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quarta-feira, 20 março, 2024
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Debaixo do pico


Debaixo do pico, Paulo Barcellos registra o drop-para-tubo de Ricardo dos Santos em Off The Wall. Foto: Rafael Calsinski.

Por Steven Allain

Você está fora do circuito por causa de uma lesão no ombro. Quando melhorar, você pretende voltar a competir?
Já pedi o wildcard pra Pipe, em fevereiro. Quero, no mínimo, competir essa etapa. Não tenho dúvidas de que Pipe é a melhor onda do circuito. E competir lá com três pessoas dentro da água é sonho. Então tomara que nessa temporada as ondas apareçam na late season e bombem no campeonato. Também quero disputar no Chile, em Arica, uma onda parecida com Pipe. Acho que dá para fazer os dois junto com o trampo de fotografia.

Você mora direto no Hawaii, mesmo no verão?
Direto, o problema é esse. No ano passado, meu planejamento não era ficar no verão, mas me machuquei em fevereiro, tive que voltar para o Brasil. Como sou residente, tenho que estar aqui durante seis meses por ano, no mínimo. Aí eu passei o verão. Mas o objetivo é ir embora em abril ou maio, fazer as trips e voltar na temporada, por volta de setembro. A ideia é ficar julho, agosto e setembro fora do Hawaii.

E por que você escolheu o Hawaii pra morar? É melhor pra tua carreira ou porque você gosta mesmo?
Eu gosto do Hawaii. Esse clima da temporada eu acho muito irado. Todo dia tem onda. Mesmo em dia ruim, tem onda boa. Dá pra você treinar, não é um lugar que fica flat. Esse ano até aconteceu de dar flat, mas são nove dias de flat num ano inteiro, e é uma coisa que nunca acontece. E pra viajar daqui é legal, barato. Estou perto do Tahiti, da Indonésia, de Fiji, de Samoa. Acho que daqui é muito mais fácil sair para esses lugares. E eu me adapto bem porque o clima é parecido com o do Rio, não consigo me adaptar muito com o frio. Na Califórnia, por exemplo, eu acho o clima meio frio pra mim. Acho que estou na minha décima-sexta temporada havaiana, então já conheço uma galera, sei respeitar, sempre vim pra cá, já conheço as regras.

O brasileiro, quando vem pro Hawaii, já tem essa sina de ser do Brasil, de não ser local; é mais difícil pegar onda, principalmente onda da série. Sendo brasileiro e bodyboarder, isso piora?
Eu acho que a galera coloca muita pressão. Pra pegar onda em Pipe, você tem que estar dentro d’água. Até escutei isso uma vez com o Maicon Rosa, há muito tempo, acho que era na minha segunda ou terceira temporada. Aí eu falei: “Porra, tá mó crowd!”. Daí ele falou: “Mas mesmo no crowd, se você tiver na areia, não vai ter chance nunca de pegar”. E eu fui um cara que sempre morei em frente a Pipe. Fiquei oito anos na casa do John John, fiquei três anos na casa do GM. Surfo Pipeline todo dia quando tá rolando, então fico o tempo inteiro dentro d’água. Acho que é só esperar e estar preparado para botar pra baixo, porque na onda você não tem muito tempo pra pensar. De bodyboard eu acho que até ajuda, porque, como eu fico muito embaixo do pico, sempre sobra. E eu pego onda pra caramba, em Pipeline nunca tive problema. Nunca rabeei ninguém, graças a Deus. Nunca me estressei com ninguém nesses meus 15 anos de Hawaii. A galera havaiana não enche meu saco, nunca tive problemas. Eu gosto de cair nos Pipes grandes pra caramba, que estão meio maral, meio fechando, ou aqueles que estão bem perigosos. São nesses que você pega onda boa. Porque a galera quer cair no mar naquele que tá clássico, com 100 pessoas dentro d’água, e aí é óbvio que você não vai pegar muita coisa. Agora, se você cair em um que tá quase overcontrol e se posicionar bem, você pega onda.

Se você fica embaixo do pico em Pipe, esperando sobrar uma onda, volta e meia você toma na cabeça, certo?
É a penitência. Você tá ali pegando onda, faz parte tomar na cabeça. Por isso que desde quando entrei na fotografia, eu já ficava debaixo do pico. Sou um dos caras que mais toma na cabeça em Pipeline. Não arrego quando sobe a série, fico debaixo do pico esperando até o último minuto para ver se vai sobrar. Quando não sobra, é navalhada na orelha. Mas é isso que vale a pena. Se você tiver sangue frio para ficar, vai conseguir pegar. Ainda mais quando está no segundo reef, que a onda vem, parece que vai quebrar e todo mundo rema pra fora. Se ficar ali parado na bancada, existe uma boa chance de pegar.


Pra registrar momentos como esse, de John Florence em Pipeline, Paulo sabe que o risco é grande. Foto: Paulo Barcellos.

