcas que construíram o Tour. Essas marcas são Quiksilver, Billabong, Rip Curl, Hurley e Vans, que continuam tendo os naming rights e os direitos e considerações especiais, e neste ano ainda não pagam nada por estarem nos eventos. A partir do próximo ano, em 2015, começam a pagar uma taxa de 500 mil dólares e no ano seguinte algo em torno de 1 milhão. E depois os eventos vão para o mercado. Temos a preocupação com quem participou da criação do surf profissional e o laço histórico com quem investe desde a década de 1970 na criação do segmento. A ZoSea está honrando esse pedido da ASP, que hoje é bancada por investidores com diferentes participações e que olham lucros bem próximos com novos contratos de mídia e, por isso, assinaram com YouTube, Facebook, Google, etc. E já desfrutam agora de um patrocínio do quilate da Samsung, que já começa a pagar a conta deste empreendimento e a dar novos padrões ao broadcast. E os donos das licenças até o ano passado, em termos gerais, fizeram um acordo com a ASP para continuar a produzir e vender as etapas, comercializando e operando os eventos. Hoje, eles são contratados da ASP.

A ASP trouxe Paul Speaker para o cargo de CEO da entidade, que tem larga experiência com entretenimento de massa e grandes eventos esportivos. E anunciou Graham Stapelberg, que atua há mais de 20 anos na indústria do surf. A ASP enxergou que precisa de ‘expertise’ para funcionar para todos os públicos e aperfeiçoar o foco no nicho?

A intenção é fortalecer um time de profissionais que jamais tivemos. Hoje, a ASP profissionalizou os departamentos de operações, vendas, marketing e broadcasting. Para se ter ideia, na Gold Coast tínhamos 90 pessoas trabalhando diretamente no evento, antes éramos em 20. Antes, quem contratava eram as marcas, agora somos nós. A ASP se preocupou em buscar quem já tinha experiência comprovada em suas áreas para montar um bom time. Trouxe experts da mídia online, da imprensa, de entretenimento, de vendas e do meio do surf para valorizar a conexão com o core do esporte.


"Nos grandes centros vamos querer ter skate, SUP, corrida e entretenimento. No evento do Brasil em particular eu acho que vai acontecer, possivelmente com uma grande atração musical."

Já foi divulgado uma nova equipe de comentaristas fixos – Pat Parnell, Joe Turpel, Ross Williams, Martin Potter – para as transmissões em inglês, com a proposta de unificar as etapas. Quais são as expectativas?

Queremos profissionalizar ainda mais. Todos os dias no pós-evento [Gold Coast] analisávamos tudo com base em nossas próprias críticas e depois nas que chegaram de fora. Por exemplo, aconteceu um delay muito grande de notas no site, e fomos ajustando isso. Eu acho que ainda tem muita propaganda no broadcasting. E que tem muita coisa que queríamos fazer já no primeiro evento, mas que não deu. Ainda tem muita novidade que será colocada ao público ao longo de 2014. É um trabalho dinâmico que não tem um fim, que não acaba nunca. A intenção é atingir e aumentar o público fã hardcore, mas também ir principalmente atrás do público que não conhece o surf. Fazer uma webcast mais friendly e buscar aquele cara que está lá no interior do Brasil e fazer com que ele se apaixone pelo surf e entenda o que está acontecendo. E que ele assista de qualquer lugar e se sinta confortável com o esporte, que pode sim ser para ele.


Renato se diverte em Greenmount, pico de Coolangatta. Foto: Tim Beban

Na etapa inaugural de 2014, a narração em português fugiu dessa proposta, pois o time ainda não foi anunciado oficialmente. E a transmissão em português foi feita de um estúdio na Califórnia, e não diretamente da praia. Vai se manter esse formato? Isso pode tirar o brilho do ‘ao vivo’?

