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segunda-feira, 18 março, 2024
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Verdades Inconvenientes

Por Junior Faria

Voltei de uma viagem pra ilha norte da Nova Zelândia há uma semana. Fui pra lá com mais três amigos e ficamos 11 dias de um lado pro outro atrás de ondas. Mais uma viagem com ótimas recomendações, pouco dinheiro e com o objetivo que é a maior sina de um surfista: pegar boas ondas *. Dirigimos bastante, surfamos menos do que gostaríamos mas demos muita risada (acho que isso vale alguma coisa). Mas voltei de lá com mais certeza ainda de que mesmo com todo o auxílio tecnológico que dispomos hoje, achar uma condição excelente pra prática do nosso “esporte” continua sendo, digamos, difícil pra caralho (palavrão justificado por falta de uma expressão mais adequada).

Vou te contar, já dei umas voltas por aí e acho que é mais fácil pegar aquele mar clássico que tanto cobiçamos, parado em um lugar só. Parece brincadeira, mas é só eu pisar fora de casa que começo a ouvir aquela velha e conhecida história: “Cara, você devia ter visto isso aqui ontem!”, “Estava perfeito!”.

É o mesmo papo aqui, na Indonésia, no Hawaii e na Nova Zelândia. E em todos os outros lugares também. Acertar o lugar certo na hora certa é difícil demais! Sério.

Vou te falar sobre alguns lugares que já conheci. E em todos os casos descritos a seguir eu contava com a certeza de que pegaria as ondas mais incríveis da minha vida. Mas nada disso aconteceu. Em primeiro lugar no meu ranking de pé-frio está aquele famoso arquipélago indonésio: Mentawaii.

Olha, foram 10 dias balançando de um lado pro outro dentro do barco e o melhor que encontrei foi 1 metro de onda bem sem-vergonha em Greenbush.

Nada daqueles tubos infinitos, séries de ondas intermináveis e todo o oceano só para meus amigos e eu. Macaronis, meu amigo, dava até vergonha. Vento, água escura, tudo errado. Só entrei na água porque havíamos navegado muito pra chegar até lá. Se eu visse um mar daquele na frente da minha casa é provável que eu não iria nem me molhar.

Pra não parecer tão pessimista, até que uma tal direita apelidada de Burger World não estava tão ruim assim. Uma onda um pouco mais longa do que suas vizinhas, porém não tão forte, mesmo assim ofereceu bons momentos e um visual incrível. A onda dava a volta em uma ilha coberta de árvores enormes que saíam da praia e cobriam o mar, formando uma paisagem inusitada pra quem olhava o line-up do canal. Parecia que as árvores cobriam as ondas como um toldo natural, um cenário que o fotógrafo da barca, Sebastian Rojas, soube tirar proveito com sua maestria já conhecida. Mas infelizmente esse pointbreak foi uma das únicas surpresas agradáveis dessa viagem.

Lembro também de uma viagem que fiz pra Cabo Verde, mais especif camente pra ilha de São Vicente. Essa foi dureza.

Um flat de dar nos nervos e mais de duas semanas naquele deserto sendo açoitado por ventos de 40 nós que não davam trégua nem quando o sol ia embora. Pra você ter uma ideia, eu não podia nem abrir as janelas do quarto onde estava hospedado porque, segundo nosso anfitrião, arremessaria as janelas mais próximas contra a parede quebrando seus vidros. Mas depois de 10 dias sem onda e passando a maior parte do dia dentro do hotel, alguém com calor e sem paciência abriu uma janela e não deu outra: entrou aquele tufão dentro do quarto e segundos depois ouvi um estrondo e barulho de vidro estilhaçado no chão. Uma janela se quebrando as quatro horas da tarde causou o maior fluxo de adrenalina que senti em todos os dias que passei em Cabo Verde.

Lembro também de inúmeros campeonatos que nutriam uma expectativa enorme pelo potencial do lugar, mas que, caprichosamente, deixaram a desejar durante a semana do evento. Claro que a genialidade da organização em priorizar o verão como a melhor época para grandes competições de surf não ajudou em nada. Isso quando eles não jogavam o evento pro beachbreak mais perto da “cidade” ao invés de construir o palanque em frente ao pointbreak com fundo de pedra. Já vi isso acontecer nas Ilhas Canárias, no Tahiti e até no Brasil. “No Brasil?!?!”, você pensou. Sim, aqui no Brasil. Você sabia que tem altas ondas no Nordeste com fundo de coral? Então…

Enfim, campeonatos dificilmente coincidem com boas condições, por isso um evento com altas ondas é tão especial e marcante.

Mas não se engane tão facilmente com aquele vídeo super bem editado trazendo os melhores momentos, nem se deixe levar por uma matéria recheada de fotos incríveis na sua revista favorita.

Na grande maioria das vezes o que é mostrado não condiz com a realidade e alguém tem que dizer isso a você. E verdade seja dita. Nesse nosso mercado regido pela aparência, isso é o que mais acontece.

Quem se lembra daquele QS Prime em Balito? Nota 10 do Jessé num túnel pra direita com direito à saída depois da baforada e tudo mais. Shaun Tomson vibrava no webcast com tubos quadrados dizendo: “Que mar é esse?”; “O melhor dos últimos tempos!”; “Nossa vocês pegaram altas ondas, hein!”.

Agora, pergunte pro Jerônimo Vargas sobre as condições do mar nas baterias em que ele competiu na parte da tarde, com vento maral e maré seca. Todo dia era a mesma coisa, mar épico pela manhã e um pesadelo à tarde. Esse evento foi inesquecível pro Jê por outros motivos. Mas disso ninguém se lembra.

Foto de surf então, meu amigo, engana mais ainda. Aquele tubão lindo da Cacimba do Padre que você colou na porta do seu quarto pode ter sido uma bela de uma fechadeira, sabia? O cara que está em pé lá dentro tem muito mais coragem do que você imagina, e o fotógrafo então, com certeza se ferrou pra congelar esse momento. Mas tá tão bonito…

Olha, se todo mundo mostrasse exclusivamente a verdade, você ia ficar quietinho em casa esperando o outono chegar pra pegar aquele mar clássico que quebra uma vez por ano.

Não tô dizendo que todo mundo mente nas revistas e nos filmes de surf, mas é quase isso.

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