Quando você começou a se dedicar à fotografia?
Foi há um ano, pouco antes da minha lesão. Foram 20 dias de fotografia frenéticos. Aí fui aprendendo, fiz o curso com o Sebá [Sebastian Rojas, fotógrafo paulista]; o Tojal [Pedro Tojal, fotógrafo carioca] me ajudou bastante; o Daniel Russo, do Hawaii, me deu vários toques. Mas eu me machuquei e nem segurar a câmera na areia eu conseguia mais. Operei o ombro e tive que ficar na tipoia. Agora retornei, então de fotografia eu tenho 25 dias. Como surgiu a ideia de ser fotógrafo? Isso foi pilha do Camarão [Gustavo Camarão, videomaker carioca]. Quando eu corria o Circuito Mundial com o Guilherme [Tâmega, bodyboarder], a gente meio que revezava a câmera dentro d’água. Aí o Camarão sempre botou pilha para comprar uma filmadora, pegar uma câmera e ficar dentro do mar. Nos dias de muito crowd em Pipe eu gosto de ficar vendo a galera pegar onda. Se está impossível de pegar onda naqueles finais de tarde com três séries a cada meia hora, vou pra água ver a galera surfar, ver os tubos de perto. Pedi pro Camarão me ajudar a escolher todas as lentes, caixa e tudo mais. Comprei todo o equipamento. No primeiro dia em Pipe eu já liguei pro Pinguim, fotógrafo amigo meu, e perguntei como se faziam as coisas. Eu nem sabia mexer na câmera. Sou sincero, fui lá e tive uma aula com o Camarão. Minha mulher tava até comigo, a gente foi lá em Niterói. O Camarão era técnico de um time de futebol e no meio do treino ficava me ensinando. Ele ajustou como eu tinha que entrar e eu aprendi, mas, na realidade, estou aprendendo na marra. Acho que fotografia tem que aprender muito. Não sei fotografar da areia, por exemplo. Até falei para ele que eu não tenho muito o toque de artista, isso tenho que aprender

É, porque até certo ponto você fez o caminho meio inverso, né? Você tem coisas que poucos fotógrafos têm, que são o posicionamento, a coragem e o conhecimento de estar debaixo do pico. A maioria desenvolveu a fotografia e o lado artístico primeiro.
Pois é, e foi engraçado no ano passado, quando quebrou Pipe, um dos melhores da temporada, e os caras que estavam tirando foto me viram dentro d’água e um deles me perguntou: “Pô, tu acha seguro entrar num mar desses?”. Cara, ele tira foto há 16 anos e não sabia o que tava falando. Falei pra ele que eu pegava onda de bodyboard, que já tinha sido campeão mundial e que já peguei muita onda em Pipe. Só aí o cara entendeu. Depois o Russo, que conheço a bastante tempo, me apresentou para a galera. Então acho que não ficou aquele negócio de o pessoal se estressar comigo. Isso porque nos mares em que eu entrei, não é qualquer fotógrafo que vai entrar. Então eu já estou habituado, agora preciso aprender a fotografar. Até fiz o curso com o Sebá, mas é questão de tempo, você vai estudando. Quando eu tava no Brasil, machucado, fiz curso de Fotografia, li bastante. E com a galera que está sempre me ajudando, aos poucos vou aprendendo mais. Estou buscando uns ângulos diferentes, meio debaixo, num pico que eu sei que consigo ficar. Acho que ajuda bastante o fato de eu ser bodyboarder.

Você acha que o seu conhecimento em bodyboard e de Pipe são seus grandes diferenciais sobre os outros fotógrafos? Cara, acho que o bodyboarder já gosta de ficar embaixo do pico. Coisa que é meio parecida com o fotógrafo. Eu sempre fiquei muito embaixo do pico em Pipeline, sempre. E hoje em dia, onde eu me posiciono para fotografar é neste mesmo lugar. Tanto que eu tiro mais fotos das séries, não das intermediárias. Onde eu me posiciono é muito perto de onde eu já ficava. Em Pipeline eu sempre tomei onda na cabeça, sempre voltei, fui varrido 200 mil vezes. Porra, entrava no mar, arrebentava o strap e voltava. A transição para a caixa é isso aí, dá pra fazer tudo. Ano passado, na temporada eu fiz os dois. Fotografei e peguei onda pra caramba.

Como agora você balanceia, fotografar e surfar? Você mora em frente a Pipe, o mar está irado e, obviamente, como bodyboarder, você fica com vontade de cair; mas, como fotógrafo profissional, tudo o que você espera é aquele dia perfeito para produzir imagens. E aí?
Dá pra fazer os dois. Meu problema é que eu já cheguei num nível muito alto de adrenalina na fotografia. O primeiro mar que fotografei foi um Pipe 10 pés, então prefiro fotografar num ‘dezpézão‘ de sol durante quatro ou cinco horas e no final de tarde eu surfo. Eu preciso pegar uma onda por dia. Já peguei tanta onda em Pipe, tanta em Teahupoo, que não tô mais naquela… Não é questão de ficar velho, mas sabe quando você chega num nível de adrenalina que precisa de uma coisa muito alta para se sentir empolgado? Acho que na fotografia estou tendo isso, coisa que no bodyboard já estou meio habituado.

A entrevista com Paulo Barcellos, nas páginas da HC de fevereiro, continua. Para ver algumas das melhores imagens registradas pelo fotógrafo na última temporada havaian, acesse nossa galeria aqui.

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