Eu particularmente acho que não, porque antigamente a transmissão que o público assistia, apesar de os narradores e comentaristas estarem na praia, em alguns casos, não estavam no evento. No Tahiti, há anos, os locutores sempre ficam em terra. Em Fiji, ficam em Tavarua. Em Los Angeles é a mesma coisa. Ou pior ainda, na França o time fica dentro de um caminhão olhando para um monitor. Então, esse brilho nunca deixou de existir. E agora que o pessoal sabe que a equipe fica na Califórnia, apareceu uma nova preocupação. Há defensores ainda da transmissão via monitor, porque afinal de contas é o que o internauta está vendo. Não é a visão ‘in loco’, é a da tela. Não sou especialista no tema, mas acredito que na etapa do Brasil a gente tenha a transmissão em língua portuguesa também na praia. Mas em termos gerais, elas [as transmissões] serão feitas na Califórnia. Ainda não tem nada de concreto, mas, por exemplo, já pensamos que na etapa do Hawaii podemos colocar a transmissão em todas as línguas do Tour na praia, até porque é o último evento do ano e o título mundial pode estar em jogo. No que diz respeito ao time brasileiro, a princípio vão ficar Ícaro Cavalheiro e André Gionarelli, que agradaram a ASP. Acho que Ícaro está no final da carreira dele como juiz e de repente abriu uma nova porta dentro da entidade. E afinal de contas ele entende muito de surf, porque tem conhecimento técnico. Entende de julgamento, como funciona internamente, os bastidores e os detalhes da competição. O Ícaro mesmo já foi competidor, tem o pack completo para atuar bem nessa nova função. Mas outros nomes de brasileiros e portugueses estão sendo ventilados. E, como disse, é um trabalho dinâmico e pode mudar no decorrer dos anos.

 

A ZoSea agora tem o direito de transmissão dos eventos, mas no início esbarrou na estranheza das marcas de surf que produziam cada um ao seu modo os eventos. Como foi depois da Gold Coast?

Eu falei com vários players como Bob McKnight e todos os big bosses da Quiksilver, que adoraram o evento. E também veio na praia gente da Billabong, da Rip Curl. Com todos que falei, elogiaram o que se viu desta vez, com a melhora no atendimento, na ampliação e incremento dos lounges, o look and feel, como chamamos, que é elevar o nível das áreas que são os espaços para os atletas e o corporate, que vai também ao patrocinador e assim por diante.


Hickel e sua esposa no banquete de gala anual promovido pela ASP. Foto: ASP/Kirstin

Agora, os vídeos dos highlights das etapas (pelo menos no Quiksilver Pro Gold Coast) não puderam ser embedados diretamente pela mídia em geral, que se acostumou a pegar uma carona nas coberturas da etapas. De forma direta, por quê?  

Olha, de imediato, é para aumentar o índice de acessos no site e nos canais da ASP. Isso foi a principal parte do acordo com o YouTube. Parece óbvio que foram novas medidas para preservar o direito de transmissão e a marca da ASP, que almeja vender melhor seus ativos. [Nota do Editor: Hickel para a conversa e fala da visão da praia de Greenmount, onde está localizada a sede da ASP: “Cara, tem altas ondas aqui na frente, vou surfar assim que acabar a entrevista. Aqui vai dar onda o dia inteiro, agora que a maré está baixando, o mar está cada vez melhor”. Risos].


A ASP, que tem sua base principal na Austrália, agora abriu uma nova sede nos EUA. Quais os principais motivos que levaram a entidade a promover essa mudança? E a sua função continua a mesma na ASP? 

A minha função continua a mesma, como Tour Manager. E aqui no escritório da Austrália está funcionando o departamento de eventos e direção esportiva, onde eu atuo mais agora. E a razão de uma nova sede nos Estados Unidos é porque foram os americanos que compraram a ASP. Estamos construindo um escritório gigantesco lá, com dois estúdios de produção, um estúdio de broadcasting com o que há de mais moderno no mundo, melhor infraestrutura de relacionamento. Também será construído um grande museu nessa base. A ASP inclusive já comprou toda a coleção do Al Hunt, com tudo o que tem de melhor de todos esses anos do Tour. E essa sede será finalizada no segundo semestre de 2014. Eu continuo morando na Austrália. Mas alguns tiveram que se relocar para a Califórnia. Em Santa Monica, o escritório será animal, mas existe um quebra-coco de 2 pés a 100 metros ao sul do Pier, no buchicho; e aqui em Coolangatta tem altas ondas, por isso quis ficar na Austrália.

Os WCT Masculino e Feminino ganharam etapas como reforço, além do BWWT, que incluiu novos eventos. Mas, ao mesmo tempo, vimos uma queda no número de eventos QS. A ASP está focando mais nas divisões de elite neste início de trabalho?

De maneira alguma. A diminuição do número de eventos da Qualification Series aconteceu em reflexo da crise. Isso não tem nada a ver com a mudança de administração. Já fizemos intensas reuniões sobre esse assunto. Recebemos todos os sete representantes dos escritórios regionais na Califórnia para discutir saídas para essa questão, porque também existe a preocupação de aproximar os padrões dos eventos e de filtrar as boas mudanças que vão acontecer no WCT para os eventos do QS, Primes, Pro Juniors, etc.


Renato dedicou grande parte da sua vida ao esporte que mais ama. Foto: ASP/Steve Robbo

Como tornar os eventos do Circuito Mundial ainda mais atraentes para o público na praia? Ações de entretenimento como shows musicais ou mesmo eventos de boardsports, tal qual acontece em eventos como US Open?

Sim! Antes parecia que havia um cuidado muito grande com os atletas, patrocinadores e os vips, como tem que ser, mas pouquíssima preocupação com o público. Agora isso mudou. Na Gold Coast, por exemplo, tiramos a área gigantesca dos surfistas que ficava na praia, bloqueando a vista de quem passava na rua principal de Snapper Rocks. E dessa vez foi montada uma base única com andares mais para o canto da praia, com a área de atletas acoplada junto à técnica para deixar a praia livre para o público ver melhor e curtir mais. Acabamos com as lojas e criamos uma praça de alimentação, porque antes ficava tudo espremido nos surf clubs, no sol e no meio da rua, e quando comprava a comida não tinha onde comer. E o look and feel é que o fã que vem à praia tem que se sentir parte do evento; tem área para as crianças ficarem na sombra, tem a praça coberta com muitas opções de escolha, junto de telões para ninguém perder nada enquanto descansa. E, obviamente, a gente sabe que existe uma variação muito grande de um lugar para o outro por motivos diversos. No Tahiti, sem chance, em Fiji, muito menos. Em Bells, por causa do Cliff, não dá. Em Trestles, por causa das leis federais, também. E nos eventos paralelos, principalmente nos grandes centros como Brasil, França e Portugal, vamos querer ter skate, campeonato de SUP, corrida e entretenimento com música, e por aí vai. No evento do Brasil em particular eu acho que vai acontecer, possivelmente com uma grande atração musical.


Qual a importância para a ASP ainda ter Kelly Slater competindo no Tour. Qual é o retorno que a imagem dele dá ao esporte profissional? E, aposentado das competições, Kelly pode ser o futuro presidente da ASP?

A importância de Kelly é gigantesca. Ele é disparado o nosso maior profile dentro do Tour e o que mais atrai público. Mas eu sempre digo e dou o exemplo de Tom Curren, que era como Kelly na época dele e todos se preocupavam com a parada dele, assim como Tom Carroll, Martin Potter, antes o Mark Richards. Vamos em frente, porque daqui a pouco vai aparecer um outro surfista tão bom ou melhor do que ele, mais carismático do que ele. Mas, agora, é importantíssima a presença dele no Tour, ainda mais com ele declarando que vai permanecer por muitos anos na competição. E quanto a ele ser dirigente, eu duvido. Não que lhe falte competência para isso, porque não falta. Mas pelo que eu conheço, ele não demonstra interesse em ser. A ASP está segura e muito otimista.


Renato fez carreira como surfista profissional e juíz nos eventos nacionais. Foto: Jason Childs

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